A polícia não pode ser política

Os últimos dias foram marcados por ações policiais relacionadas à política.

Os últimos dias foram marcados por ações policiais relacionadas á política. No sábado, dia 29 de maio de 2021, a tropa de choque da Polícia Militar de Pernambuco agiu de forma violenta contra manifestantes que criticavam o presidente Jair Bolsonaro. No dia 31 de maio policiais militares de Goiás prenderam um professor que se recusou a retirar um adesivo com os dizeres “Bolsonaro Genocida”.

Como resultado da ação policial em Pernambuco, duas pessoas ficaram cega de um olho, atingidas por balas de borracha. Em Goiás, o professor acabou sendo solto, pois não ficou, segundo o entendimento do Delegado de Polícia Federal, caracterizado o crime contra a segurança nacional (lei usada para prender o professor).

Foto: Hugo Muniz

Lamentavelmente, o que temos observado é que algumas organizações policiais têm atuado de forma diferente a depender da finalidade da manifestação. Quando é a favor do presidente, existe uma grande tolerância, chegando até a permitirem que infrinjam as leis de trânsito (policial rodoviário conduzindo a presidente na garupa da moto sem capacete). Quando é contra o presidente, infelizmente, deparamo-nos com ações enérgicas visando reprimir os movimentos.

É público e notório que o presidente Jair Bolsonaro foi eleito com o apoio de boa parte dos militares e policiais, no entanto, nada justifica o uso de dois pesos e duas medidas nas ações policiais. As polícias não podem ser usadas para satisfazer os interesses pessoais de segmentos do eleitorado do presidente, nem tão pouco de grupos políticos. Elas precisam agir movidas pelos princípios da legalidade, impessoalidade e supremacia do interesse público.

O Estado brasileiro é um “estado democrático de direito” e não um “estado de polícia”. Em um estado democrático de direito não se admite usar as polícias ou as forças armadas como instrumentos de repressão política e ideológica contra os opositores do soberano. 

Conforme dispõe o art. 144 da Constituição Federal, as polícias têm por missão preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Elas integram o sistema de segurança pública.

Foto: Agência JCMazella/Sintepe/Divulgação

Com o advento da atual Constituição Federal, promulgada em 1988, onde os direitos e garantias fundamentais ganharam destaque, as organizações e instituições policiais precisaram se ajustar a uma nova noção de segurança pública, voltada para garantir a dignidade da pessoa humana. A atual visão de segurança pública é mais condizente com estado democrático de direito e respeita a dignidade humana. Ao invés de polícia política, uma polícia cidadã.

As organizações policiais são consideradas instituições permanentes, pois suas existências independem de pessoas, momentos históricos ou gestões governamentais. Por serem instituições permanentes e essenciais para o funcionamento do Estado elas não servem aos interesses dos governantes, mas sim do Estado. Os governos passam, os governantes mudam, mas o Estado, este permanece.

A polarização política que domina o país não pode ter reflexos nas organizações policiais, principalmente nas militares, pois estas servem para garantir a democracia e sua instituições democráticas, protegendo o Estado de quaisquer ameaça, inclusive dos governantes, caso estes ajam contrários á democracia e ao bem-estar social.

Quando a política entra nos quartéis e delegacias a segurança pública deixa de ser uma prioridade, haja vista que a política, em sua pior acepção, é a busca pelo poder, dinheiro e prestígio, totalmente distante da política de Aristóteles, que corresponde a ciência que tem por objetivo a felicidade humana, seja ela individual do homem na Cidade-Estado, ou coletiva.

A única política permitida nas polícias deveria ser a política institucional, voltada para a melhor eficiência das ações policiais no combate ao crime, as de melhorias das condições de trabalho e de valorização profissional. Estas últimas devem ter por finalidade tornar as corporações policiais mais eficientes, pois seu maior patrimônio é sua tropa, que cumpre a finalidade das organizações e instituições policiais permanentes.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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