Amazonas e o clima: impactos das mudanças globais

Os impactos das mudanças climáticas no Estado do Amazonas são múltiplos e afetam dimensões ambientais, sociais e econômicas.

Seca em Tefé, no Amazonas. Foto: Ayan Fleischman

Por Yunier Sarmiento Ramírez e Jose Barbosa Filho

A dinâmica climática da região é marcada por duas estações bem definidas: a seca e a chuvosa, separadas por curtos períodos de transição. Tradicionalmente, a estação seca ocorre entre maio e setembro/outubro, caracterizando-se pela redução significativa das chuvas e pela consequente queda nos níveis dos rios. Já a estação chuvosa, que se estende de novembro a março, é marcada pelo aumento expressivo das precipitações, ocasionando a elevação dos níveis dos rios e as cheias que atingem florestas e áreas ribeirinhas. Os meses de abril e outubro configuram-se como períodos de transição entre essas duas fases.

Amazonas e o clima: impactos das mudanças globais
Fonte: CNN Brasil. Antes e depois: veja impacto da seca no Rio Negro. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/antes-e-depois-veja-impacto-da-seca-no-rio-negro/. Acesso em: 17 out. 2025.

Durante a cheia (novembro a março), o Amazonas vivencia um período de elevada pluviosidade que provoca o transbordamento dos rios, formando os igapós — florestas alagadas — e os igarapés, que integram o complexo sistema hídrico amazônico. Esse fenômeno, embora essencial à dinâmica ecológica da região, pode causar sérios transtornos às populações ribeirinhas, como o alagamento de moradias, prejuízos à agricultura de várzea e interrupção de rotas de transporte.

Na transição de abril, observa-se a redução gradual das chuvas e o início do processo de vazante, quando o nível dos rios começa a baixar. A estação seca (maio a setembro) é marcada por baixas precipitações, aumento da temperatura e queda da umidade relativa do ar. Esse período favorece o surgimento de focos de queimadas, o comprometimento da navegabilidade dos rios — com embarcações encalhadas em trechos críticos — e a escassez de recursos hídricos em comunidades isoladas. O mês de outubro, por sua vez, sinaliza o retorno das chuvas e o início da recuperação dos níveis de água.

Entre as principais causas desses eventos extremos estão fenômenos climáticos de escala global, como o El Niño, caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico, e o aquecimento do Atlântico Tropical, que altera os padrões de circulação atmosférica e influencia a formação de nuvens na Amazônia. Esses fenômenos reduzem a umidade disponível e inibem a ocorrência de chuvas, intensificando os períodos de seca.

As consequências das secas severas são amplas e atingem diretamente a vida cotidiana das populações amazônicas: a escassez de água e alimentos, o isolamento de comunidades ribeirinhas devido à interrupção da navegação, o fechamento de comércios fluviais e o aumento das queimadas — que, por sua vez, agravam os problemas de saúde pública e a perda de biodiversidade. Em contrapartida, as cheias extremas também produzem efeitos negativos, inundando habitações, destruindo plantações, afetando a infraestrutura urbana e rural e forçando deslocamentos populacionais temporários.

De acordo com estudos recentes divulgados pela InfoAmazonia (2024), as mudanças climáticas globais estão intensificando tanto as secas quanto as cheias na Amazônia, tornando esses eventos mais extremos e frequentes. Essa tendência evidencia o crescente desequilíbrio do regime hidrológico amazônico, cujas consequências repercutem em toda a bacia hidrográfica e colocam em risco a estabilidade ecológica e socioeconômica da região.

A análise das receitas públicas do Estado do Amazonas revela uma trajetória de crescimento consistente ao longo do período de 2019 a 2024, ainda que em um cenário de intensificação das anomalias climáticas e de desafios socioeconômicos decorrentes da variabilidade ambiental. Conforme apresentado no Gráfico 1, observa-se que as Receitas – Exceto Intra-Orçamentárias – passaram de R$ 21,2 bilhões em 2019 para R$ 38,1 bilhões em 2024, o que representa um crescimento acumulado de aproximadamente 80% em cinco anos.

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Esse aumento reflete, em parte, a recuperação econômica pós-pandemia e o fortalecimento das bases fiscais estaduais, impulsionado pela arrecadação de impostos sobre o consumo e a produção industrial, especialmente no Polo Industrial de Manaus (PIM). No entanto, o comportamento das receitas também está sujeito aos impactos das variações climáticas, que afetam direta e indiretamente a economia regional. Em períodos de seca severa, o transporte fluvial — principal meio logístico do estado — sofre restrições, o que compromete o escoamento de mercadorias, eleva custos e reduz a arrecadação em determinados setores. Já nas cheias extremas, as inundações afetam atividades produtivas urbanas e rurais, ampliando os gastos públicos com ações de emergência e recuperação.

Gráfico 1 – Evolução do Valor das Receitas – Exceto Intra-Orçamentárias por Ano no Amazonas (R$)

A intensificação das mudanças climáticas — expressa por secas prolongadas, cheias extremas, queimadas, deslizamentos e elevação anormal dos níveis dos rios — tem produzido efeitos significativos sobre a estrutura fiscal do Estado do Amazonas. Esses fenômenos impactam tanto a arrecadação tributária quanto a dependência de transferências federais e a geração de receitas ambientais, revelando a necessidade de incorporar a variável climática ao planejamento orçamentário e às políticas públicas estaduais.

De modo geral, as mudanças climáticas podem:

  1. Reduzir a arrecadação tributária, por afetar a atividade econômica, o consumo, a produção e o transporte fluvial;
  2. Aumentar a dependência de transferências da União, especialmente em períodos de crise ambiental, quando crescem as demandas por recursos destinados à saúde, defesa civil e assistência social;
  3. Gerar novas receitas associadas à mitigação e à resposta a desastres, como compensações financeiras, operações de crédito e multas ambientais.

Essa lógica orienta a construção de três eixos analíticos complementares, que permitem compreender como os eventos climáticos extremos afetam o equilíbrio fiscal e a resiliência econômica do Estado.

Eixo 1 — Arrecadação Própria e Atividade Econômica

O primeiro eixo examina o impacto das variações climáticas na capacidade arrecadatória do Estado, com foco nos tributos que refletem diretamente o desempenho econômico regional: ICMS (1.1.1.4.50.1.0), IPVA (1.1.1.2.51.0.0), IRRF (1.1.1.3.03.0.0) e taxas (1.1.2).

Durante os períodos de seca severa, a redução dos níveis dos rios compromete o transporte fluvial — eixo central da logística amazônica —, afetando o escoamento da produção e o abastecimento de insumos. Como consequência, há queda na arrecadação tributária e desaceleração da economia local. Em contrapartida, nas cheias extremas, a paralisação de atividades comerciais e produtivas em áreas urbanas e ribeirinhas também reduz temporariamente o volume de tributos arrecadados. Assim, a variação negativa na arrecadação durante eventos de seca, cheia ou interrupção logística constitui um indicador-chave da vulnerabilidade econômica e fiscal do Amazonas frente às mudanças climáticas.

Eixo 2 — Transferências Federais e Compensações Ambientais

O segundo eixo analisa a dependência dos repasses da União e de compensações financeiras em períodos de crise ambiental. Entre os principais componentes estão o FPE (1.7.1.1.50.0.0), as compensações pela exploração de recursos naturais (CFURH e CFEM – 1.7.1.2), os recursos do SUS (1.7.1.3), FUNDEB e FNDE (1.7.1.4 e 1.7.1.5), o FNAS (1.7.1.6) e os convênios de emergência (2.4.1.4).

Observa-se que, em situações de seca severa, enchentes ou queimadas de grande escala, tende a ocorrer expansão dos repasses federais destinados à recomposição de perdas e ao financiamento de políticas emergenciais. Esse comportamento evidencia a função contracíclica das transferências intergovernamentais, que atuam como mecanismo de compensação financeira e de apoio à capacidade fiscal estadual. Portanto, o crescimento desses repasses durante períodos de crise ambiental serve como indicador da dependência estrutural do Amazonas em relação à União em contextos de instabilidade climática.

Eixo 3 — Receitas Ambientais e Patrimoniais

O terceiro eixo foca nos mecanismos de política ambiental e de gestão patrimonial que produzem receitas diretamente associadas à mitigação e à resposta a desastres naturais. Entre as principais fontes estão a Taxa de Controle Ambiental (1.1.2.1.04.0.0), as multas ambientais (1.9.1.1.06.0.0), as compensações financeiras (1.7.1.2), a alienação de bens públicos danificados (2.2.0.0.00.0.0) e as operações de crédito para reconstrução (2.1.0.0.00.0.0).

O aumento dessas receitas indica, por um lado, o custo econômico crescente dos eventos climáticos e, por outro, o fortalecimento da atuação estatal em políticas ambientais e de reconstrução. Assim, a expansão das receitas ambientais e de crédito voltadas à recuperação de áreas afetadas pode ser interpretada como um indicador de resposta institucional e aprimoramento da governança ambiental no contexto amazônico.

Com base na lógica de análise e nos eixos fiscais apresentados anteriormente, foram definidos os grupos prioritários de receitas públicas a serem observados na investigação. Cada grupo representa uma dimensão específica de impacto das mudanças climáticas sobre as finanças estaduais, abrangendo desde a arrecadação própria até as receitas ambientais e operações de crédito voltadas à reconstrução. A tabela 1 a seguir sintetiza essas categorias, os principais códigos orçamentários e o tipo de impacto climático associado.

Tabela 1- Síntese: grupos prioritários para estudo

Categoria macroCódigos principaisTipo de impacto climático
Atividade econômica e arrecadação própria1.1.1.4, 1.1.2, 1.3.1Queda da arrecadação por desastres
Compensações e transferências federais1.7.1.2, 1.7.1.3, 1.7.1.6, 2.4.1Aumento da dependência de repasses
Receitas ambientais e multas1.1.2.1.04, 1.9.1.1.06Política ambiental e controle de desmatamento
Operações de crédito e capital2.1.0, 2.2.0Endividamento para reconstrução e adaptação

Essas transferências são realizadas por meio de convênios entre ministérios e governos estaduais ou municipais, geralmente com o objetivo de reconstruir pontes, estradas, escolas e unidades de saúde após desastres naturais, além de promover obras de drenagem, saneamento básico e contenção de encostas. Em contextos de seca severa, enchentes ou queimadas, observa-se historicamente um aumento expressivo desses repasses, especialmente aqueles firmados com o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a Defesa Civil Nacional e o Ministério do Meio Ambiente.

O comportamento dessas receitas no período de 2019 a 2024 ilustra com clareza essa relação. Como mostra o Gráfico 2, as Transferências de Convênios da União cresceram de R$ 49 milhões em 2019 para R$ 137 milhões em 2021, refletindo o aumento dos repasses federais para a reconstrução de municípios atingidos pela cheia histórica de 2021 — uma das mais severas já registradas no estado.

Gráfico 2 – Evolução do Valor das Transferências de Convênios da União (R$)

Em 2022, nota-se uma redução significativa, com o valor caindo para R$ 101 milhões, o que coincide com o fim dos convênios emergenciais estabelecidos no ano anterior. Contudo, o ciclo volta a se inverter em 2023 e 2024, quando os valores sobem para R$ 147 milhões e R$ 200 milhões, respectivamente. Esse novo aumento está associado à seca extrema que afetou o Amazonas nesses dois anos, comprometendo o transporte fluvial, a geração de energia e o abastecimento de comunidades ribeirinhas, o que levou à ampliação de convênios de apoio e mitigação.

Portanto, a trajetória dessa rubrica evidencia que as mudanças climáticas têm influência direta sobre a execução das transferências intergovernamentais, funcionando como gatilhos fiscais que ampliam a necessidade de repasses extraordinários em períodos de crise. As cheias e secas severas intensificam tanto os danos materiais quanto as demandas por recursos, reforçando a importância de incorporar a variabilidade climática ao planejamento fiscal estadual, de modo a reduzir a dependência de transferências emergenciais e fortalecer políticas preventivas e de adaptação.

Com a colaboração de:

Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos

Sobre o autor

Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.

Contato: jbarbosa@ufam.edu.br

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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