Outras instituições também podem investigar crimes, tais como: as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e o próprio Ministério Público.
Pouca gente sabe, mas uma investigação criminal não é atribuição exclusiva das policiais judiciárias (Polícia Federal e Polícia Civil). As Policiais Militares, Corpos de Bombeiros Militares e as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) também fazem investigações, ou seja, conduzem inquéritos para apurar crimes.
As organizações militares (estaduais e federais) também exercem atividade de Polícia judiciária, mas apenas para apurar crimes militares, ou seja, aquelas condutas que preencham os requisitos previstos no art. 9º do Código Penal Militar.
Outras instituições também podem investigar crimes, tais como: as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e o próprio Ministério Público. Este último por decisão do STF, em repercussão geral decidiu que
“o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), praticados pelos membros dessa Instituição.”i
O mesmo enunciado do Supremo Tribunal Federal que garante ao Ministério Público promover investigações, também garante ao advogado o direito de investigar crimes, praticando a investigação defensiva (advocacia investigativa). Garantia, essa, prevista na Lei nº 8.906/94.
Embora os inquéritos policiais sejam descritos como um procedimento administrativo, de natureza escrita, sigilosa e inquisitória, a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), descrever que:
Art. 7º São direitos do advogado:
(…)
XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;
[…]
§12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente.”
Dessa forma, mesmo que o Inquérito Policial seja escrito, sigiloso, inquisitivo não pode servir de instrumento para afastar a essencialidade do advogado como sendo aquele capaz de visualizar estratégias jurídicas durante as apurações dos referidos inquéritos.
Ocorre, no entanto, que para ajudar nas investigações os advogados precisam ter acesso aos autos do inquérito conduzido pela autoridade policial. A negativa de acesso do advogado aos autos da investigação preliminar, implica em responsabilidade criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com ensejo de atrapalhar o exercício da defesa ii. Nesse sentido, a Lei nº 13.869/2019 estabelece condutas que podem ser consideradas abuso de autoridade e como crimes, in verbis:
Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Outrossim, em conformidade com o disposto no art. 7º, XXI, a, da Lei nº 8.906/94, além de ter direito a acessar os autos dos inquéritos, o advogado também tem direito a “apresentar razões e quesitos”, bem como realizar “investigação defensiva”, conforme dispõe o Provimento Nº 188/2018, do CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.
Segundo o art. 1° do Provimento 188,
“compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte”.
A investigação defensiva pode ser desenvolvida, inclusive, na etapa da investigação preliminar (art. 2º). A referida investigação, segundo o art. 3°, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:
I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;
II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;
III – resposta a acusação;
IV – pedido de medidas cautelares;
V – defesa em ação penal pública ou privada;
VI – razões de recurso;
VII – revisão criminal;
VIII – habeas corpus;
IX – proposta de acordo de colaboração premiada;
X – proposta de acordo de leniência;
XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.
Conforme dispõe o art. 7º do Provimento nº 188, as atividades descritas no Provimento são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.
Essas atividades, além de amparadas pela Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, XXI, letra “a”, também encontram respaldo no art. 14, caput, do Código de Processo Penal:
Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.
Esse dispositivo do Código de Processo Penal se aplica analogicamente ao Código de Processo Penal Militar, conforme o art. 3º, letra “e”, in verbis:
Art. 3º. Os casos omissos neste Código serão supridos:
a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;
b) pela jurisprudência;
c) pelos usos e costumes militares;
d) pelos princípios gerais de Direito;
e) pela analogia.
Com isso, todos os atos praticados em sede de inquérito policial devem ser revestidos pela formalidade da lei, visando garantir os direitos do acusado, obedecida ainda a previsão legal da presença de advogado. E mesmo que grande parcela da doutrina compreenda que o inquérito policial tem natureza inquisitória, a Lei nº 13.245/2016, que alterou o art. 7º da Lei nº 8.906/94, atribuiu um viés garantista, uma vez que a busca por esclarecimentos sobre os fatos investigados pode ser perpetrada pela autoridade policial e pelo causídico que representa o investigado, com isso, importa-se observar o contraditório e ampla defesa, mesmo que mitigados em relação ao que se prática na esfera judicial iii.
A advocacia investigativa representa um avanço para a atividade investigativa, pois, além de garantir o respeito aos direitos fundamentais dos investigados, garantirá, também, o respeito ao princípio da legalidade, além, obviamente, de contribuir para a busca da verdade.
Referências
i STF. Plenário. RE 593727/MG, rel. Orig. Min. Cezar Peluso, red. P/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2015 (repercussão geral) (Info 785).
ii LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial criminal comentada: volume único / Renato Brasileiro de Lima- 8ª ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2020. p. 178. https://www.migalhas.com.br/depeso/349976/o-inquerito-policial-sigiloso-e-o-direito-de-acesso-do-advogado
iii PEREIRA, Erica Ricardo. O advento da lei 13.245/2016 e a ampliação da participação do advogado no inquérito policial versus a garantia de sigilo: preservação ou limitação do direito do investigado? Faculdade Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, 2018. Disponível em: http://famigvirtual.com.br/famig-monografias/index.php/mono/catalog/download/413/405/1628-1?inline=1.
Sobre o autor
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
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