Justiça militar e seus juízes militares: uma Justiça desconhecida.

Para combater a criminalidade o Estado criou um sistema de justiça criminal, que abrange órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário em todos os níveis da Federação

Esta semana uma notícia chamou-me a atenção: “Polícia Militar do Acre abre inscrições para 1º Curso de Juiz Militar Estadual”. Essa notícia, para a maioria das pessoas, pode passar despercebida, mas para os integrantes das corporações policiais e bombeiros militar essa notícia muito importante, que pode representar um avanço significativo para as corporações militares do estado.

Para combater a criminalidade o Estado criou um sistema de justiça criminal, que abrange órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário em todos os níveis da Federação. O sistema se organiza em três frentes principais de atuação: segurança pública, justiça criminal e execução penal. Por ora não vamos discorrer sobre todo o “sistema de justiça criminal”, mas apenas a frente que atua na “justiça criminal” propriamente dita, ou seja, órgãos do Poder Judiciário que atua no julgamento dos crimes.

Reprodução: Internet

A maioria das pessoas não sabe, mas existem outros crimes além dos previstos na legislação penal comum (Código Penal e Legislação Penal Extravagante Existe uma categoria de crime que está previsto em uma legislação especial: Código Penal Militar. Nele constam os tipos penais, ou seja, as condutas delituosas descritas como “crimes militares”. Lamentavelmente, até Bacharéis em Direito, alguns, saem da faculdade sem saber o que é um crime militar. Isto acontece porque a maioria das Faculdades de Direito não incluíram nas ementas de seus cursos as disciplinas de Direito Penal Militar e Processual Penal Militar.

Em regra, um fato, para ser considerado crime, basta que seja típico, antijurídico e culpável. Para ser considerado como um crime militar, além de atender esses requisitos, precisam se amoldar ao artigo 9o do Código Penal Militar. Não tenho a pretensão de conceituar crime militar no pouco espaço desta coluna, mas, podemos simplificar informando que os crimes militares, em regra, são aquelas condutas atentatórias às instituições militares e seus valores. Em sua maioria, os crimes militares são praticados por militares, mas existem condutas praticadas por civis que são definidas como crimes militares.

Esses crimes militares são investigados pela Polícia Judiciária Militar, que nada tem a ver com as Polícias Civil e Federal. Estas são as polícias judiciárias popularmente conhecidas. No entanto, conforme dispões a Constituição Federal em seu art. 144, §§ 1º e 3º, essas policiais judiciárias não têm competência para apurar crimes militares. A competência para apurar esses crimes é da Polícia Judiciária Militar, conforme dispõe o art. 8º do Código de Processo Penal Militar. Mas que polícia é essa? A resposta encontramos no art. 7º do Código de Processo Penal Militar: é exercida por autoridades militares. O inquérito nesses casos, são instaurados por autoridades militares, normalmente oficiais em função de comando de unidade militar, e recebem o nome de Inquérito Policial Militar (IPM).

Nos crimes comuns, os inquéritos são presididos por delegados de polícia (Civil ou Federal). Nos crimes militares os inquéritos são presididos por oficiais militares (PM ou BM). Até pouco tempo não se exigia que os oficiais militares fossem bacharéis em Direito, mas, atualmente, a maioria das corporações militares estaduais exigem o requisito de bacharel em Direito para ingressar nos Cursos de Formação de Oficiais PM/BM.

Nas Forças Armadas não existe essa exigência, para ser oficial basta ter o segundo grau completo para ingressar em uma das escolas de Formação de Oficiais (AMAN, AFA e Escola Naval).

Como podemos observar, as atribuições de um oficial militar vão além de comandar unidades, operações, chefiar seções, dirigir escolas militares e departamentos, coordenar, supervisionar, treinar etc., ele também preside inquéritos, como fazem os delegados de polícia. E não fica nisso. O mais surpreendente, que quase ninguém sabe, os oficiais também exercem a função de juízes. Eles compõem os Conselhos de Justiça, órgãos responsáveis pelo julgamento dos crimes militares praticados por militares.

Os Conselhos são compostos por um Juiz de Direito (magistrado de carreira) e quatro juízes militares (oficiais das corporações militares). E agora chegamos aonde queríamos: na figura dos juízes militares. Estes, como dito anteriormente, são oficiais das corporações militares, com Curso de Formação de Oficiais, equivalente a um curso superior onde recebem o conhecimento necessário para o exercício das atividades de um oficial.

Ocorre, no entanto, que essa especial atividade de julgar, de ser um juiz militar, atuando na Justiça Militar, é bastante complexa. É preciso ter grande conhecimento jurídico, principalmente de direito penal e processual penal. Conhecimento esse que nem sempre são repassados de forma adequada e suficiente nos Cursos de Formação. Poderíamos alegar que estaria suprida com a exigência de bacharelado em Direito para ingressar na carreira de oficial PM/BM. Porém, são raros os cursos de Direito no Brasil que possuem as disciplinas de Direito Penal Militar e Processual Penal militar em suas grades. Por isso que a iniciativa da Polícia Militar do Acre precisa ser elogiada, e seguida pelas outras corporações militares.

É importante para a segurança pública e ordem pública que os julgamentos dos crimes militares sejam realizados com a máxima justiça e correção, de forma a garantir que os infratores da lei sejam condenados e os inocentes absolvidos. Isto garante uma corporação com forte disciplina e uma tropa legalista, comprometida com os princípios da legalidade e dignidade humana. Além, obviamente, de garantir um nível elevada de seus oficiais, gestores da máquina administrativa militar, co9mandantes de operações, líderes e exemplos de comportamento.

Investir na qualificação de seus profissionais e na disciplina da tropa é um passo importante para se conquistar a eficiência e excelência de uma instituição militar.

Em outra ocasião falaremos sobre a atividade de polícia judiciária com mais detalhes.


Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

[i]https://agencia.ac.gov.br/pm-do-acre-abre-inscricoes-para-1o-curso-de-juiz-militar-estadual/

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