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Sábado, 20 Abril 2024

Da pedra pintada ao grafite

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Semana passada escrevi sobre os primórdios da expressão artística e literária em Roraima, o que eu considero o nascedouro, a primeira expressão registrada, o que está escrito na pedra: a arte rupestre dos nossos sítios arqueológicos e sua linguagem enigmática e simbólica. A representação gráfica do mundo, na parede da caverna, antecipa em milhares de anos a arte do grafite nos muros urbanos. É o mesmo movimento. É mesmo gesto artístico. É a mesma vontade de dizer, de deixar escrito que nós existimos.

Da pedra pintada ao grafite. Antes, giz de pedra. Agora, lata de tinta. A preferência pelo signo e pelo significado, pelo símbolo e pelo simbólico. A pedra como suporte estável da arte. O muro como suporte efêmero da arte. As inscrições nas pedras estão visíveis, mesmo passados milhares de anos. Os grafites são apagados propositadamente e sofrem perseguição: em 2020 o governador de São Paulo determinou que todos os grafites fossem apagados, causando revolta em grafiteiros e artistas, episódio que ficou conhecido como 'maré cinza'.

Aqui em Boa Vista o grafite só chegou no século 21. Um dos primeiros grafiteiros foi o artista Max Delly de Melo Correia, nascido em Pernambuco e residente em Roraima. Ele fez mais que grafitar, com apoio do Governo Municipal ele passou a ensinar a arte do grafite e deu inicio a um movimento artístico que hoje é visível nos muros da cidade. É uma arte pública, de rua, de muro. Acessibilidade e cidadania. Contestação e resistência. Arte que transcende e que transgride.

O grupo Grafita Roraima lançou no mês passado, na sua página do Instagram, a campanha GraPix, uma ação de financiamento coletivo para prosseguir com o trabalho de arte nos muros da cidade. O texto da campanha solidária explica que "sua doação pode se tornar lata de spray. Ajude o Grafita Roraima a comprar latas de tinta. Faça um Pix". Ou seja, sua doação pode se tornar arte, emoção, sensibilidade e humanização. Cidade mais bonita, vida mais saudável.

Quando a pedra foi pintada, a pedra não tinha dono. Não precisava pedir permissão ao dono da pedra, não precisava lata de tinta e nem havia Pix. Os tempos são outros. Embora grafitar seja um gesto ancestral, histórico, estético e hereditário, os artistas dessa modalidade enfrentam, além da "maré cinza" que insiste em apagar o colorido da vida e da arte, a maré baixa de grana para comprar tinta. Sem spray não há expressão.

Meus aplausos aos artistas do Grafita Roraima, aplausos extensivos aos grafiteiros e grafiteiras independentes ou que fazem parte de outros grupos. Grafite que segue. O grafite não é só embelezamento da cidade, não é decoração da cidade, não é natureza morta. O grafite, como a arte rupestre, é uma arte viva e necessária, que revela a vida presente, que escreve a nossa história, que configura em cores o nosso modo de ser e de estar no mundo. 

Sobre o autor

Eliakin Rufino é poeta, compositor, professor e filósofo. Nasceu e reside em Boa Vista, Roraima.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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