Um Plano Estadual de Segurança Pública, se feito em nível estratégico, pode ser o início da solução do problema.
Luiz Eduardo Soares, quando ainda era Secretário Nacional de Segurança Pública, elaborou um documento chamado “Apresentação dos Planos Estaduais de Segurança”.
O Governo Federal, por intermédio da SENASP, conforme já visto em outros artigos publicados nesta coluna, tornou-se, a partir de 2000, um ator relevante na política de segurança pública, tanto no âmbito nacional quanto estadual. Entretanto, os resultados iniciais não correspondiam às expectativas da SENASP.
Isto porque sua atuação em relação à inegável competência de seus gestores, se deu quase sempre de forma reativa à apresentação de projetos pontuais pelos entes federados, limitando sua participação na formulação e gestão dos projetos à análise dos seus aspectos formais e ao repasse mecânico dos recursos (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, SENASP, 2003).
Visando conferir maior organicidade à interação entre a SENASP, os Estados e os Municípios, em um contexto de cooperação técnica e gerencial cotidiana, elaborou-se um documento estabelecendo a observância de princípios e prioridades basilares capazes de nortear os Estados na formulação de seus planos estaduais de segurança pública.
De acordo com a SENASP (2003, p. 4), feito esse diagnóstico:
A SENASP deixa de pautar-se na sua relação com os Estados pelo mero financiamento passivo de projetos específicos e passa a propor uma dinâmica de maior parceria e cooperação, em torno da elaboração e implantação de planos estaduais de segurança pública sistêmicos, isto é, abrangentes e integrados.
A partir de então, a transferência de recursos do FNSP passou a ser precedida pela apresentação e discussão conjunta de tais planos, destinando-se, a projetos estratégicos que os componham.
Os Planos Estaduais de Segurança Pública para serem apoiados pela União deveriam atender aos valores e às diretrizes advindas do Plano Nacional de Segurança Pública.
O documento da SENASP trataria de proposições de uma orientação geral, dentro do universo amplo de ações e estratégias possíveis em cada realidade. Sendo a rigor apenas o arcabouço mínimo necessário para a elaboração dos Planos Estaduais de Segurança Pública. Cabe aos Estados, “na condição de gestores diretos e autônomos dos órgãos de segurança pública sob sua responsabilidade, detalhá-las, conformá-las à sua realidade particular e traduzi-las em ações e projetos específicos e exequíveis ao longo do tempo”.
O documento orientador da SENASP define Plano Estadual de Segurança Pública como sendo um plano sistêmico estadual, correspondendo a:
Um conjunto articulado de Programas, por sua vez compostos por conjuntos de Projetos e/ou Ações específicas. O Plano e cada um dos seus componentes (programas, projetos e ações) devem apontar as metas que pretendem atingir assim como os processos de avaliação que serão empregados na execução, os quais deverão contar com a participação de instituições externas (SENASP. 2003, p. 9).
Segundo o documento da SENASP (2003) a política de segurança pública a ser apresentada pelos Estados deve respeitar os seguintes princípios:
- direitos humanos e eficiência policial são compatíveis entre si e mutuamente necessários;
- ação social preventiva e ação policial são complementares e devem combinar-se na política de segurança;
- polícias são instituições destinadas a servir os cidadãos, protegendo direitos e liberdades, inibindo e reprimindo, portanto, suas violações;
- às polícias compete fazer cumprir as leis, cumprindo-as;
- policiais são seres humanos, trabalhadores e cidadãos, titulares, portanto, dos direitos humanos e das prerrogativas constitucionais correspondentes às suas funções;
- o sistema de justiça criminal deve ser democrático e justo, isto é, orientado pela equidade, acessível a todos e refratário ao exercício violento e discriminatório do controle social;
A SENASP (2003) estabeleceu que os objetivos estratégicos a serem atingidos com a implementação dos Planos Estaduais de Segurança são:
- reduzir a criminalidade e a insegurança pública, em especial os crimes contra a vida;
- controlar o crime organizado;
- reduzir a corrupção e a violência policiais;
- promover a expansão do respeito às leis e aos direitos humanos;
- bloquear a dinâmica de recrutamento pelo tráfico de crianças e adolescentes;
- eliminar o poder armado de criminosos que impõem sua tirania territorial a comunidades vulneráveis e a expandem sobre crescentes extensões de áreas públicas;
- valorizar as polícias e os policiais, reformando-as e requalificando-os, levando-os a recuperar a confiança popular e reduzindo o risco de vida a que estão submetidos;
- ampliar a eficiência da organização policial;
- aplicar com rigor e equilíbrio as leis no sistema penitenciário, respeitando os direitos dos apenados e eliminando suas relações com o crime organizado;
- contribuir para a democratização do Sistema de Justiça Criminal.
Segundo a SENASP, o Plano Estadual de Segurança deve ser composto de dois grandes grupos de Programas:
I. Programas de Reforma das Instituições de Segurança Pública: reúnem os programas relacionados à modernização (ampliação da eficiência) e moralização (redução da corrupção e aumento da confiança popular) das instituições de segurança pública;
II. Programas de Redução da Violência: agrupam os programas destinados a definir uma política contra as diversas formas de criminalidade e violência; (SENASP, 2003, p.11).
A SENASP estabelece, ainda, que cada um desses dois grandes grupos de programas possui duas classes de projetos e ações. A primeira classe é constituída dos projetos e/ou ações consideradas necessárias para a constituição de um Plano Estadual sistêmico e articulado; a segunda classe de programas e/ou ações compreende aqueles que são apenas recomendados. Deixa claro, no entanto, que eventual ausência desses projetos e/ou ações no Plano Estadual não implica sua desqualificação para fins de futura celebração de convênios.
Os Programas de Reforma das Instituições de Segurança Pública e de Redução da Violência, segundo SENASP, devem incluir os seguintes Programas e Projetos/Ações:
1. Programas de Reforma das Instituições de Segurança Pública:
A. Programa de Valorização e Formação Profissional
i. Projetos/Ações de integração da formação dos policiais civis e militares nas Academias de Polícia;
ii. Projetos/Ações destinados a fortalecimento e revisão de currículos segundo os princípios apontados nesse documento;
iii. Projetos/Ações de valorização policial
iv. (Recomendado) Projetos/Ações de discriminação positiva para privilegiar o ingresso, nas polícias, de mulheres, e para valorizar o aproveitamento de policiais portadores de deficiência;
B. Programa de Gestão do Conhecimento
i. Projetos/Ações de informatização
ii. Projetos/Ações de geoprocessamento das informações
iii. Projetos/Ações ligados ao INFOSEG
iv. Projetos/Ações de Inteligência
C. Programa de Reorganização Institucional
i. Projeto de Diagnóstico Institucional (absolutamente prioritário para guiar o Plano Estadual que deverá ser apresentado para o ano de 2004);
ii. Projetos/Ações de Modernização de Práticas de Gestão
iii. (Recomendado) Projetos/Ações de Adoção de Protocolos de Cooperação com as Agências da Justiça Criminal
iv. Projetos/Ações de Adoção de Novas Metodologias de Ação Policial, com destaque para Projetos relacionados a Polícia Comunitária e Mediação de conflitos;
v. (Recomendado) Projetos/Ações de Adoção de Novos Procedimentos Institucionais, com destaque para projetos de Adoção Integrada de Termos Circunstanciados e projetos de Agilização do Inquérito;
vi. Projetos/Ações de Integração Operacional, com destaque para projetos de Integração do tipo Áreas Integradas de Segurança Pública e projetos de Centros Integrados de Operação Policial;
vii. (Recomendado) Projetos/Ações de Maximização da alocação dos profissionais nas áreas-fim.
D. Programa de Estruturação e Modernização da Perícia
i. Projetos/Ações de capacitação e aparelhamento;
ii. (Recomendado) Projetos/Ações de descentralização (com integração sistêmica) dos órgãos especializados e dos serviços prestados;
iii. (Recomendado) Projetos/Ações de articulação com as polícias civil e militar.
E. Programa de Prevenção
i. (Recomendado) Projetos/Ações que indiquem esforço de articulação dos órgãos da segurança pública com Ações Sociais Integradas promovidas por outros segmentos governamentais e por agências da sociedade civil.
F. Programa de Controle Externo e Participação Social
i. Projetos/Ações de fortalecimento das Corregedorias;
ii. Projetos/Ações de fortalecimento das Ouvidorias;
iii. Projetos/Ações ligados à criação de Conselhos destinados a facilitar a participação social e o controle externo.
2. Programas de Redução da Violência
A. Programa de Gerenciamento de Crises e Conflitos
i. (Recomendado) Projetos/Ações voltados para a provisão de segurança nos estádios, à semelhança do (ou a aplicação do projeto) “Paz nos Estádios”;
ii. Projetos/Ações de Administração Democrática (legal e respeitosa dos direitos humanos) de conflitos de massa;
iii. (Recomendado) Projetos/Ações de Administração Democrática de eventos populares;
B. Programa de Redução da Violência Doméstica e de Gênero
C. Programa de Acesso Igualitário aos Serviços de Segurança Pública
i. (Recomendado) Projetos/Ações voltados para o combate ao racismo e para preservar o direito à livre orientação sexual –à semelhança dos projetos (ou a aplicação dos) Centros de Referência.
D. Programa de Administração Legal do uso da Força Policial
E. Programa de Proteção e Apoio a Vítimas e Testemunhas; Planos Estaduais de Segurança Pública
F. Programa de Repressão Qualificada
i. Projetos/Ações voltados para a redução de Homicídios Dolosos;
ii. Projetos/Ações orientados para a redução de Tráfico de Armas e Drogas;
iii. Projetos/Ações voltados para o combate à Lavagem de dinheiro;
iv. Projetos/Ações voltados para o combate à Posse e ao Porte Ilegal de Armas;
v. Projetos/Ações orientados para o combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil;
vi. Projetos/Ações voltados para o combate ao Tráfico de seres humanos.
No documento, a SENASP destaca que essa é uma lista não exaustiva de programas, projetos e ações que comporão o Plano Estadual de Segurança Pública, cabendo aos Estados tratar com ideias próprias e das formas que julgar apropriado os temas referidos, assim como acrescentar projetos e ações que digam respeito à sua especificidade local ou regional, e às peculiaridades de suas instituições.
Sigam o “livrinho” e façam a coisa com seriedade e competência.
Sobre o autor
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista