A gestão do presidente Bolsonaro ainda não acabou, mas precisamos tecer alguns comentários sobre o que foi feito até o momento, ou seja, nesses últimos 3 anos.
Dando continuidade à série de artigos sobre a evolução histórica da política nacional de segurança pública, vamos discorrer sobre as políticas implementadas no governo Bolsonaro. A sua gestão ainda não acabou, mas precisamos tecer alguns comentários sobre o que foi feito até o momento, ou seja, nesses últimos 3 anos.
O presidente Jair Bolsonaro elegeu-se com um forte discurso de enfrentamento da criminalidade e do combate à corrupção. Em 1.º de janeiro, assim que tomou posse, ele unificou dois ministérios: o da Justiça e o da Segurança Pública. À frente desse superministério o presidente nomeou o ex-ministro da lava-jato, Sérgio Moro, até então, uma pessoa vista pela maioria da população como um “herói nacional”.
A gestão de Sérgio Moro foi marcada pelo enfrentamento ao crime organizado, crimes violentos e à corrupção. Em quase um ano de governo a parceria entre Moro e Bolsonaro rendeu frutos para o governo.
Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou, no final de 2019, o balanço das ações e resultados alcançados no primeiro ano de governo. Segundo o ministro Sergio Moro, as ações de combate à corrupção, criminalidade violenta e crime organizado – eixos prioritários da pasta – resultaram em uma queda expressiva nos principais indicadores criminais em todo o Brasil, destacando o roubo às instituições financeiras, uma redução de 36% e homicídios, queda de 22% em todo o país de janeiro a agosto de 2019.
O ministro destacou o trabalho integrado realizado pelos agentes de segurança pública e inteligência, e citou operações e projetos estratégicos, como o Centro Integrado de Operações de Fronteiras, instalado em Foz do Iguaçu, dedicado ao combate de crimes, contrabando de drogas, armas e mercadorias, lavagem de dinheiro e, igualmente, financiamento ao terrorismo.
Ainda no balanço da gestão à frente do Ministério da Justiça e segurança Pública, Moro ressaltou o trabalho de isolamento das lideranças criminosas no Sistema Penitenciário Federal. “Acredito que foi um dos fatores que impactaram a redução da criminalidade violenta no país, já que boa parte dela está relacionada à atuação dessas organizações criminosas”.
Sérgio Moro lançou uma série de projetos para combater a violência e conseguiu, no final de 2019, aprovar seu pacote anticrime. Não foi aprovado exatamente como formulado por ele, pois sofreu muitas alterações no Congresso Nacional, mas representou uma vitória para sua gestão.
Essa parceria entre Moro e Bolsonaro acabou em abril de 2020, quando o ex-juiz federal pediu demissão, motivado pela decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia federal, Maurício Valeixo, indicado para o posto por Sérgio Moro. A Polícia Federal é vinculada à pasta da Justiça.
Segundo Moro, o problema não seria a troca em si, mas o motivo pelo qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo Moro, Bolsonaro queria “colher” informações dentro da PF, como relatórios de inteligência. Ele declarou:
“O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”, declarou.
Moro disse, ainda, que o governo Dilma tinha ‘crimes gigantescos’, mas que manteve autonomia da PF. Fez, também, uma comparação da situação com o período em que conduziu os processos da Operação Lava Jato como juiz:
“Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?”
Segundo Sergio Moro, a autonomia da Polícia Federal “é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um estado de direito”.
Em razão desse episódio, foi instaurado um inquérito policial, acompanhado pelo STF, para investigar essa suposta interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
O ano de 2020 foi um ano atípico, para muitos foi o ano em que o mundo parou. O planeta foi atingido pela pandemia do COVID-19. Nenhuma política pública foi implementada de forma eficaz. Todas as discussões giraram em torno da pandemia. Observa-se, no entanto, que os índices de homicídios que vinham caindo desde 2018 estabilizaram na alta. A violência doméstica contra a mulher foi um tema bastante discutido nesse período de pandemia, provavelmente em razão da maior permanência da mulher com o seu agressor na mesma residência, devido a necessidade de isolamento social.
Em 2021, fazendo um balanço dos programas implementados pelo governo, pode-se concluir que o projeto “Em Frente Brasil”, lançado em 2019 por Sérgio Moro, foi descontinuado após um ano e oito meses. A iniciativa não avançou além dos primeiros cinco municípios escolhidos a partir dos indicadores de violência: Goiânia (GO), Ananindeua (PA), Cariacica (ES), Paulista (PE) e São José dos Pinhais (PR). Os recursos atrasaram, os resultados não vieram e hoje não se fala mais em um programa nacional de segurança pública no Governo Federal[i] .
Em 2021, apesar das altas taxas no número de mortos e contaminados pelo COVID-19, o isolamento diminuiu e as pessoas voltaram a circular, tentando retomar a normalidade de suas vidas, dentro do possível. O que ajudou muito nessa retomada foi a vacinação em massa. Graças a ela os números de mortos e contaminados diminuiu significativamente.
Em 2021 o SUSP, Sistema Único de Segurança Pública, completou três anos de forma melancólica. Raul Jungmann – ex-ministro da Segurança Pública no Governo Temer, quando o SUSP foi lançado – apresentou um balanço preocupante sobre o modo como a política pública que previa a integração e o aprimoramento das ações na área da segurança foi abandonada no Governo Bolsonaro. Segundo ele,
“Hoje [11 de junho] o Sistema Único de Segurança Pública completa três anos de existência. Nada a comemorar. A grande conquista em defesa da vida de todos nós e contra a violência e a criminalidade, jaz insepulta pelo atual governo”.
Com a saída de Sérgio Moro da pasta do Ministério da Justiça e Segurança Pública verificou-se que o governa Bolsonaro não tinha um plano para a Segurança Pública. Não deu seguimento as ideias de Moro e não se apresentou nenhum planejamento estratégico para a segurança pública.
Para Moura, um tema tão complexo quanto a violência urbana exige planejamento, articulação e capacidade de gestão. Em vez disso, Bolsonaro adotou o caminho mais fácil e perigoso: a lei do salve-se quem puder. A política bolsonarista de armar a população é uma prova disso, pois transfere para a população a responsabilidade de promover sua segurança. Enquanto isso, o Estado lava as mãos, deixando a população entregue a própria sorte, é cada um por si.
Em um artigo sobre a lógica política bolsonarista, o cientista político Miguel Lago, citado por Moura, afirma que
“a sociedade almejada pelo presidente possui um forte componente pré-hobbesiano, na qual “os mais fortes mandam e podem recorrer a qualquer recurso para fazer valer o gozo de seus impulsos”. Em nome da liberdade individual, termo sempre presente nos pronunciamentos oficiais, pode-se fazer absolutamente tudo, sem qualquer espécie de restrição. Daí o boicote às máscaras, às fiscalizações ambientais, às multas de trânsito e aos limites da atuação policial, como pode ser visto na defesa intransigente feita pelo Governo ao excludente de ilicitude.
Esse tipo de política, transferindo a responsabilidade para a população, para que cada um cuide de sua segurança, representa um retrocesso na política de segurança pública. É como se o Estado assumisse sua incompetência para promover a segurança pública.
Em 24 de agosto de 2021, foi editado o Decreto nº 10.778, que aprovou a Estratégia Nacional de Inteligência de Segurança Pública. Segundo o governo federal a “nova política fortalecerá a produção e o compartilhamento de informações estratégicas de inteligência com o objetivo de apoiar o enfrentamento à criminalidade, sobretudo ações de organizações criminosas que envolvam tráfico de drogas e armas, corrupção, lavagem de dinheiro e atuação criminosa nas áreas transfronteiriças”.
Em 29 de setembro de 2021 o Ministério da Justiça e Segurança Pública atualizou o PNSP (Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social) 2021-2030. Em nota, a Secretaria Geral da Presidência da República explicou que o plano criado em 2018 no governo de Michel Temer (MDB) “apresentou algumas fragilidades, as quais se pretende suprir com a edição deste decreto”. A versão anterior contemplava o período 2021-2028.
Não deu nem tempo de se colocar em prática as ações previstas no `Plano nacional de Segurança Pública criado no governo Temer.
Essas ações do governo Bolsonaro, principalmente as alterações no PNSP, ainda precisam ser implementadas e avaliadas seus resultados. O governo Bolsonaro ainda não acabou. Mais adiante daremos uma avaliação do período completo da gestão Bolsonaro.
Até a próxima semana!
Referências
[i] MOURA, Ricardo. Como a segurança foi terceirizada no Governo Bolsonaro. Site: http://observatorioseguranca.com.br/como-a-seguranca-foi-terceirizada-no-governo-bolsonaro/
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.