Em 12 de maio de 2016 Dilma é afastada e assume seu vice, Michel Temer, que nomeou para o Ministério da Justiça Alexandre de Moraes, advogado e ex-secretário de segurança pública de São Paulo e, atualmente, Ministro do Supremo Tribunal Federal. Iniciou-se, a partir de então, uma nova fase na política nacional de segurança pública, caracterizada pela ruptura e descontinuidade com a política do anterior[i]. Moraes deixou isso claro quando, em 09 de agosto de 2016, foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) acerca das medidas adotadas pelo governo para a implementação de um Programa Nacional de Redução de Homicídios. Em resposta, Moraes afirmou que essa era uma “proposta do governo anterior e não dizia respeito às ações do governo atual”. No dia 17 de agosto, ele afirmou que o Brasil precisava de “menos pesquisa e mais armamento”, o que causou bastante descontentamento entre os profissionais da área que defendiam uma segurança pública mais cidadã (SÁ E SILVA, 2017)[ii].
Em 5 de janeiro de 2017 o governo Temer lançou um novo Plano Nacional de Segurança Pública.
No seu conjunto, o plano repete erros (e, muito provavelmente, está fadado à mesma sina) da maior parte de seus antecessores. Entre ações: i) gerais; ii) visando à redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher; iii) visando à racionalização e à modernização do sistema penitenciário; e iv) visando ao combate integrado à criminalidade organizada transnacional, suas frentes de ação são inúmeras e desarticuladas (SÁ E SILVA, 2017, p. 24).
Sá e Silva (2017, p. 24) destaca que o plano tem dois aspectos que chamam atenção.
Em primeiro lugar, está o fato de que ele amplia as capacidades executivas do governo federal, o que encontra exemplos: i) na proposta de construção de mais cinco presídios federais; e ii) na proposta de ampliação da Força Nacional de Segurança Pública para um total de 7.000 homens, inclusive a partir da contratação de militares aposentados. Em segundo lugar, está a ênfase na abordagem repressivo-ostensiva, inclusive com tentativas de transferência de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (verbas que poderiam ir para o atendimento da população prisional) para financiar o aparato de segurança pública dos estados.
Sá e Silva (2017, p. 25) ao analisar o período dos governos Dilma e Temer, conclui que a Política Nacional de Segurança Pública revela duas faces importantes:
Por um lado, revela-se a existência de uma comunidade epistêmica mobilizada e capaz de oferecer alternativas e apoio em processos de formulação de políticas públicas – inclusive em diálogo com organizações da sociedade civil e setores das corporações policiais, com quem muitos de seus integrantes colaboram. Mas de outro lado, ela indica que tais contribuições têm sido pouco aproveitadas pelas nossas elites políticas e burocráticas, seja por decisionismo e insulamento, seja por demagogia e autoritarismo.
A ação de maior impacto realizada por Temer na área de segurança pública foi a intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. O ato de intervenção deu-se por força do Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018. Segundo o referido Decreto, o objetivo da intervenção é “pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública”.
Como interventor foi nomeado o General de Exército Walter Souza Braga Netto, atual ministro da defesa do governo Bolsonaro. O Decreto estabelece, ainda, que o cargo de interventor é “de natureza militar”. Praticamente todo o staff do General Braga Neto foi composto por militares.
Apesar de ter recebido o apoio de maioria da população do Rio de Janeiro e da imprensa a intervenção foi criticada por muitos estudiosos da segurança pública, que vêm essa intervenção apenas como uma medida eleitoreira, pois outros estados da federação apresentam índices de violência maiores que o do Rio de Janeiro e não sofreram intervenção federal.
O que torna a crise vivida pelo Rio de Janeiro tão diferente da de tantas outras cidades a ponto de justificar a intervenção do Governo Federal na Segurança Pública? A julgar pelos indicadores de criminalidade e vitimização, algumas dezenas de cidades brasileiras provavelmente estariam à frente do Rio de Janeiro em uma lista de prioridades. Poderia ser dito que o poder bélico do crime organizado e os constantes tiroteios entre facções criminosas, milícias e policiais são especificidades do contexto carioca que exigem soluções radicais como uma intervenção federal de caráter militar. A esta altura parece óbvio para toda a população que a intervenção é uma medida eleitoreira, realizada no afogadilho e sem nenhum tipo de planejamento por um presidente cuja aprovação popular não passa de um dígito. Ainda assim, 76% da população se mostra favorável a medida, mesmo que 69% dos que a apoiam não tenham notado diferença alguma na segurança da cidade desde o início da intervenção em fevereiro[i].
[i] BUENO, Samira e LIMA, Renato Sérgio de. Por Uma Nova Política de Segurança Pública, in Rio Sob Intervenção. Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2018.
Segundo Silva (2018), a intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro deu-se em razão da gestão desastrosa da segurança pública do Estado[i]
Pode-se dizer que a oportunidade também foi gerada por uma gestão desastrosa da segurança pública do Estado. Faltou liderança das autoridades locais para reagir de forma razoável, criativa e inteligente aos percalços das crises que se instalavam por aqui, o que acabou permitindo o aumento do medo e de indicadores de criminalidade que até pouco tempo estiveram sob controle e vinham, inclusive, apresentando tendência de queda. Os sinais da crise financeira, aliás, chegaram bem antes, mas as autoridades foram incapazes de entendê-los. Em vez de elaborarem um plano de contingências, sonhavam com as “vacas gordas” do momento em que havia fartura de recursos. Diante disso, o que se viu foi o rápido desmantelamento dos territórios ocupados pela pacificação.
A intervenção que não é militar, mas apenas federal com interventor que exerce cargo de natureza militar, fez com que os militares voltassem a assumir papel de destaque na segurança pública, como havia acontecido no período militar e nos anos 90, situação comentada anteriormente. Isto não ocorreu apenas neste episódio do Rio de Janeiro. Com a saída do Ministro Raul Jungman do comando do Ministério da Defesa para o assumir o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, pela primeira vez um General de Exército assume o Ministério da Defesa, pasta antes ocupada somente por civis.
A criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, anunciada em 17 de fevereiro de 2018, mas transformada em Medida Provisória apenas em 26 de fevereiro, é outro fato importante no governo Temer. Praticamente foi um desdobramento da intervenção federal, pois sucedeu-se imediatamente a intervenção no Rio de Janeiro. Sua criação gerou críticas, pois foi taxada de eleitoreira, e gerou descontentamento de setores da Polícia Federal[i].
Na esteira da intervenção federal no Rio de Janeiro e da alta dos índices de violência em todo o país, a decisão do presidente Michel Temer de criar um novo Ministério da Segurança Pública, desmembrando atribuições da pasta da Justiça, divide as categorias da Polícia Federal. Isso porque um dos pontos do plano de Temer é a migração da PF para a nova pasta. Na prática, a medida não altera a atuação da polícia. As críticas são direcionadas à volatilidade do governo federal na área de segurança (SANTOS, 2018, p. 1).
Em 11 de junho de 2018 o presidente Michel Temer sancionou a Lei nº 13.675/18, que cria o Sistema Único de Segurança Pública. O Susp, como foi chamado, dá arquitetura uniforme ao setor em âmbito nacional e prevê o compartilhamento de dados e operações nas estruturas federais, estaduais e municipais. Na mesma ocasião, Temer assinou uma Medida Provisória que dotará a segurança pública de um orçamento permanente, tal como ocorre com a Saúde, a Educação e na área previdenciária. A medida transfere recursos de loterias para o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, permitindo à União exercer seu papel indutor para a meta de integração de informações, dados e procedimentos.
Ao apagar das luzes de seu mandato, Temer assinou, no dia 26 de dezembro, o decreto que institui o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. O Plano tem a duração de dez anos e será revisto anualmente pelo Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e a cada dois anos passará por uma avaliação no Congresso Nacional.
O documento contou com a participação da sociedade, por meio de consulta pública. Além de instrumentos de monitoramento e avaliação, o plano conta com onze objetivos principais como redução de homicídios e crimes violentos letais; redução da violência contra a mulher, em especial a violência doméstica e sexual; valorização de condições dignas de trabalho aos profissionais de segurança pública e do sistema penitenciário; fortalecimento do aparato de segurança e o controle de divisas, fronteiras, portos e aeroportos; ampliação, controle e o rastreamento de armas de fogo e munições; enfrentamento ao crime organizado, entre outros.
Também foram definidas prioridades para a execução, tais como: combate às facções criminosas e medidas voltadas à reorganização do sistema prisional; à corrupção e às fontes de financiamento da criminalidade; ao tráfico de armas, munições, drogas e contrabando; programa de reorganização urbana e de garantias dos direitos das pessoas; incremento à qualidade de preparação técnica das polícias e demais agentes de segurança, entre outros.
Referências
[1] LESSA, Sávio A B. Planejamento estratégico e política de segurança pública: análise do processo de formulação das políticas de segurança pública implementadas pelo estado de Rondônia no período de 2008 a 2017. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/193537
[1] SÁ E SILVA, Fabio de. Barcos contra a Corrente: a Política Nacional de Segurança Pública de Dilma Rousseff a Michel Temer, in Boletim de Análise Político-Institucional / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – n.11 (2017). Brasília: Ipea, 2017.
[1] BUENO, Samira e LIMA, Renato Sérgio de. Por Uma Nova Política de Segurança Pública, in Rio Sob Intervenção. Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2018.
[1] SILVA, Robson Rodrigues da. Um novo leviatã? in Rio Sob Intervenção. Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2018.
[1] SANTOS, Gisele. Criação do Ministério da Segurança Pública divide a Polícia Federal. Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/criacao-do-ministerio-da-seguranca-publica-divide-a-policia-federal. Acesso em: 19. abr. 2018.
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.