Arte no muro

O Mural só pode ser visto durante o dia. No período da noite ele fica imerso na mais completa escuridão. Justamente na hora de maior frequência de público no Parque.

Através do Edital Público Nº 004/2020 a Prefeitura de Boa Vista selecionou e premiou 34 obras de artes plásticas criadas por 25 artistas para compor o Mural Artístico Parque do Rio Branco. Um “muro-mosaico” é o que diz o texto fixado no muro onde estão as obras. O Edital propôs um tema – ‘Nosso Rio, Nossa História, Nossas Famílias’. Ao retirar o tema livre e obrigar um tema único, o Edital da Prefeitura limitou a criatividade e resultou num mural repetitivo, no cansativo estilo ‘mais do mesmo’.

Foto: Eliakin Rufino/Acervo pessoal

Há uma grande área que não foi incorporada ao Parque Rio Branco e foi feito um muro para isolar essa área. É um terreno baldio dentro do Parque. Inexplicavelmente. Pois bem, é nesse muro, provisório, que foi construído o Mural Artístico. Ou melhor, cada um dos 25 artistas ganhou um pedaço do muro, algo em torno de seis metros quadrados, para fixar sua obra. Detalhe: o Mural só pode ser visto durante o dia. No período da noite ele fica imerso na mais completa escuridão. Justamente na hora de maior frequência de público no Parque. E como do outro lado do muro é um terreno baldio com muito lixo, quando escurece, ninguém se aproxima.

O acesso ao Mural Artístico é outra indicação de desprestígio. Não há uma calçada onde o público possa transitar durante o percurso. E o gramado, na época do inverno, é encharcado e impraticável para pedestres. Sem acesso e sem iluminação, o “muro-mosaico” é a senzala do Parque do Rio Branco. Parece que a ideia de colocar as obras dos artistas locais nesse muro foi apenas para ocultar, ou tentar ocultar o terreno baldio que permanece na área do Parque. Não foi para ninguém ver arte. As obras estão no muro, mas ninguém vê.

Para piorar as coisas, o muro passou por uma reforma e a maioria das obras dos artistas foi atingida com a tal reforma. Construíram colunas de apoio para o muro continuar de pé e essas colunas rasgaram algumas obras ao meio. A maioria das obras foi alterada, parcialmente destruída, modificada, descaracterizada, desrespeitada. Os artistas locais ficaram na fronteira do Parque com um terreno baldio. Um muro sem acesso, sem luz, sem público.

O que me chama a atenção é que nunca vi nenhum artista que faz parte do Mural reclamar de nada. O tema único do Edital amarrou a criatividade, a localização do muro é inadequada e seu futuro é duvidoso, não há acesso para o público visitar, não há iluminação, as obras foram danificadas, não houve reparos nem restaurações e ninguém disse nada. Parece que os artistas estão bem felizes e satisfeitos com o muro no escuro. Pelo visto, nem os artistas visitam suas próprias obras. 

Sobre o autor

Eliakin Rufino é poeta, compositor, professor e filósofo. Nasceu e reside em Boa Vista, Roraima.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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