Cacimbas resistem ao tempo no bairro Praça 14 em Manaus
MANAUS - As cacimbas foram bastante utilizadas em Manaus principalmente nas décadas entre as décadas de 1950 e 1970, quando a cidade sofreu grandes invasões de populações do interior e de outras cidades, que acabaram originando vários bairros. Realizadas as invasões, as pessoas precisavam de água que surgia junto às margens dos igarapés (geralmente as áreas invadidas) e passavam a servir para toda sorte de necessidade, do banho à lavagem de roupas e até matar a sede. Mas as invasões se tornaram cada vez mais populosas e as cacimbas foram sendo aterradas, sucumbindo às construções das habitações. Algumas resistiram por décadas e chegam até os dias atuais como prova de que a natureza é benéfica com o homem que, em troca, a destrói.
Cacimbas são buracos na terra de onde saem olhos d’água vinda do subsolo, e essa água nunca para de brotar. No bairro da Praça 14 de janeiro, Creuza Braga Farias, 82, mantém no quintal da sua casa duas cacimbas há 56 anos. “Quando vim pra cá, em 1959, tudo aqui em volta era mata. Poucas pessoas tinham casa nessa área. A casa, que ficava mais ali adiante, era da minha sogra e ela me deu pra morar. Onde hoje está essa casa ficava um pequeno igarapé, que sumiu, e a cacimba, já estava aí mesmo. Era tudo cercado de madeira e de lá minha sogra, depois eu e minha família, nos abastecíamos de água”, recordou.Eliel faz questão de manter até os dias de hoje a prática de banhos públicos. Foto: Walter Mendes/JC
Enquanto o marido de Creuza trabalhava como entregador de botijão de gás, ela ganhava algum dinheiro como lavadeira.“Desde que chegamos aqui, e por mais de 40 anos, fui lavadeira. Passava o dia lavando roupas, com a água da cacimba. De uma delas até bebíamos a água, de tão limpa que era, mas era mais usada pra lavar roupas e tomar banho”, falou.
Creuza também recorda que vários outros terrenos possuíam cacimbas mas, à medida que foram sendo invadidos, estas acabavam sendo destruídas. “As pessoas aterravam e construíam em cima delas. Nós, aqui, nunca ficamos sem água. Quando falta água no bairro, os vizinhos fazem fila pra pegar aqui conosco”, disse.
Há cerca de 15 anos os filhos e Creuza montaram uma estrutura com tijolos e cerâmica para preservar as duas cacimbas, distantes uns três metros uma da outra, com cerca de um metro de profundidade. “Interessante. Quando elas ficam sujas, retiramos toda a água, rapidamente, mas a água não para de brotar e logo ela está cheia novamente”, explicou.
Eliel Torres Borges, 48, mora há 23 anos na Praça 14 e é um apaixonado por banhos de cuia com água retirada de cacimbas. “Desde que me mudei pra cá e conheci dona Creuza, pedi autorização para tomar banho aqui e não mais parei”, falou.
Eliel diz que gosta de tomar banhos em cacimba porque "a água é pura, limpa, natural, sem nada químico adicionado a ela". "Lembro que comecei a tomar esses banhos quando contava uns oito anos e tinha uns lugares que eram bem conhecidos da molecada aqui da Praça 14, da Visconde, dessa área aqui por perto. Ali na Sete de Setembro, na primeira ponte romana de quem vai da Cachoeirinha pro centro, tinha uma. Outra famosa era no Buraco da Marreca, entre a Visconde e a Emílio Moreira. Havia outra na Duque de Caxias com a Japurá. Reunia com os colegas e era a maior diversão o banho nesses lugares", recordou.“Todas essas cacimbas não existem mais. A cidade cresceu e elas foram sendo ‘engolidas’ pelas construções. Aqui na Praça 14 ainda existem umas duas ou três, mas a da dada e que, se depender dela e dos filhos, ainda vai durar por um bom tempo”, assegurou.
A diversão dos tempos de criança, Eliel faz questão de manter até os dias de hoje. “Gosto de tomar minha cerveja aqui (fala, sentado numa das cacimbas de dona Creuza), principalmente quando está calor. É como se eu voltasse no tempo”, concluiu.
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