A operação de caça ao Lázaro Barbosa tornou-se um verdadeiro espetáculo midiático
Depois de muito pensar sobre o que escreveria na coluna desta semana, resolvi escrever sobre o assunto do momento: a caçada midiática à Lazaro Barbosa.
No entanto, não quero discorrer sobre sua façanha de conseguir fugir de um grande cerco policial que envolve aproximadamente 300 policiais de diversas forças públicas. Não quero dar ibope para esse famigerado Lázaro Barbosa, um assassino cruel, que matou uma família inteira, pai, dois filhos e a mãe, esta última estuprada e morta com crueldade.
Já basta, não pretendo falar dele, pois já tem muitos veículos de imprensa fazendo isso. A caçada a esse criminoso até parece um reality show, com cobertura em tempo real de quase todos os veículos de imprensa. Essa cobertura transformou Lázaro Barbosa na pessoa mais conhecida do país. De um criminoso comum, Lázaro se transformou em uma celebridade nacional. Virou memes de diversos assuntos: ele aparece como o “mestre dos magos”, da série “caverna do dragão”; em edições de cartazes de filmes, como “Duro de Matar”; vestindo camisa do Vasco da Gama, como a mensagem “como fugir da segunda divisão”; entre outros.
Numa época em que as pessoas buscas seus 15 min de fama, Lázaro Barbosa já atingiu 15 dias de fama. Talvez não seja a fama desejada por ele, mas ele está, sim, muito famoso. Caso venha a ser capturado com vida, ele retornará para o presídio como uma celebridade, com direitos a regalias, pois, até o momento, tem conseguido enganar uma força tarefa com quase 300 policiais de diversas forças, com armas de grosso calibre, equipamentos tecnológicos, helicópteros, drones e cães farejadores.
Duas unidades federativas, DF e GO, estão envolvidas nas ações de captura, centenas de milhares de reais gastos com diárias, alimentação, combustível, horas voo de helicóptero etc. No entanto, o maior gasto até agora tem sido com a imagem das corporações policiais envolvidas na caçada. Este é o maior preço pago até agora. Captura-lo é uma questão de honra.
Precisamos tratar, agora, de um outro risco decorrente dessa caçada midiática: o efeito copycat. É sobre isso que quero tratar neste artigo.
Observa-se o efeito copycat quando a ocorrência de determinado crime, amplamente divulgado pela mídia, culmina em uma onda de ocorrências similares. O nome que vem do inglês “copy = copiar” e “cat = gato”, uma vez que os filhotes de gatos tendem a imitar, ao mesmo tempo, as ações da mãe. Traduzindo para o bom português, seria um “imitador”, alguém que imitaria os crimes amplamente divulgados na imprensa.
Albert Bandura, psicólogo canadense, desenvolveu a Teoria da Aprendizagem Social, que ensina que muitos dos nossos comportamentos são aprendidos através da observação e imitação de um modelo – modelação ou modelagem. Essa teoria, aplicada no âmbito da criminologia explica o fenômeno copycat.
Hoanna Aragão, discorrendo sobre a teoria de Bandura, ensina que a aprendizagem da violência ocorre por “modelagem”, imitação. Afirma, ainda,
“que as crianças são suscetíveis a reproduzir o comportamento agressivo observado em familiares, colegas ou em desenhos animados, por analisarem a vantagem obtida pela figura do agressor (seja satisfação material ou pessoal) e compreenderem que aquela é uma forma eficaz de atingir seus objetivos. À luz da criminologia, este comportamento induz o indivíduo a reproduzir delitos, aliado à segurança de que a punição prevista pela legislação penal é branda, ou ausente em termos práticos, devido à ineficiência do Estado”i.
A expressão copycat ganhou fama em 2004, quando o autor Loren Coleman dissertou, em sua obra O Efeito Copycat, sobre a previsibilidade de crimes emulados e a responsabilidade indireta da mídia por mantê-los em constante evidência. Por isso que a mídia precisa ser bastante responsável ao transmitir esse tipo de ocorrência criminal. Transformar essa caçada em um reality show é bastante arriscado, pois pode inspirar outras pessoas a buscarem a fama praticando crimes semelhantes aos praticados por Lázaro Barbosa. Pessoas com distúrbios mentais tem em qualquer lugar, e precisam de pouca coisa para disparar o gatilho de ações criminosas.
Esse efeito copycat pode ser visto por diversas vezes. Podemos citar os crimes subsequentes ao massacre de Columbine/EUA, ocorrido em 20 de abril de 1999. Inspirado nesse caso, um jovem do Canadá vestiu-se de forma semelhante aos responsáveis pelo massacre americano e reproduziu o tiroteio em sua escola.
Depois, na véspera dos 8 anos daquele primeiro massacre, outro jovem matou 32 pessoas na Virginia Polytechnic Institute and State University/EUA, e se suicidou em seguida. Este último enviou vídeos e fotografias à rede de televisão NBC, onde convocava outros a fazerem o mesmo, referindo-se aos autores de Columbine como mártires (ARAGÃO, 2014).
A operação de caça ao Lázaro Barbosa tornou-se um verdadeiro espetáculo, com policiais tirando selfs e postando nas redes; discussões públicas entre os governadores das duas UF envolvidas na caçada; e até uma pessoa presa fingindo ser um policial federal; entrevistas com familiares do Lázaro, e outras tantas bizarrices praticadas no intuito de aparecer na mídia.
A imprensa precisa ter compromisso com a informação e não com o sensacionalismo, não pode tornar criminosos em pop star, celebridades invejadas, idolatradas ou imitadas. É preciso tomar cuidado para que as notícias sensacionalistas não sirvam de gatilhos no fenômeno Copycat.
É natural que os veículos de comunicação lutem por audiência, mas não podem se esquecer de seu compromisso com a responsabilidade social. Sobre essa responsabilidade, as Nações Unidas, na Assembleia geral de 10 de dezembro de 1948 estabeleceu, em seu artigo XIX, que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Porém, é importante lembrar “que quanto maior for a cobertura de um órgão de imprensa, maior seja o compromisso do jornalista com sua responsabilidade social”.
Vamos parar por aqui, torcendo que até a próxima edição desta coluna Lázaro Barbosa (não o Ramos) já tenho sido capturado.
i ARAGÃO, Hoanna Isabely Gomes. A onda de linchamentos no Brasil, o fenômeno copycat e o esvaziamento das normas. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3961, 6 maio 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/28268>. Acesso em: 10 maio 2014.
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.