O que era pra ser patrimônio cultural, patrimônio arquitetônico, história, simbologia e memória, é tratado com descaso e irresponsabilidade.
Durante muitos anos, indiscutivelmente, o melhor hotel da cidade de Boa Vista foi o Hotel Praia Palace. Primeiro hotel construído na beira do rio, oferecia aos seus hóspedes uma visão panorâmica da paisagem feita de água, praia, ilha e céu. Quando precisávamos hospedar algum artista convidado, a gerência do hotel sempre oferecia patrocínio 100%.
Artistas da Região Norte, como o cantor e compositor Nilson Chaves, e artistas de outros lugares do Brasil, como o brincante Antônio Carlos Nóbrega, ficaram hospedados no Praia Palace. O roqueiro Lobão também ficou hospedado lá. E tantos outros que não lembro mais. Metade dos apartamentos tinha vista para o rio. O hotel contava com piscina, auditório e restaurante. Fazíamos show nos eventos culturais que eram ali realizados.
No início dos anos 90 o sonho acabou. O hotel foi comprado pelo Governo de Roraima e o governador determinou que fosse transformado numa escola. Mesmo sabendo que as escolas antigas como Oswaldo Cruz, Lobo D’Almada, São José, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato estão todas localizadas no centro da cidade. As paredes que dividiam os apartamentos foram retiradas e o novo espaço virou sala de aula. Longe de homenagear alguém da área da educação, as autoridades resolveram que a escola iria homenagear o piloto campeão de Fórmula 1, Ayrton Senna. Educação acelerada. Inaugurada em 1994, imediatamente começaram a surgir problemas na estrutura do prédio.
Em alguns anos passou por uma reforma, depois novos problemas surgiram e finalmente a escola foi fechada e permanece fechada há muitos anos. Com a chegada dos refugiados venezuelanos, a escola abandonada foi invadida. Recentemente foi colocada uma placa que anuncia a transformação do local em um abrigo para refugiados. Hotel, Escola e agora Abrigo.
Mas esse não é o único prédio que estava abandonado no centro histórico da cidade de Boa Vista. São muitos, alguns já foram demolidos, como o Hospital Nossa Senhora de Fátima, após anos de abandono. O que era pra ser patrimônio cultural, patrimônio arquitetônico, história, simbologia e memória, é tratado com descaso e irresponsabilidade. No domingo, dia 8 de janeiro, assistimos pela TV um ato de terrorismo cultural que depredou bens culturais de valor inestimável em uma só tarde. Não é muito diferente do terrorismo cultural que abandona e deixa virar ruína.
Enquanto as obras do novo Abrigo seguem em andamento, ao lado, justamente ao lado, temos uma outra ruína abandonada há muitos anos. Inaugurada pela Prefeitura para impressionar a então ministra da Cultura Marta Suplicy, que visitava Roraima. Tão logo a ministra partiu, o Pontão de Cultura, como foi chamado, realizou uns dois ou três eventos e hoje abriga, também, moradores de rua e refugiados.
Sobre o autor
Eliakin Rufino é poeta, compositor, professor e filósofo. Nasceu e reside em Boa Vista, Roraima.
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