Conflitos agrários na Região Norte: uma história de violência que não deve se repetir

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, a região norte do Brasil tem se destacado no número de conflitos.

O Brasil é um país com dimensões continentais. Seu território possui uma área de 8.514.876 km², representando o quinto maior do planeta, atrás somente de Rússia, Canadá, Estados Unidos e China. E como já dizia Pero Vaz de Caminha, “onde se planta tudo dá”.

Somos um país rico e enorme, mas, lamentavelmente, com sérios problemas sociais. A renda nacional, ou seja, sua riqueza, é mal distribuída. Somando-se isso ao tamanho de nosso território, suas riquezas naturais e à ganância dos homens, o resultado tem sido muitos conflitos agrários, em sua maioria com muita violência.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, a região norte do Brasil tem se destacado no número de conflitos. Em 2018 a região norte era a segunda região com maior número de conflitos (392), perdendo apenas para o nordeste (456). Em 2019 a região norte assumiu a liderança nacional, com 488 conflitos.

Foto: Agência Brasil

Esses conflitos estão relacionados a diversos motivos: disputa pela posse da terra, exploração ilegal de madeira, exploração de minérios preciosos (ouro e diamantes), desapropriação para realização de obras etc. E ocorrem em qualquer tipo de terra: propriedade particular, terras devolutas, terras indígenas e unidades de conservação.

Dentre os estados do Norte, Rondônia tem se destacado negativamente. Ao longo de sua história, muitos foram os conflitos rurais. Desde os anos 60 temos registros de conflitos. Nos anos 80 esses conflitos se agravaram, principalmente nas áreas indígenas, onde correram verdadeiros genocídios.

Com base em dados da Pastoral da Terra, Pedro Bentes informa que Rondônia é o segundo estado do Brasil em número de assassinatos relacionados à luta no campo em 2018. Seis crimes do tipo foram registrados no estado somente no ano passado. Os dados são do último levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Todos os seis assassinatos aconteceram em cidades do interior do estado que, segundo o levantamento, são áreas de intenso conflito agrárioi.

Em 1995 Rondônia enfrentou seu maior conflito, ocorrido na fazenda Santa Elina, em Corumbiara, onde 10 pessoas morreram, incluindo 02 policiais militares. Os organismos de Segurança Pública de Rondônia, principalmente a Polícia Militar, aprenderam muito com esse episódio e, hoje, possuem expertise em reintegração de posse. Lamentavelmente, apesar dessa vasta experiência, correram conflitos com resultado morte.

Foto: Agência Brasil

Recentemente, em 03 de outubro último passado, 02 policiais militares, 01 Tenente e 01 Sargento, foram mortos por invasores de terras em uma fazenda na BR-364, cerca de 20 quilômetros após o distrito de Nova Mutum Paraná, em Porto Velho (RO). Foi, também, atingido por tiro de fuzil outro tenente, mas, felizmente, sobreviveu.

A violência contra desses policiais causou enorme comoção da tropa. Foi preciso conter os ânimos para que a operação de captura desses assassinos não se transformasse em outro embate fatal. Felizmente, a Polícia Militar mostrou-se extremamente profissional e competente e a resposta foi exitosa e dentro da lei, como deve ser toda ação policial.

Os conflitos continuam, e, no momento, Rondônia está prestes a enfrentar mais um. E mais uma vez no cone sul do Estado, no município de Chupinguaia, na Gleba Corumbiara. 

O Ministério Público do Estado de Rondônia recomendou às forças de segurança do Estado de Rondônia a realização de um minucioso Estudo de Situação e elaboração Plano de Reintegração e de Remoção de famílias, no cumprimento do mandado de reintegração de área de litígio agrário, na propriedade rural denominada Fazenda Nossa Senhora Aparecida, localizada na Linha 145, Gleba Corumbiara, no município de Chupinguaia/RO, comarca de Vilhena/RO, de propriedade da Agropecuária Cabixi. 

O que o Ministério Público quer é evitar outro conflito como o ocorrido em Corumbiara há 26 anos. O Governador do estado de Rondônia, Cel Marcos Rocha, no início de maio viajou até Brasília e, antes de falar com Bolsonaro, se reuniu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e com o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia. Segundo a revista Veja, o Nabhan deixou uma forte impressão, alegando que

“Esses caras estão aterrorizando o estado de Rondônia. São invasões de propriedade, e toda invasão é crime, mas uma é uma situação extremamente grave, porque saem destruindo tudo, queimando casa, benfeitorias, currais, armazéns, banca de inseminação artificial, espancando funcionários da fazenda”i.

O secretário de assuntos Fundiários, ainda teria dito que o grupo — que surgiu em 1995 após o Massacre de Corumbiara, em dissidência ao MST — atua dentro da selva e tem seu modus operandi idêntico aos das Farc, da Colômbia.

Nessa ocasião o Governador pediu o apoio da Força Nacional de Segurança Pública. Segundo o Secretário de Segurança, Hélio Pachá, um efetivo da Força Nacional deve chegar a Rondônia até o final de maio para ajudar a polícia do estado nas regiões de conflito agrárioiiPachá complementa informando que a FNSP chegará ao estado para…

… reforçar o policiamento e o patrulhamento ostensivo nas regiões de conflito, como, na fazenda Nossa Senhora Aparecida em Chupinguaia (RO) e na região de Abunã“. Segundo ele, “a Força Nacional não tem objetivo de cumprir reintegração de posse“.

E nem poderia, pois a FNSP não conhece o terreno, nem trabalha em apoio a outra força. Quem realizará a reintegração de posse é a Polícia Militar e os demais segmentos da segurança pública. Estes sim, possuem a expertise, conhecem o terreno e estão preparados para uma ação tão complexa.

O êxito da missão, obviamente, depende de um planejamento bem formulado e implementado. Não se pode agir por impulso ou afobação. É muito provável que haja resistência, e, nesse caso, o uso da força se fará necessário. Mas devemos lembrar que existem famílias, mulheres e crianças no acampamento e eles tem como modus operandi esconderem-se atrás desses grupos vulneráveis. Lembremo-nos do ditado popular: 

cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém“.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO. 

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