A forma de apresentação da cultura indígena ao turista, com vistas a fugir de estereótipos e preconceitos e de acordo com o que os indígenas querem realmente mostrar, os preços cobrados pelas comunidades em relação à atividade turística e a necessidade de fiscalização por parte do Poder Executivo para reprimir concorrência desleal estiveram entre os principais pontos tratados na primeira reunião do fórum sobre o ordenamento da atividade turística nas comunidades indígenas do Baixo Rio Negro, ocorrida na última quarta-feira (15), na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé.
Durante o encontro, lideranças indígenas, representantes de órgãos públicos, empresários e estudiosos do tema expuseram as dificuldades e demandas relacionadas ao mercado turístico nas quatro comunidades indígenas mistas que habitam duas unidades de conservação no Baixo Rio Negro, a RDS do Tupé e a RDS Puranga Conquista.
Mediador dos debates, o procurador da República Fernando Soave ressaltou a importância da construção coletiva das regras que vão orientar o desenvolvimento dessa atividade econômica dentro dos núcleos ou comunidades indígenas, a partir do diálogo com todos os atores envolvidos nesse processo, que é acompanhado pelo MPF desde o ano de 2017.
“A ideia é trazer benefícios para as comunidades, com uma regularidade mínima, construída com a participação de todos. Por isso foram convidados empresários, agências de turismo e, especialmente, os mais interessados, que são os comunitários, os povos que trabalham com isso”, afirmou o procurador.
A audiência foi o marco para o início da vigência dos acordos de visitação das comunidades indígenas que habitam as duas reservas, resultado do trabalho conjunto, desenvolvido há cerca de dois anos, por órgãos públicos, pesquisadores e comunidades interessadas, sob a mediação do MPF. Na ocasião, representantes das comunidades indígenas acordaram entre si o preço mínimo de R$ 10 a ser cobrado por visitante, o que, até então, não havia sido definido nos acordos de visitação.
Dentre as principais normas previstas nos acordos estão a integridade dos ecossistemas, proteção da flora e fauna, integridade dos visitantes e dos povos que residem nas reservas, valorização cultural indígena, apoio e incentivo ao trabalho e renda por meio do turismo sustentável e voltado para a cultura indígena e o estabelecimento de princípios éticos e justos que orientem os preços desses serviços aos visitantes.
Também participaram da audiência representantes de Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Estadual do Índio (FEI), Empresa Estadual de Turismo do Amazonas (Amazonastur), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), além de outras lideranças indígenas, gestores das reservas, guias de turismo, empresários e estudantes.
Apresentação da cultura indígena
Fernando Soave também destacou a responsabilidade pela mensagem sobre a cultura indígena transmitida aos turistas que visitam as comunidades. “Boa parte da percepção levada aos turistas do que é ser indígena é de responsabilidade das próprias comunidades. É preciso pensar em qual reflexão essas pessoas levarão e o que falarão quando chegarem aos seus lugares de origem”, disse.
O perito em Antropologia do MPF Pedro Moutinho, que apresentou apontamentos sobre perícia antropológica relativa às quatro comunidades que desenvolvem atividades turísticas na RDS do Tupé e na RDS Puranga Conquista, pontuou que o modelo de apresentação das manifestações culturais presente nas comunidades foi iniciado no final dos anos 1990, a partir de um grupo de indígenas que vieram do Alto Rio Negro. Ao falar sobre o processo de constituição do circuito turístico, Moutinho assinalou que o movimento partiu do interesse dos indígenas de mostrar suas tradições e que houve interferência e mediação de agências e hotéis com interesse na atividade.
“Verificou-se uma espécie de imposição por parte das agências no sentido de fazer com que essas aldeias indígenas apresentassem o que fosse adequado dentro de uma expectativa dos turistas, principalmente estrangeiros, a partir de um imaginário do que seria o índio autêntico. Por exemplo, a localização das malocas. Tradicionalmente, não se constroem malocas na beira da praia e aqui houve essa exigência para facilitação do acesso aos turistas. (…) O que é verdadeiro não é o que esperam que seja verdadeiro das comunidades. O turismo tem que partir da expressão da autenticidade que existe, da dinâmica cultural própria, e não algo que tenha se adequar a esse imaginário, o que, na verdade, é uma grande ficção”, esclareceu o perito.
Pedro Moutinho ainda enfatizou que a autonomia das comunidades no desenvolvimento dessa atividade econômica é essencial para evitar quaisquer tipos de exploração.
Demandas e deficiências
A professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Jocilene Gomes da Cruz apresentou alguns resultados preliminares de estudo sobre o turismo nas comunidades indígenas do Baixo Rio Negro. Entre as deficiências apontadas pelo diagnóstico estão a falta de acompanhamento dos órgãos públicos competentes quanto ao fluxo de visitantes nas comunidades, denúncias de preços desleais praticados por trabalhadores informais e sem qualificação e ausência de iniciativas que promovam segurança para os visitantes.
A representante da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Marcivana Sateré, lembrou que as políticas públicas referentes à atividade turística precisam ser discutidas de acordo com as especificidades das comunidades e que é necessário considerar outras possibilidades de desenvolvimento além do turismo.
Empresários do ramo ainda pediram dos órgãos públicos fiscalização para coibir a concorrência injusta de pessoas que oferecem pacotes turísticos com preços abaixo dos praticados no mercado, o que os impede de arcar com seus próprios custos.
Encaminhamentos
Ao final da reunião, ficaram acertados como encaminhamentos a criação do grupo de trabalho interinstitucional, por meio de portaria, sobre o ordenamento da atividade turística nas comunidades, com a realização de reuniões periódicas; o mapeamento dos limites da RDS do Tupé pela Sema e Semmas; o levantamento pela Amazonastur sobre o potencial turístico das quatro comunidades, bem como das agências de turismo cadastradas e não cadastradas junto ao órgão com atuação na região e afixação de placas informativas sobre o regramento da atividade, incluindo informações sobre o preço mínimo cobrado por visitante.