Em 2015 o jovem Sakirabiat, 21 anos de idade, começou a cursar o magistério por meio do projeto Açaí, formação que leva cinco anos para ser concluída. Ele faz parte do grupo de mais três alunos da mesma etnia que fizeram o curso, uma área indígena pequena, com cinco aldeias, que fica nas terras do município de Pimenta Bueno.
A aldeia de Sakirabiat tem 25 indígenas e uma escola. Em conversa o indígena conta que não pretende parar e vai estudar para fazer o curso de Direito, mas por enquanto pretende dar aulas. “Não foi fácil no início, eu ficava dentro do hotel e tinha que me acostumar com outra realidade, até que me adaptei. Do primeiro dia até hoje, sinto que meu pensamento ficou mais intelectual, um docente critico e construtivo”, avaliou o indígena.
A professora de Legislação Educacional, Maria Auxiliadora, conta que ele veio com muita vontade de estudar para ajudar parentes. Na aldeia a escola atende com ensino fundamental e para suprir o médio, alguns optaram para fazer o curso de magistério oferecido pelo projeto Açaí, outros pela mediação tecnológica ou estudar em escolas rurais com médio básico.
Tangãi Uru Eu Wau Wau
Os irmãos Juwi Uru Eu Wau Wau e Tangãi Uru Eu Wau Wau são da mesma turma de Sakirabiat. Na terra indígena onde eles moram existe cinco escolas que funcionam com o ensino fundamental, do 1º ao 5º ano, tem quatro professores indígenas e uma não indígena, com a clientela de aproximadamente 20 alunos.
O povo Uru Eu Wau Wau tem uma população de um total de 300 indígenas, foi um dos últimos a ter contato com a população não indígena de Rondônia.
Tangãi conta que não foi fácil estudar cinco anos. A cada modulo ele tinha que se ausentar de 40 a 50 dias de casa. Casado, 25 anos, disse que a família o apoiava, acreditando na capacidade intelectual dele e com o apoio especial da esposa. Quando pensava em desistir recebia palavras de incentivo.
A opção pelo magistério veio pela vontade de ensinar. “Quando eu começo a conversar gosto de dar conselho, de ensinar… eu queria ensinar, e a figura do professor me dava essa opção. Pretendo continuar os estudos, fazer uma faculdade, mas ainda estou pensando em qual área seguir”, disse Tangãi ressaltando que disciplina que mais gostou foi Química.
A esposa de Tangã Jubi Juma, de 19 anos, estuda o ensino médio em uma escola da zona rural, município de Jaru, em Rondônia, mas também fala em fazer faculdade. O casal pensa em formar juntos e não sair da aldeia, somente para estudar e retornar para ajudar o povo a compreender melhor seus direitos.
Este ano Tangãi ficou em primeiro na lista do processo seletivo emergencial para contratação de professores indígenas, realizado pelo Governo do Estado, e a colação de grau o convalida para assumir o cargo em breve.
Juwi Uru Eu Wau Wau
A irmã de Tangãi, a jovem Juwi Uru Eu Wau Wau, de 22 anos, é casada, e também persistiu na formação oferecida por meio do projeto Açaí. Com o apoio do esposo conseguiu terminar o magistério e segue em busca de um contrato no governo para dar aulas. Tem como objetivo dar aulas na aldeia onde mora, conseguir um salário para fazer faculdade de medicina.
A jovem foi indicada pelo povo da aldeia para fazer o curso porque já tinha o primeiro ano do ensino médio, estudava em uma escola da rede pública estadual no município de Jaru. “Escolhi o magistério porque o meu povo precisava de professor para ministrar aulas. Gostei do curso, aprendi muito e sinto segurança para dar aulas. Eu ensino meu sobrinho nas horas de dificuldade. Tenho o sonho de dar aula, ganhar meu salário para poder fazer faculdade de medicina”, disse.
Os pais dos irmãos Uru Eu Wau Wau dão apoio e falam que assim eles ganham conhecimento e podem ajudar a comunidade preservar seus direito.
Professores
Para professora de história, Marcia Somosa Tolentino, que há 7 anos trabalha na educação escolar indígena, e também técnica da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), a formatura é uma oportunidade para inclusão social, pois os mesmos há muito tempo sofrem com a discriminação. Ela entende que a formação traz reconhecimento para o povo indígena, um desejo que reflete os benefícios resguardados na Constituição de 1.988.
“Você sentir que faz parte de um processo de um povo que está conseguindo despontar para a educação, ver alguns indígenas fazendo mestrado, pós-graduação, você fica muito feliz. E quando você ver um aluno dizer que vai continuar, isso é muito bom!”, disse a professora expressando a sensação de felicidade ao ver o estudantes formando.
Nesta etapa 17 professores estiveram envolvidos na formação, deste número cinco são indígenas, sendo dois com formação em Matemática, dois em Pedagogia e um mestre em educação, formandos em Universidades Federais. São eles; os matemáticos José Roberto Jabuti e Adriano Pawah Surui; Os pedagogos, Uraan Anderson Surui e Margareth dos Reis Freitas Migueleno; e o mestre Gamalono Suri.
Segundo o coordenador do Núcleo Indígena da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Antônio Purubura, o projeto Acaí tem boa aceitação no meio indígena, e o governo já conseguiu formar 339 professores nas três edições, sendo que cerca de 90% destes professores estão atuando nas escolas indígenas.
Formatura
A solenidade de formatura é um marco na vida de cada um. Participaram do evento alunos das etnias Karitianas, Sakirabiar, Macurap, Aruak, Jaboti, Mamaindê, Aikanã, Oro Mon, Oro Waram Xijein, Oro Waram, Uru Eu Wau Wau, Latundê, Aikanã, Tupari, Oro Eo, Oro não, Guaratira, Cinta Larga, Suri, Kampé, Gavião, Karitiana, Kaxarari, Amondawa, Arara, Oro at, Oro Win, Oro Waram, Oro Mon, Wajuru, Xijein, Oro Waje, e Oro Jowin.
O projeto Açaí teve a primeira edição no ano 2000, com encerramento em 2005. Esta é terceira edição do projeto que começou em 2015 e encerra este ano com a formatura de 86 professores indígenas. A secretária adjunta de Educação, professora Conceição Alves, foi protagonista na organização da formatura que incluiu atos solenes e típicos da cultura indígena, um mister de tradição e glamour.
Após discursos, homenagens e juramentos, os estudantes fizeram um ato solene a cultura indígena colocando na cabeça o cocaR, símbolo da identidade dos povos e que representa luta e história dos índios no Brasil.
Conceição Alves enalteceu a equipe que participou do processo de formação dos novos professores e destacou o esforço em ficar até 50 dias fora do ambiente familiar, situação que demonstra um desafio e a força do povo guerreiro.
“Não é fácil passar tantos dias longe da família, essas pessoas são mais que guerreiros, são heróis. Com certeza é um grande desafio. Um desafio para nós da Educação. O governo do Estado está buscando a estruturação física e pedagógica das escolas indígenas para atender melhor as etnias, e em breve devemos chamar alguns professores que estão aprovados na lista do processo seletivo”, refletiu a secretária.