Insegurança pública: violência fora de controle e juventude perdida

Cada vez fica mais evidente a ineficácia do Estado em proteger nossos jovens, proporcionando educação, saúde e oportunidade de trabalho.

Esta última semana, período em que se relembrou o martírio de Jesus Cristo, foi marcada pelo martírio da população brasileira, que vive sob o jugo do medo e da violência. Dois casos chamaram atenção nos noticiários: uma idosa que foi arrastada por um carro, presa a um cinto de segurança após ser assaltada, e a tentativa de latrocínio contra um jornalista da Rede Globo DF, que quase morreu vítima de facadas, 10 (dez) ao todo.

A primeira notícia foi de sábado, dia 09 de abril, com a seguinte manchete:

“Idosa é arrastada em carro por um quilômetro após assalto na Pavuna

Eci Coutinho Bella está internada no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, Zona Norte do Rio”

Por ocasião de um assalto em que sua família sofreu no dia 9 de abril último passado quando dois homens armados roubaram o carro em que a família estava. Todos conseguiram sair do carro, com exceção de Dona Eci, que teve dificuldades para tirar o conto e sair do carro. Os assaltantes não esperaram Dona Eci sair do carro e fugiram levando o carro e Dona Eci arrastada ao veículo pelo conto de segurança. Os familiares gritaram implorando que parassem o carro e liberassem Dona Eci, mas em vão. Por mais de 400 metros ela foi arrastada pelo asfalto. Depois de 400 metros o cinto arrebentou e Dona Eci ficou largada na rua aguardando socorro.

A segunda notícia foi de 14 de abril, com a manchete: 

“Jornalista da TV Globo, Gabriel Luiz é esfaqueado em Brasília

Crime ocorreu perto da casa dele, no Sudoeste, na noite de quinta-feira (14); câmeras de segurança flagraram suspeitos. Repórter foi internado no Hospital de Base do DF”

Gabriel Luiz, por sua vez, foi assaltado por dois jovens quando retornava para sua residência. Foi abordado pelos dois jovens, que violentamente o agrediram, dando-lhe 10 facadas durante o assalto.

Foto: Reprodução/Canva

Ambos os casos estão relacionados ao crime de roubo. Este crime está previsto no Código Penal, art. 157, que consiste em “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa”.

Em ambos os casos o crime é considerado qualificado, ou seja, possui circunstância que torna o crime mais gravoso, com pena maior, caracterizada quando a violência empregada no furto resultar em morte (art. 157, §3º, inc. II, CP). Neste caso, a pena passa a ser de reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. Felizmente as vítimas não chegaram a falecer, mas os criminosos responderão, conforme enquadramento dado pelas autoridades policiais encarregadas dos casos, pelo crime de latrocínio tentado, ou seja, quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, inc. II, CP).

Foi exatamente o que aconteceu. Os assaltantes tentaram matar o jornalista Gabriel Luiz, dando-lhe 10 facadas, a fim de concretizar o roubo. De igual forma tentaram matar a Dona Eci Coutinho Bella, pois o resultado morte era previsível ao se arrastar alguém com um carro pelas ruas da cidade. A morte dessas pessoas só não ocorreu por muita sorte.

A pena, em casos de tentativa, é a mesma do crime consumado, “diminuída de um a dois terços“, conforme dispõe o Art. 14, parágrafo único, CP.
Infelizmente, crimes como esses são comuns no Brasil, ocorrem todos os dias, em todo o país. O que chamou a atenção nesses casos foi a dimensão das violências praticadas, principalmente contra uma senhora idosa, de 72 anos de idade, arrastada pelas ruas da cidade, por um carro, presa a um cinto de segurança. Algo incomum, mesmo para um país violento como o nosso. Apesar de incomum, não é inédito, pois já tivemos situação parecida que ocorreu com o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos de idade, há 15 anos na cidade do Rio de Janeiro.

Outro fator que chamou atenção nesses dois crimes que repercutiram nos noticiários nacionais, foi a idade dos suspeitos de os terem praticados. No roubo que resultou nas graves lesões em Dona Eci Coutinho Bella, que chegou a ser arrastada pelo carro roubado pelos assaltantes, os suspeitos têm 19 e 22 anos de idade.

Segundo a Polícia Civil, que investiga o caso, 

os dois suspeitos estão na cadeia. Na quarta-feira (13), Júlio Cezar Ramos Bernardo, de 19 anos, foi identificado e preso depois de usar o celular roubado do filho da dona Eci. Júlio Cézar tirou fotos com a namorada, e as imagens ficaram armazenadas no banco de dados do aparelho. Ele contou na delegacia ter vendido o carro da família por R$ 2,5 mil. O veículo até agora não foi encontrado.

Já Alex Sandro Francisco da Silva Júnior, de 22 anos, foi preso na quinta-feira (14) à noite. Segundo a Polícia Civil, ele tem perfil violento, esteve envolvido em outros assaltos e num latrocínio, roubo seguido de morte, quando era menor de idade.

No crime de roubo praticado contra o jornalista Gabriel Luiz, a idade dos suspeitos é ainda menor, um deles tem 19 anos de idade e o outro é um menor, de apenas 17 anos.

Na sexta-feira, dia 15 de abril, a Polícia Civil já havia informado a apreensão de um adolescente de 17 anos, suspeito de envolvimento. No mesmo dia, foi comunicada a prisão do segundo suspeito, preso em uma praça no Cruzeiro, em Brasília, região onde fica a 3ª Delegacia de Polícia (unidade que apura o ataque ao jornalista).

A baixa idade dos suspeitos desses crimes bárbaros é bastante preocupante, pois retrata uma juventude perdida, condenada ao mundo do crime e a uma baixa expectativa de vida.

Em relação aos jovens, eles já representam uma parcela significativa da população carcerária brasileira. Chama a atenção que a principal faixa etária nas prisões seja a de 18 a 24 anos (26% do total). Logo em seguida aparecem os presos de 25 a 29 anos (24%). Quase metade da população carcerária brasileira é composta de jovens.

Segundo o juiz José Dantas, da 1ª Eci Coutinho Bella Vara da Infância e Juventude de Natal, que convive todos os dias com relatos de violência durante suas audiências com jovens infratores do Rio Grande do Norte 

“É comum ouvir adolescentes dizendo que estão sob ameaça, principalmente das facções. Onde há ausência do poder público o poder paralelo assume. O crime dá o que o Estado não oferece: dinheiro, visibilidade, poder”.

O referido juiz afirma, ainda, que:

“Tem rapaz que com 16 anos já comanda território, administra o tráfico. Nessa vida ele cria inimigos, rivais, se envolve em conflitos. Muitos são assassinados. Mas eles também são usados pelas facções, porque, também na criminalidade, existe a ideia de que menor de idade não fica preso. E isso não é verdade, muitos são internados”.

É muito preocupante essa situação, pois os jovens ingressam cada vez mais cedo no mundo do crime, o que demonstra que nossa política criminal e de proteção das crianças, adolescentes e jovens não tem funcionado. Não temos conseguido prevenir a prática dos crimes.

Cada vez fica mais evidente a ineficácia do Estado em proteger nossos jovens, proporcionando educação, saúde e oportunidade de trabalho. As famílias desestruturadas também contribuem para esse desajuste social. Em muitos casos, resultado do desemprego e da falta de uma política nacional de assistência social. Por outro lado, não restam dúvidas que as facções criminosas têm tido êxito no recrutamento desses jovens para o mundo do crime.

Não podemos perder mais tempo, nem tão pouco fechar os olhos para o problema. É necessário que sejam formuladas e implementadas políticas públicas voltadas a resolver esse sério problema, que não é apenas de ordem policial, mas, principalmente de ordem social.

Com relação a Dona Eci Coutinho Bella e o jornalista Gabriel Luiz, graças a Deus, sobreviveram e estão se recuperando da violência sofrida. Como escrevi este artigo no Domingo de Páscoa, fazemos mais uma analogia a Cristo: eles venceram a morte. Infelizmente, nem todas as vítimas de roubo tem a mesma sorte de saírem vivas desse trágico evento.

Sobre o autor

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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