Quem gosta de velho é museu

Ao abrigar e preservar o que é velho, o museu substitui um sábio contador de história, um xamã, um griô, uma escola, uma universidade.

Um antigo e maldoso ditado popular assevera que ‘quem gosta de velho é museu’. Além do preconceito descarado, o ditado associou o que é velho com museu e vice-versa. O museu seria um lugar para coisas velhas. A sabedoria popular que forjou o ditado, carregado de ideologia, oculta e ignora propositadamente que, mesmo que sejam velhas, aquelas coisas lá no museu, são patrimônio cultural. Patrimônio artístico, muitas vezes. Patrimônio público. Um bem comum. Ao abrigar e preservar o que é velho, o museu substitui um sábio contador de história, um xamã, um griô, uma escola, uma universidade.

Foto: Eliakin Rufino/Acervo pessoal

Aqui em Roraima o primeiro museu foi inaugurado em 1985 dentro do recém criado Parque Anauá. Fazia parte de um conjunto de espaços culturais como Anfiteatro, Forródromo, Galeria de Arte e Escola de Música. Construído todo em madeira, o telhado era de cavaco e as vigas de uma árvore conhecida como aquariquara de quina, o museu nasceu com seu primeiro destino já traçado: a savana roraimense, chamada erroneamente de lavrado, é uma terra de cupins. Então um museu em madeira já nasceu prato feito pra cupim.

O museu foi construído há poucos metros de um grande lago, o tal Lago dos Americanos. Construído durante o verão seco, o solo foi escavado para fazer um declive na parte que seria o auditório do museu. Quando o veio o período de chuva o auditório foi inundado pelas águas do lençol freático. Para fazer show nesse auditório nós fazíamos uma ponte improvisada com tábuas para ir da plateia ao palco. Água apodrecendo o museu por baixo, cupim comendo o museu por cima e a incompetência e o descaso das autoridades, levaram ao fechamento do museu.

Foto: Eliakin Rufino/Acervo pessoal

Um ano após a inauguração, em 1986, foi anunciada a passagem do cometa Halley. O então governador Otomar Pinto, comprou um telescópio para que os estudantes e a população vissem o espetáculo. Tão logo o cometa passou, o telescópio quebrou e virou uma coisa velha que permaneceu no museu, sem uso, sem conserto, mais uma peça do museu. O tratamento dado ao telescópio é o mesmo dado ao museu. Não há nenhum interesse na continuidade, na permanência viva dos espaços culturais. A galeria de arte do Parque agora é um quartel da Força Nacional. A escolinha infantil Ursinho Feliz agora é um outro quartel de outra força policial.

O museu, depois de anos de abandono, agora veio ao chão. Recebeu o tiro de misericórdia, saiu da paisagem do parque. Passou mais tempo fechado e abandonado do que funcionando. E o período em que esteve aberto foi graças ao empenho de alguns servidores que resistiram até a exaustão. Eu mesmo trabalhei no museu. Fiz parte de um grupo de 25 pessoas que foram treinadas com cursos de Museologia básica para tocar em frente o museu. Na mudança de governo, todos nós saímos e fomos substituídos pelos que não sabiam de nada. Aí o museu começou a fechar. E agora foi demolido.

Foto: Eliakin Rufino/Acervo pessoal

Sobre o autor

Eliakin Rufino é poeta, compositor, professor e filósofo. Nasceu e reside em Boa Vista, Roraima.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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