Da floresta em pé ao tênis sustentável: relatos dos Soldados da Borracha de Rondônia

Os então jovens – convocados para trabalhar na Amazônia na década de 1940 – relembram o começo de tudo e as mudanças que o tempo proporcionou aos seringueiros.

Na década de 1940, milhares de jovens foram convocados para serem soldados da borracha na Amazônia. Ao longo do tempo, a extração do látex foi perdendo força e muitos dos seringueiros trocaram a floresta pela cidade. Mas, com o pagamento justo pelo trabalho e pelos serviços ambientais, os extrativistas mais novos estão retomando a tradição, que faz parte da colonização de Rondônia.

“Uma parte vinha para Amazônia, para contar a seringa e a outra ia para guerra. Ele [meu pai] veio para cá, com a intenção de cortar a seringa. Veio enganado? Veio enganado. Era muito dinheiro né, ofereciam muito dinheiro. Ele vinha para o seringal, mas não saía mais. Trabalhou mais de 30 anos dentro de um seringal e morreu no seringal também”, relembra Carlos Augusto Pinheiro, extrativista na Reserva Extrativista (Resex) Rio Cautário, em Costa Marques (RO).

Extrativista extraindo o látex na Resex Rio Cautário em Rondônia — Foto: Armando Júnior

Natural de Guajará-Mirim, na região de fronteira entre Brasil e Bolívia, o extrativista Carlos Augusto relembra seu crescimento dentro da floresta e reafirma o apego pela mata.

“Meu pai me trouxe para o mato [quando] eu tinha 6 meses de idade. Até hoje eu nunca fui pra rua. Vou assim, passo um mês, dois meses e volto de novo. Eu acho que pra eu me acostumar na rua vai ser difícil porque eu passo um mês e daí fico doidinho pra vir embora”, conta.

O trabalho desenvolvido com técnicas sustentáveis é o lema do extrativista Francisco Silva Eleotério. Ele acredita que o método deve ser passado para a nova geração, como uma forma de proteger a floresta.

Eu acho que a minha maior contribuição é praticar realmente um trabalho de sustentabilidade e passar isso para as novas gerações. Porque às vezes a gente inicia uma coisa, faz uma coisa e depois vem outro destruindo aquilo, sabe, aquilo dói muito. Então meu sonho é para que isso aqui sirva para muitas e muitas gerações. Isso deu trabalho, não foi fácil”, conta.

O presidente da Associação Aguapé, Francisco Pereira Alves, saiu do Ceará com o pai e chegou em Rondônia em 1979 e desde então, já produziu cerca de 20 toneladas de borracha. Atualmente, Francisco produz cerca de 700 kg por ano. 

Resex Rio Cautário em Costa Marques (RO) — Foto: Armando Júnior

“Desde que cheguei aqui com meu pai que eu já praticava a seringa, o extrativismo. Eu sozinho, com 15 anos, saía duas horas da madrugada. Aí eu cortei mais de 10 anos com a poronga na cabeça. Eu agradeço muito a reserva, a floresta de ter dado essa oportunidade pra mim, para usufruir dela”, diz.

Idalino Alves Nunes relembra que, quando começou a extrair borracha, produzia cerca de 2.400 kg por ano. O seringueiro conta que, como o quilo não valia nem R$ 1 no mercado, para sobreviver com a família na floresta, ele, sozinho, tinha que aumentar a produtividade.

“Criei 8 filhos com a borracha, meu pai também criou com a borracha. Eu considero a seringueira, como a mãe seringueira, que muitos fazendeiros derrubam. Meu pai me criou e eu criei todos os meus filhos e eu falo para os meus filhos, corta direitinho, zela, que é uma coisa que você vai ter. É da natureza, mas nós temos que zelar que é dali que a gente tira o pão de cada dia. De uma seringueira”, conta. 

Maria Silva Costa começou a cortar seringa com o pai, quando ainda era criança. Depois que casou, ela, o marido e os filhos foram para a Resex Rio Cautário, mas, com a queda no preço da borracha, quase desistiram de continuar na floresta.

“Os filhos desanimaram porque o preço era baixo demais e já começaram a fazer outras atividades. Desde o ano passado, para animação da gente, o pessoal do Pacto das Águas começou a arrumar uma comercialização lá fora. No ano passado, já começou premiando o pessoal dando um tênis de presente para quem fizesse quinhentos quilos, já e incentivando né? Chegou que esse ano todo mundo tá cortando”, conta.

Na cabeça de Aldeni Gomes dos Santos, uma música é a trilha perfeita para descrever o trabalho dos seringueiros da Amazônia.

“Vamos dar valor ao seringueiro, aí tá quem tá dando valor. Vamos dar valor à essa nação, pois é com trabalho desse povo que faz pneu dos carros e pneu do avião. Fizeram a ‘chinelinha’, fizeram o chinelão. Tem tanta coisa da borracha que eu não sei explicar não”, canta.

Por Carolina Brazil e Armando Júnior, Rede Amazônica

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