A Polícia e Lázaro, e a fábula “o Velho, o Menino e o Burro”

O desfecho da perseguição gerou muitos comentários e críticas sobre a atuação da Polícia

Depois de 20 dias perseguindo Lázaro Barbosa, um criminoso bárbaro e cruel, assassino e estuprador, finalmente as buscas acabaram. Lázaro foi capturado na manhã de hoje, 28 de junho de 2021. Lamentavelmente, ele foi capturado morto. Era um desfecho provável, pois já havia demonstrado que resistiria à prisão, tendo, por duas vezes trocado tiros com policiais.

Foto: Divulgação

Os policiais comemoraram a captura de Lázaro, o que é natural depois de 20 dias de exaustivas buscas envolvendo quase 300 policiais de diversas forças.

O desfecho da perseguição gerou muitos comentários. A demora na captura fez com que muitos criticassem a Polícia, pois a taxavam de incompetente. Depois de, finalmente, capturarem Lázaro, as críticas continuaram: algumas pessoas se manifestaram criticando a Polícia porque não o capturaram com vida, sugerindo que houve uma execução sumária de Lázaro. Por outro lado, se Lázaro tivesse sido capturado com vida, muitos, ainda assim, criticariam a Polícia, pois, para esse grupo “bandido bom é bandido morto”. E se Lázaro não o tivessem capturado, conseguisse fugir, as críticas à Polícia seriam ainda maiores, pois seriam rotulados de incompetentes.

Pouco importa o desfecho, a Polícia sempre seria criticada por algum grupo de pessoas.

Lembrei-me da fábula “o Velho, o Menino e o Burro”. Para quem não conhece, segue a fábula:

Conta tradição antiga

Que um velho camponês

Precisando de dinheiro

Em certa altura do mês

Manda o filho caçula

Buscar o burro ou a mula

Para vender dessa vez.

O menino vem ligeiro

Trazendo o belo burrinho,

Seguiram os três pra cidade

Logo de manhã cedinho

Ninguém montou no animal

Pra ele não dar sinal

De cansaço do caminho.

Porém numa curva

Da estrada

Viram um viajante

Que falou: – “Que “besteira”!

O animal vai vazio

E o pobre velho senil

Vai a pé na caminhada”

– “Vejam, só, que grande asneira

É promessa ou penitência?”

E o velho lhe deu razão

E foi no burro montando

E o menino puxando

Na mais pura inocência.

E foi dizendo o velhote

– “Só assim ninguém reclama

E tapo a boca do mundo!”

Logo à frente as lavadeiras

Lavando nas corredeiras

Gritaram: – “Mas que burrama!”

– “Um marmanjão com saúde

Muito contente montado

E um pobre menininho

Puxando o burro! Ah, malvado!…

Este mundo está perdido

Desça daí seu bandido

Que o menino está cansado!”

Depois dessa, o pobre velho

Indignado acenou

E na garupa do burro

O seu menino montou

E disse ali sem demora:

– “Quero ver quem fala agora!?”

E o seu caminho continuou

Mas não deu nem dez minutos

Desponta ali na frente

Montado na bicicleta

Um roceiro e diz: – “Oxente!

O pobre desse animal

Não vai chegar ao final

Com esse peso em dia quente!”

Disse isso e foi-se embora

E o velho concordando

Desce, deixando o menino

E sai na frente puxando

Mas encontra outro sujeito

Que ao menino curva o peito:

– “Majestade!” O vai saudando.

Logo pergunta o menino:

– “Por que falas: majestade?”

– “Porque somente os príncipes

Tem servo na tua idade

Puxando as montarias

Não fosses rei não terias

Lacaio à tua vontade!”

– “Lacaio, eu?” – Diz o velho

– “Mas que grande desaforo!”

Desça ligeiro menino

Pra não ouvir este coro

Vamos com o burro nas costas

Pra ver se o mundo assim gosta

E não faça mais agouro

E os dois com o burro nas costas

Qual estranho ritual

Encontram alguns rapazes

Que fazem tal carnaval

Gritando: – “Vejam três burros

Só falta soltarem zurros

Quem é o mais burro afinal?”

E o velho grita: – “Sou eu!

Burro de orelha também

Querendo escutar o mundo

Sendo aconselhado além

Quem segue o mundo maluco

Vai morrer doido e caduco

Sem nunca agradar ninguém!”

Ao final da fábula o velho aprende que nós não podemos ser “Burro de orelha”, querendo escutar ou agradar todo mundo, pois “quem segue o mundo maluco vai morrer doido e caduco, sem nunca agradar ninguém”.

As Polícias não devem buscar agradar ninguém, seja a população, a mídia, ou os poderosos. As Polícias devem cumprir seu dever, e só isso, custe a quem custar e o que custar. E o dever das Polícias é garantir a ordem pública, preservando a incolumidade das pessoas. E foi isso que fizeram ao perseguir e capturar Lázaro Barbosa.

Neste momento, as forças policiais envolvidas na captura devem ser elogiadas. Não se pode presumir que a captura com resultado morte foi resultado de uma execução. Vamos dar aos policiais o benefício da dúvida e a presunção de inocência. Se, e somente se, houver algum indício de execução, de excesso, que sejam investigados com o devido direito ao contraditório e ampla defesa. Precisamos parar com essa história de achar que tudo que a Polícia faz é errado, que sempre agem contra a lei, com excesso ou abuso de poder. Policiais são seres humanos, e como tais, são falíveis, sujeitos a erros. No entanto, na maioria absoluta dos casos, as ações são corretas, dentro dos limites da lei. Os erros são exceção. Essa categoria de servidores públicos é especial. Não é melhor nem pior, apenas diferente. Estão sujeitos às agruras de uma atividade que lida diariamente com o perigo, com o risco de morte, com o que existe de pior na sociedade. A Vida deles é uma tensão bélica constante. Muitos não chegam vivos ao longo de 30 anos de serviço. Aqueles que chegam, poucos tem saúde para gozar a merecida reserva remunerada ou aposentadoria, pois possuem sequelas físicas e/ou psicológicas.

A vida dos policiais é de enormes danos existenciais.

Se a sociedade quer uma polícia melhor, precisam investir nelas, tratá-las melhor, com mais respeito e dignidade. Comecemos dando aos policiais o direito fundamental à presunção de inocência. Deixemos para julgá-los e condená-los depois de uma investigação onde gozem da ampla defesa e contraditório.

Por enquanto, vamos comemorar e elogiar os policiais envolvidos na captura desse perigoso criminoso.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO. 

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