Evolução histórica da política nacional de segurança pública (parte 4): governo Dilma.
Depois de uma pausa, retomamos nossa série de artigos sobre a evolução histórica da política nacional de segurança pública. Esta quarta parte é destinada às políticas de segurança pública do governo da presidente Dilma Rousseff[i].
Em 2011, Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República e nomeou para Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Em seu discurso de posse, Cardozo incorporou os dois principais elementos do que, nos bastidores de Brasília, era dito ser a abordagem da presidenta Dilma Rousseff para o setor, ou seja, um entendimento mais rígido das competências federativas de que prevenir e combater a violência era tarefa, por excelência, dos estados e uma concessão em favor da maior atuação da União (e dos municípios), mas apenas nas hipóteses bastante específicas do 'crime organizado', do combate ao 'consumo de drogas' e da promoção da segurança de grandes eventos (SÁ E SILVA, 2017)[ii].
Para a SENASP, Cardozo designou a advogada Regina Miki, que convidou advogado Alberto Koptikke para ser um de seus diretores.
Miki e Koptikke, citado por Sá e Silva (2017, p.19), apresentaram a Cardozo um Plano Nacional de Prevenção e Redução de Homicídios. O plano tinha quatro componentes:
i) informação; ii) investigação; iii) polícia e comunidade; e iv) prevenção. Com o primeiro componente, objetivava-se estruturar o Sistema Nacional de Informações Estratégicas de Segurança Pública (Sinesp), uma ferramenta de gestão para o plano, gerando insumos para o diagnóstico da situação, o planejamento das ações e o monitoramento e a avaliação destas. Com o segundo componente, objetivava-se estruturar 473 unidades de preservação da vida, formadas por 1.117 equipes multidisciplinares, intersetoriais e interagências, que atuariam na resolução de casos de homicídio de acordo com padrões internacionais. Com o terceiro componente, objetivava-se estruturar grupos especializados de policiamento e ações comunitárias, em que agentes da polícia, do Executivo e da comunidade conceberiam conjuntamente estratégias para prevenir e reprimir a violência. Com o último componente, pretendia-se estruturar 1.300 núcleos de prevenção da violência, que incidiriam sobre fatores de risco, em articulação com sistemas e equipamentos de política social – Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), postos de saúde e escolas – e também com os grupos especializados. Tais ações seriam implementadas em um subconjunto de quatrocentos municípios brasileiros, priorizados por concentrarem número significativo de mortes violentas (79,17% dos homicídios haviam ocorrido em 7,18% dos municípios brasileiros, como destacava a apresentação do plano)
(MIKI, KOPTIKKE, citado por SÁ E SILVA, 2017, p.19).
Segundo Sá e Silva (2017, p. 19), "as proposições soavam bem mais sólidas e maduras que as do plano implementado no governo Lula 1 ou as do PRONASCI". Ocorre, no entanto, que a presidente Dilma descartou a proposta apresentada por Miki e Koptikke, pois estava em descompasso com suas expectativas.
O descaso da presidente com o plano elaborado por Miki e Koptikke, fez com que este deixasse o ministério. Miki e Cardozo continuaram no governo até a deposição da presidenta Dilma. A gestão de Miki, e a de Cardozo, como um todo –, "seria incapaz de articular saltos qualitativos como os que haviam sido propostos no plano rejeitado por Dilma" (SÁ E SILVA, 2017, p. 19).
Sá e Silva (2017, p. 19) assevera: "o período 2011-2014 é, com efeito, marcado por relativa inércia em relação às soluções de política pública adotadas desde o primeiro governo Lula". Para o autor, "o grau de inovação observado foi "a aprovação de lei que instituiu o SINESP e determinou que a alimentação do sistema seria um requisito essencial para a liberação de verbas de fundos federais a Estados". Essa medida, no entanto, foi "relativamente inócua pelo insuficiente poder de indução programática que sempre acometeu a União".
Em 2012 o Ministério da Justiça lançou o novo Plano Nacional de Segurança Pública, com os seguintes componentes: i) um Plano Estratégico de Fronteiras; ii) o programa Crack, é Possível Vencer; iii) ações de combate às organizações criminosas; iv) um Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional; v) um Plano Nacional de Segurança para Grandes Eventos; vi) o mencionado Sinesp; e vii) um Programa de Enfrentamento à Violência (Brasil, 2011) (SÁ E SILVA, 2017).
O plano trouxe três novidades, conforme entendimento de Sá e Silva (2017, p. 21):
A primeira dizia respeito à agenda federal, agora mais preocupada com crime organizado, uso de drogas, sistema prisional e segurança de grandes eventos (itens de 1 a 5 do plano supra) do que com prevenção e redução das manifestações mais cotidianas da violência urbana, como roubos e homicídios (item 7 do plano supra, na forma de projeto-piloto no estado de Alagoas).
A segunda dizia respeito à relação entre entes federados, na qual ganhavam destaque as competências executivas da União e dos estados. Componentes como combate ao crime organizado, segurança nas fronteiras e segurança de grandes eventos tinham como lócus de gestão organizações federais como Exército, Polícias Federais e Ministério Público Federal (MPF), enquanto o Brasil Mais Seguro tinha como elemento crucial o fortalecimento da Polícia Civil e da perícia, organizações de caráter tipicamente estadual. Já as guardas municipais e os programas de prevenção ou projetos sociais, cujos lócus de gestão são, em geral, municipais, ocupavam posição bem mais discreta do que tinham vindo a ocupar no passado recente, notadamente no PRONASCI.
Todavia, o plano era baseado na concepção de que o governo federal devia desempenhar apenas função de apoio aos governos (estaduais) na produção e na gestão das ações. Em relação ao Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, o então diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional afirmou, em entrevista de TV, que "o programa [era] de apoio. Os estados são responsáveis por esse assunto". No plano de ação do Brasil Mais Seguro para o estado de Alagoas, a mesma orientação estava consubstanciada, por exemplo, na mobilização de peritos da Força Nacional de Segurança Pública para dar apoio ao trabalho da Polícia Civil em matéria de investigação de homicídios(SÁ E SILVA, 2017, p. 21).
Com esse plano a segurança pública voltava a ganhar conotação de matéria precipuamente estadual e policial, cabendo à União assumir a condição de subsidiária, dando-se, ademais, em hipóteses arbitrariamente selecionadas e mediante ações pontuais e fragmentadas (SÁ E SILVA, 2017).
Na próxima semana, trataremos da política de segurança pública implementada pelo governo Michel Temer. Até lá!
Referências:
[1] LESSA, Sávio A B. Planejamento estratégico e política de segurança pública: análise do processo de formulação das políticas de segurança pública implementadas pelo estado de Rondônia no período de 2008 a 2017. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/193537
[1] SÁ E SILVA, Fabio de. Barcos contra a Corrente: a Política Nacional de Segurança Pública de Dilma Rousseff a Michel Temer, in Boletim de Análise Político-Institucional / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – n.11 (2017). Brasília: Ipea, 2017.
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
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