Segundo mandato de Lula
Encerramos o artigo da semana passada dizendo que Lula cedeu às pressões setores contrários às mudanças estruturais na segurança pública e demitiu Luiz Eduardo Soares.
Em 2007, com a mudança no comando do Ministério da Justiça (substituição de Márcio Thomaz Bastos por Tarso Genro) – houve uma alteração na condução da política de segurança pública. Márcio Thomaz, por ser um jurista, priorizou as reformas no judiciário, criando o Conselho Nacional de Justiça. Tarso Genro, por ser um político com aspirações de projeção, resolveu priorizar a segurança pública. Nesse ano foi criado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) por meio da Medida Provisória 384, convertida na Lei 11.530/2007 e alterada pela Lei 11.707/2008, com o objetivo principal de prevenção, controle e repressão da violência e criminalidade propõe unir medidas de segurança pública com políticas sociais, por meio da integração entre União, Estados e Municípios e a própria comunidade[i].
Para Soares, citado por Natal (2016, p. 191):
Este programa reitera o Plano anterior e parte da ideia de a eficiência policial está condicionada ao respeito aos direitos humanos. Dessa forma, surge baseado em uma nova concepção de segurança Cidadã”, caracterizada pela abordagem multidisciplinar na violência, cuja ênfase é o pleno exercício da cidadania[i].
Com base nessa nova concepção de segurança cidadã, o PRONASCI previa atuar em conjunto com Estados e Municípios, com metas bastante ambiciosas: modernização das instituições de Segurança pública e do sistema prisional, valorização dos profissionais de segurança, enfrentamento da corrupção policial e ao crime organizado, programas de integração do jovem e da família, a promoção da segurança e convivência pacífica, entre outras (NATAL, 2016).
O governo comprometeu-se a investir no PRONASCI R$ 6,707 bilhões, até o fim de 2012, em um conjunto de 94 (noventa e quatro) ações que envolveram 19 (dezenove) ministérios, em intervenções articuladas com estados e municípios.
Visando atingir as metas o programa contemplava os seguintes projetos: o Programa Território da Paz consistente na ocupação e pacificação de regiões urbanas com elevado índice de violência e criminalidade, do qual decorre as Unidades de Polícia Pacificadora, o Projeto Bolsa-Formação, cuja finalidade é a qualificação profissional dos profissionais de segurança pública; o Projeto Mulheres da Paz voltado a capacitação de mulheres membros nas comunidades violentas para prestação de assistência social aos jovens com o intuito de prevenção da violência juvenil e de gênero e do envolvimento dos jovens com as drogas e a criminalidade; o Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável, destinado a formação e inclusão social de jovens em situação de risco (NATAL, 2016).
Uma característica do PRONASCI é o fato dos programas terem sido direcionados diretamente aos municípios sem a interveniência dos estados, como acontecia regularmente até então. O programa teve início com apenas 12 (doze) regiões metropolitanas, mas com a proximidade com as eleições em 2008 houve a ideia de ampliar para mais de 200 (duzentos) municípios (SOUZA, 2015).
Ricardo Balestreri, citado por Souza[i], Secretário Nacional de Segurança Pública à época, relata os problemas decorrente dessa ampliação no número de municípios:
Criamos o Pronasci com a lógica de regiões [metropolitanas), o que não contradiz a lógica do município; mas ela vai além, porque o Pronasci foi criado com a visão de regiões metropolitanas. E se tem uma grande crítica que se possa fazer ao Pronasci foi dentro dessa lógica inicial de reduzir a violência e o crime nas regiões metropolitanas. Por quê? Porque realmente 1,4 bilhões- que era o orçamento médio do Pronasci -, era dinheiro bastante suficiente para implementar políticas públicas muito consequentes na redução de crimes e violência nessas 12 regiões metropolitanas, mas não era dinheiro suficiente para 200 municípios. Então, em que pese isto, excelentes políticas continuam sendo implementadas, mas sempre com bastante dificuldade, bastante precariedade.
Além dos recursos não serem suficientes para implementação das políticas em 200 (duzentos) municípios havia ainda outros problemas que comprometeram o programa. Segundo Madeira e Rodrigues[i], a implementação do PRONASCI expôs também uma série de fragilidades da gestão pública no Brasil.
Ao descentralizar a gestão e a execução do programa, o Ministério da Justiça apostou na eficiência dos estados e municípios para colocar essa política pública em funcionamento. Contudo, em muitos casos, os entes federados jamais tinham executado políticas de prevenção à violência e nem possuíam estrutura de gestão (conhecimento, recursos humanos, contrapartida financeira, entre outros) para essa realização. O resultado prévio desses quatro anos de execução é ainda de uma relação custo-benefício muito desfavorável, afora, evidentemente, algumas experiências muito bem-sucedidas com o PRONASCI em alguns estados e municípios do Brasil.
Ao passo que se aumentou o número de municípios beneficiados com o PRONASCI, aumentou, também, exponencialmente, os recursos destinados ao programa. Mesmo assim, os recursos não foram suficientes para contemplar todos os projetos. Esses recursos tornaram-se motivo de disputas e discórdias dentro do Ministério da Justiça (SOUZA, 2015).
Para Souza, o PRONASCI gozava de boa reputação entre os movimentos sociais que apreciavam a ideia de priorizar a pauta da cidadania, além de desenvolver ações direcionadas à participação da comunidade na prevenção à criminalidade.
Nessa linha, visando dar maior agilidade na execução do PRONASCI o Ministério da justiça optou por executar suas despesas na modalidade aquisição direta:
Ao invés de promover a transferência de recursos para estados e municípios, geralmente por convênios. Essa estratégia diminuía a ingerência de estados e municípios na execução do programa, mas, por outro lado implicava num aumento exponencial da responsabilidade de gestão e execução do PRONASCI
(SOUZA, 2015, p. 199).
Ocorre, no entanto, que a enorme gama de recursos e a estratégia do Ministério da Justiça em executar sua despesa por aquisição direta fez com que os órgãos de controle e fiscalização do governo federal começassem a questionar a execução e aplicação dos recursos do programa.
Havia problemas de monitoramento e avaliação das ações. As equipes do Ministério da Justiça eram insuficientes para responderem às demandas crescentes de acompanhamento e monitoramento de convênios. Em determinado momento, funcionários do próprio Ministério começaram a boicotar ações da Senasp. Muitas das organizações não-governamentais (ONG’s) e das organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP’s) selecionadas para a implantação de programas do Pronasci não tinham expertise e capacidade técnica e operacional para executar algumas das ações.
(SOUZA, 2015, p. 200).
Assim, muitos milhões de reais foram devolvidos a SENASP. Sem contar que existiam denúncias sobre a qualidade da execução de muitos convênios.
Não bastassem os problemas de gestão dos recursos financeiros instalou-se uma disputa interna no Ministério da Justiça. Um grupo político, preocupado em priorizar demandas político-partidária versus o grupo técnico, mais preocupada em conduzir o programa de forma mais séria e planejada. Tudo isso veio a comprometer o programa.
Madeira e Rodrigues concluíram o seguinte, sobre o PRONASCI:
Estado ainda se mostra frágil na condução das políticas para além das necessidades imediatistas de se apresentarem resultados às demandas da população, fazendo com que as políticas públicas não se consolidem como alternativas democráticas para a transformação das condições de vida da população brasileira.
Atualmente, concluído o período da execução do Pronasci como determinava a Lei nº 11.530/2007, abriu-se um novo espaço, por enquanto vazio, em termos de um programa nacional estruturante para a segurança pública no Brasil. Isso porque o Ministério da Justiça manteve algumas das ações do programa, financiadas através de editais abertos a praticamente todos os estados e municípios, no âmbito do Susp; por outro lado, relegou esses projetos a uma condição de pouca visibilidade e articulação.
(MADEIRA; RODRIGUES, 2015, p. 19).
Os autores, ao afirmarem que o sucesso do programa foi comprometido por ter sido atrelado ao calendário eleitoral, corroboram com Beato Filho citado por Filocre (2010, p. 80) tendo em vista “o objetivo de uma política de segurança pública não pode ser a eleição. Lamentavelmente muitos gestores não dão o adequado dimensionamento do objetivo de uma política voltada para a segurança pública“.
Apesar dos problemas enfrentados, o PRONASCI deixou pontos positivos, pois implantou uma nova concepção de segurança, centralizada na plena cidadania, nos direitos humanos e caracterizada “não tão somente por ações repressoras, mas principalmente, preventivas em conjunto com serviços sociais, articuladas entre a sociedade civil, polícia e demais instituições” (NATAL, 2016, p. 193).
Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.
Referências
[1] LESSA, Sávio A B. Planejamento estratégico e política de segurança pública: análise do processo de formulação das políticas de segurança pública implementadas pelo estado de Rondônia no período de 2008 a 2017. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/193537
[1] NATAL, Mariane. Políticas Públicas de Segurança para o Combate a Violência e a Criminalidade no Estado Democrático de Direito: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS). in Segurança Pública. /Vladimir Passos de Freitas, Fernando Murilo Costa Garcia (Coordenadores) [et al.]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. pp.183-204.
[1] SOUZA, Robson Sávio Reis. Quem comanda a segurança pública no Brasil? atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.
[1] MADEIRA, Lígia Mori e RODRIGUES, Alexandre Ben. in Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev. Adm. Pública. Rio de Janeiro, v.49 n.1:3-2, jan./fev. 2015.