Endividamento e inadimplência dos consumidores na Região Norte do Brasil

A transição para um novo ano pode trazer consigo uma sensação de renovação e a chance de recomeçar.

A chegada do ano novo, como o de 2024, muitas vezes é vista como uma oportunidade para renovar esperanças, estabelecer metas e buscar melhorias em diversas áreas da vida. Há uma simbologia associada à virada do ano que incentiva as pessoas a refletirem sobre seus objetivos e a buscarem mudanças positivas.

A transição para um novo ano pode trazer consigo uma sensação de renovação e a chance de recomeçar. As pessoas frequentemente estabelecem resoluções de ano novo, que são metas e objetivos para melhorar diferentes aspectos de suas vidas, seja na saúde, relacionamentos, carreira ou finanças.

No entanto, é importante considerar que a virada do ano não resolverá automaticamente os desafios financeiros enfrentados por algumas famílias, especialmente num contexto como o do Brasil, onde o endividamento das famílias é uma preocupação persistente. Mesmo com as boas intenções e esperanças associadas ao ano novo, muitas famílias podem continuar enfrentando dificuldades financeiras devido às dívidas acumuladas ao longo dos anos anteriores.

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulga mensalmente a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), uma ferramenta em operação desde janeiro de 2010. Essa pesquisa visa avaliar o nível de individualização e inadimplência, possibilitando o acompanhamento do comprometimento da renda e da capacidade de consumo futuro das famílias. Trata-se de um indicador crucial para compreender a situação financeira do consumidor, contribuindo para análises prospectivas de vendas no comércio e serviços, fornecidas suporte para estratégias de planejamento.

Embora seja um problema que impacta todo o Brasil, é relevante direcionar o foco para a região Norte do país. Esta região apresenta características únicas que justificam um olhar específico para os estados que a compõem. Aspectos geográficos, socioeconômicos e culturais restritos para nuances particulares na dinâmica econômica e financeira dessa região.

Ao analisar os dados referentes ao período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024, percebe-se uma realidade preocupante. O endividamento e a inadimplência na região Norte destacam-se, evidenciando desafios importantes enfrentados pelas famílias nortistas.

Percentual de famílias endividadas. Fonte: elaborado a partir da PEIC (2024)

O gráfico apresenta uma série histórica sobre o percentual de famílias individualizadas nos estados da região Norte do Brasil, abrangendo o período de janeiro de 2023 a janeiro de 2024. O comportamento dessa dinâmica ao longo desse período, destaca os Estados com famílias mais ou menos divididas.

O estado do Amazonas inicia o período com um percentual elevado de famílias individualizadas (85,2% em janeiro de 2023), atingindo o pico em março de 2023 (89,8%). A partir desse ponto, observa-se uma tendência de queda, atingindo 80,3% em dezembro de 2023 e, posteriormente, 81,9% em janeiro de 2024. O Pará, por sua vez, inicia o período com um percentual menor (62,1% em janeiro de 2023), mantendo uma estabilidade relativa ao longo do ano, oscilando entre 60,9% e 67,3%. Em janeiro de 2024, registra um percentual de 63,4%.

O Acre apresenta uma redução constante no percentual de famílias individualizadas ao longo do período. Inicia com 80,6% em janeiro de 2023, atingindo 78,1% em janeiro de 2024. Rondônia mostra variações ao longo do ano, iniciando com 78,3% em janeiro de 2023 e atingindo o pico em outubro de 2023 (78,7%). Em janeiro de 2024, registro de 79,2%. Roraima apresenta um aumento significativo no percentual de famílias individualizadas ao longo do período, partindo de 85% em janeiro de 2023 para 90,5% em janeiro de 2024. O Amapá mantém uma certa estabilidade, com pequenas variações, iniciando com 67,9% em janeiro de 2023 e alcançando 68,7% em janeiro de 2024.

Tocantins mostra uma variação moderada ao longo do ano, começando com 78,7% em janeiro de 2023 e encerrando em 76,6% em janeiro de 2024. Destaca-se que, enquanto alguns estados, como Amazonas e Acre, apresentam tendências de queda, outros, como Roraima, mostram um aumento expressivo no endividamento das famílias.

O gráfico abaixo apresenta o percentual médio de famílias endividadas nos estados da região Norte do Brasil durante o período analisado (janeiro de 2023 a janeiro de 2024), bem como a média para toda a região. Esses valores oferecem uma visão consolidada do endividamento familiar, permitindo inferências sobre o panorama econômico da região.

Média Endividados por Estados Jan/2023 a Jan/2024. Fonte: elaborado a partir da PEIC (2024)

Ao representar esses dados em um mapa, seria possível visualizar de maneira mais intuitiva as disparidades de endividamento entre os estados.

Amazonas e Roraima lideraram o índice de individualização: Os estados do Amazonas (84,3%) e Roraima (89,4%) apresentam as médias mais elevadas, proporcionando uma situação financeira desafiadora para as famílias nesses estados. O alto índice de individualização pode ser resultado de diversos fatores, como custo de vida, variações econômicas regionais e níveis de emprego.

Os estados do Amapá (70,6%), Acre (74,8%) e Rondônia (76,7%) apresentam índices intermediários. O Pará (63,1%) e Tocantins (76,9%) apresentam as médias mais baixas em comparação com outros estados da região. A média geral para a Região Norte é de 76,54%, lançando um cenário desafiador para a maioria das famílias nessa área do país. A análise mostra as variações em diferentes estados, fornecendo uma visão geral do quadro regional.

A região Norte do Brasil enfrenta um cenário desafiador em relação às contas em atraso e às famílias sem condições de pagar, conforme revelado pelos dados de janeiro de 2023 a janeiro de 2024. Os estados apresentam variações nas taxas, com Roraima e Amazonas destacando-se por índices mais elevados. A evolução ao longo do período mostra que, apesar de alguns estados registrarem redução nas contas em atraso, como Acre e Tocantins, a situação permanece crítica em diversos locais. 

Roraima, por exemplo, experimentou um aumento notável nas famílias sem condições de pagar. O gráfico seguinte mostra o percentual médio de famílias endividadas com contas em atraso e as que não terão condições de pagar nos estados da Região Norte do Brasil.

Média – Famílias com contas atrasadas e sem condições de pagar. Fonte: elaborado a partir da PEIC (2024)

Observa-se uma disparidade nas médias entre os estados, refletindo diferentes realidades econômicas e financeiras. O estado do Amazonas se destaca com a maior média de 45,3%, proporção significativa de famílias com contas em atraso. Roraima também apresenta um índice expressivo de 43,4%, enquanto o Amapá registra uma média de 36,2%. Em contrapartida, o Tocantins apresenta uma menor média, com apenas 13,2% das famílias individualizadas com contas em atraso. A mídia da Região Norte como um todo, situando-se em 30,46%, reflete a diversidade dessas situações, embora alguns estados enfrentem desafios mais acentuados, outros fornecem índices mais baixos de famílias com contas em atraso.

Em relação às famílias que não terão condições de pagar suas contas o Amazonas se destaca com a maior média, atingindo 18,88%, o que sugere uma parcela substancial de famílias enfrentando dificuldades financeiras no estado. O Amapá também registra uma média expressiva de 14,28%, enquanto o Tocantins apresenta uma média menor, com apenas 0,46% das famílias em situação de incapacidade financeira. Essa variação pode ser atribuída a diversos fatores, como taxas de desemprego, renda média e custo de vida específicos de cada estado. A média da Região Norte como um todo, situada em 9,73%, indica que, embora alguns estados enfrentem desafios mais intensos em termos de capacidade de pagamento, outros fornecem índices mais baixos de famílias em situação financeira precária.

Esses dados oferecem uma visão abrangente das condições econômicas heterogêneas na Região Norte do Brasil e ressalta a necessidade de políticas públicas focadas em mitigar as consequências do endividamento, especialmente considerando as variações significativas entre os estados, para promover uma recuperação econômica mais equitativa e sustentável na região Norte.

Diante do cenário de inadimplência e endividamento nas famílias da Região Norte do Brasil, a implementação de programas abrangentes de educação financeira pode desempenhar um papel crucial na promoção de uma gestão financeira mais saudável. Algumas propostas incluem:

• Desenvolver cursos e workshops presenciais e online sobre planejamento financeiro, orçamento familiar, e gestão de dívidas. Essas iniciativas podem ser realizadas em parceria com instituições educacionais, ONGs e órgãos governamentais.

• Propor a inclusão de conteúdos relacionados à educação financeira nos currículos escolares desde o ensino fundamental até o ensino médio, proporcionando às novas gerações uma compreensão precoce e sólida sobre finanças pessoais.

• Lançar campanhas de conscientização em meios de comunicação locais, abordando temas como a importância do planejamento financeiro, a utilização responsável de crédito e estratégias para evitar a inadimplência.

• Estabelecer parcerias com instituições financeiras para oferecer serviços bancários básicos, produtos de crédito responsáveis e taxas preferenciais a quem participa de programas de educação financeira.

• Desenvolver materiais educativos personalizados para cada estado, considerando as características socioeconômicas e culturais específicas de cada região. Esses materiais podem abordar questões locais relevantes.

• Implementar programas de mentoria financeira, envolvendo profissionais especializados que auxiliam as famílias no desenvolvimento de estratégias personalizadas para lidar com dívidas e planejar o futuro financeiro.

• Criar plataformas digitais acessíveis para disponibilizar recursos educativos, ferramentas de orçamento e calculadoras de dívidas, tornando a educação financeira mais acessível a todas as camadas da população.

• Realizar eventos comunitários que oferecem palestras, consultoria financeira gratuita e espaço para esclarecimento de dúvidas, promovendo a interação direta entre especialistas e a população.

Essas propostas visam abordar a inadimplência e o endividamento por meio do empoderamento financeiro, capacitando as famílias para tomarem decisões informadas sobre suas finanças. A educação financeira não contribui apenas para a estabilidade econômica individual, mas também para o fortalecimento da economia regional como um todo.

Com a colaboração de:

Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos

Sobre o autor

Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.

Contato: jbarbosa@ufam.edu.br

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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