A praça, que deveria exibir uma louvação ao belo, faz uma louvação ao bélico.
Minha coluna Revelando Roraima está sem um artigo novo há alguns meses. Decidi escrever um artigo para fechar o ano convidando você, leitor do Portal, a fazer um balanço de 2023 e pensar o que podemos fazer para que 2024 seja um ano realmente novo.
Hoje, quarta-feira, 27 de dezembro, última quarta-feira do ano, dia de entregar o artigo, saí pela manhã para fazer uma caminhada e escolher um tema, um assunto para abordar. Saí confiante que a brisa do rio e o sol da manhã, iriam com certeza me trazer uma ideia boa, caminhando aqui no centro da cidade de Boa Vista,
Fui visitar a Praça da Bandeira, que não fica longe da minha casa.
A Praça da Bandeira é talvez a praça mais antiga da cidade. Localizada na Av. Getúlio Vargas, em frente ao colégio Oswaldo Cruz, a praça já foi palco de acontecimentos históricos. Na minha infância, nos anos 60, havia na praça um conjunto de canhões, dispostos em círculo, apontando para todos os lados. Esses canhões foram trazidos pelos portugueses para o Forte São Joaquim, (1775) e depois da desativação e destruição do Forte, os canhões foram trazidos para Boa Vista e colocados na praça.
Eu estudava no Oswaldo Cruz e quando saía da escola, eu e outros meninos brincávamos nos canhões. Tiros eram disparados, navios afundados, piratas massacrados. Era uma diversão brincar com o canhão. O canhão chamava nossa atenção. Eu ainda não sabia que o canhão era uma arma, inventada para matar gente. Povos indígenas foram dizimados pelo canhão. Não era um brinquedo. Não deveria estar numa praça frequentada por crianças.
Depois os canhões foram retirados da praça e levados para frente de um quartel do exército. E lá permaneceram por muito anos. Há pouco tempo, em mais uma reforma da praça, um canhão foi trazido de volta. Uma arma mortal no meio da praça, num pedestal. Apologia ao crime. Arma letal. A praça, que deveria exibir uma louvação ao belo, faz uma louvação ao bélico. A praça deveria ter uma brinquedoteca, uma animação cultural com artistas especializados em arte infantil. Jamais uma arma deveria adornar uma praça. É preciso trocar o canhão por uma biblioteca.
O ano de 2023 foi tristemente marcado pela guerra. Muitas guerras, em diversas partes do mundo. Aqui em Roraima, a guerra do garimpo ilegal contra o povo Yanomami ainda não acabou. A guerra contra o desmatamento, a queimada, a exploração madeireira, continua. Como educar nossas crianças para a paz com um canhão na praça, com arma em casa, com imagens da guerra na TV e na Internet, me parece ser o ponto de reflexão.
Sobre o Autor
Eliakin Rufino é poeta, compositor, professor e filósofo. Nasceu e reside em Boa Vista, Roraima.
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