Pesquisadores do Pará integram grupo nacional que estuda propagação do Covid-19 em países de terceiro mundo

O grupo está investigando a projeção da pandemia, por meio de modelos matemáticos mais adequados à realidade demográfica de tais países.

Um grupo de pesquisa composto por engenheiros e cientistas da computação da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Instituto Nacional de Pesquisa (INPE) de São José dos Campos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade de São Paulo (USP) está investigando a projeção de como a pandemia do novo coronavírus cresce em países do terceiro mundo, por meio de modelos matemáticos mais adequados à realidade demográfica de tais países.

Mapa covid-19 no mundo. (Foto:Divulgação/Microsoft Bing)

O principal estudo utilizado como referência para esse tipo de projeção no mundo todo é da Imperial College, de Londres, e inicialmente realizou projeções para o espalhamento da Covid-19 nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, baseado em um dos modelos mais adotados pela comunidade internacional para esse fim – o Susceptibility-Exposure-Infection-Removal (SEIR).

A despeito da grande aplicabilidade do SEIR, no caso do Brasil, há a necessidade premente de um modelo que reproduza de forma mais fidedigna a realidade de países subdesenvolvidos, levando em consideração as condições demográficas da população, como baixíssimos níveis de saneamento e de água potável, grande número de domicílios com poucos cômodos, grande número de pessoas por cômodo e com baixa renda média domiciliar.

Dificuldades para o isolamento social

Como ainda não há medicamento para tratar ou vacina para conter o acelerado avanço da Covid-19, a principal medida hoje no combate à doença é o isolamento social. Assim, os doentes são postos em quarentena hospitalar/domiciliar e a população como um todo é orientada a realizar quarentena domiciliar, quando possível, a fim de diminuir a escalada da propagação da doença, amenizando o impacto da pandemia no sistema de saúde. Portanto, atualmente, o isolamento social é a principal ação recomendada no mundo pelas autoridades de Saúde nacionais e internacionais.

“Os modelos de projeção que consideram apenas uma perspectiva homogênea da população e de sua demografia, nos cálculos para chegar aos gráficos de alcance da Covid-19, estão fortemente baseados nos moldes de vida de cidades típicas da União Europeia, onde, de fato, existe a possibilidade de colocar-se grande parte da população em confinamento, uma vez que lá os domicílios, em regra, possuem estrutura para tanto. Todavia tal realidade está longe de ser o padrão brasileiro, principalmente nas grande metrópoles do país”, explica o professor da UFPA Renato Francês, que coordena as pesquisas em andamento.

Ainda segundo ele, em nossa realidade, temos parcela significativa da população dividindo domicílio com muita gente e poucos cômodos, o que, em muitos casos, inviabiliza um isolamento total de uma pessoa contaminada.

“Em certas situações, inclusive, não existe nenhuma possibilidade de confinamento, quando seis ou sete pessoas dividem um único cômodo, por exemplo. Então, diante das características demográficas do Brasil, que são muito peculiares e similares às de países como a Índia, China e do continente africano, nosso grupo concebeu e implentou esse modelo matemático diferenciado, muito mais adequado à realidade brasileira”, explica o professor.

Assim, o modelo que está sendo desenvolvido considera as desigualdades sociais existentes no Brasil e projeta o alcance do novo coronavírus de modo mais aproximado à realidade brasileira, tomando como modelo inicial a cidade de São Paulo, que é o epicentro da crise, podendo, entretanto, estendê-lo a todos os 5.570 municípios do país.

“Trata-se de um modelo generalizável, criado matematicamente e implementado computacionalmente, que começa a apresentar curvas mais reais de como o vírus se comporta nessas situações específicas”, continua Francês.

Novo coronavírus. (Foto: Wikimedia/ Commons)

Para dar um exemplo, na Região Metropolitana de São Paulo, há cerca de 19 milhões de habitantes, sendo que, desses, quase 2 milhões moram em domicílios com um único cômodo, dividido com três ou mais pessoas, o que impede o confinamento de cerca de 10% da população. Esse tipo de especificidade não está representada nos modelos de referência internacionais.

Modelo adaptado

Para tal situação, deve-se ter alguma alternativa que funcione em paralelo ao modelo de confinamento recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Então, o modelo matemático de projeção da Covid-19 elaborado pelo grupo considera a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), dados de 2018, para garantir que os cálculos sejam feitos de modo a levar em conta as restrições que existem em função da demografia nacional, consistindo, por exemplo, na impossibilidade de confinamento geral dessa parcela de habitações com alta densidade de pessoas por cômodo.

No segundo passo dessa modelagem, serão consideradas outras bases de dados oficiais, por exemplo, o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de modo a levantar o número de escolas por bairros que possam servir como base alternativa para um isolamento social real em circunvizinhanças superpopulosas, já que nem as condições demográficas nem o sistema único de saúde daria conta de garantir o confinamento domiciliar e hospitalar, respectivamente, necessário para, de fato, desacelerar o novo coronavírus no Brasil.

“As escolas potencialmente são ótimas alternativas à estrutura tradicional de saúde, porque são estruturas que têm salas, banheiros e cozinhas e, por isso, podem reproduzir um ambiente domiciliar em uma escala maior, além de possuírem uma grande capilaridade e alcance nas cidades brasileiras”, sintetiza o professor.

De acordo com o pesquisador, o modelo inglês é importante, mas não deve ser utilizado em uma realidade em que, de um lado, há um condomínio de luxo e, de outro, uma invasão que não possui sequer água encanada e a população vive abaixo da linha de pobreza, sem qualquer poder aquisitivo para adquirir álcool gel.

“Desse modo, não é possível, no Brasil, o confinamento em larga escala da população e, com base nessa nova modelagem, estamos colocando em percentual quantos domicílios não permitem isso por cidade do território nacional. Aí teremos uma medida mais realista de como a pandemia pode se propagar no país se o Estado brasileiro não criar alternativas para o confinamento populacional”, conclui Renato Francês.

Resultados do estudo

As alternativas propostas pelo estudo para o confinamento real e em escala da população brasileira devem ser consideradas de imediato, já que na realidade de ações como a construção de um hospital emergencial em seis dias, por exemplo, como ocorreu na China, são muito pouco prováveis, e as curvas que demonstram o alcance da Covid-19 no Brasil, por meio do modelo matemático desenvolvido pelos pesquisadores, apontam que as condições demográficas do país agravam a aceleração da pandemia.

Por este motivo, o objetivo da pesquisa é chamar atenção dos governantes para que tomem medidas mais efetivas e urgentes, baseadas em evidências científicas. Os primeiros resultados já estão sendo gerados e serão divulgados em breve. A ideia é também disponibilizar os algoritmos e toda a parametrização utilizada para que outros pesquisadores, do Brasil e do exterior, possam se beneficiar com medidas que antecipem as projeções do vírus.

O estudo está sendo realizado por Renato Francês, Marcelino Silva, Evelin Cardoso e Frederico Santana, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE) da UFPA; Solon Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada do INPE; Nandamudi Lankalapalli Vijaykumar, da Unifesp; e André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, da USP.

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