Um dia depois de uma comissão mista do Congresso Nacional reduzir cerca de 660 mil hectares de florestas no oeste do Pará, outro colegiado, também formado por deputados e senadores aprovou, em menos de dez minutos, nesta quarta-feira, mudanças nos limites do Parque Nacional do Jamanxim e da Floresta Nacional de Itaituba II – na mesma região.Pela medida aprovada, 273 mil hectares do parque foram transformados em Áreas de Proteção Ambiental (APAs): Carapuça e Rio Branco. APA é uma modalidade de unidade de conservação que permite diversos tipos de uso do solo, como atividades agropecuárias e garimpo, abrindo brecha para mais desmatamento e ocupações irregulares.
Outros 70 mil hectares do parque passam para a Floresta Nacional do Trairão.
Também foi aprovada a emenda que transforma em APA mais de 169 mil hectares da Flona de Itaituba II.
O texto da Comissão segue agora para o plenário da Câmara, depois ao Senado. A MP tem de ser votada até dia 29 de maio. Em seguida, vai a sanção do presidente da República.
Um milhão a menos
Juntando tudo, em duas tacadas, os parlamentares que alteraram as MPs 756 e 758 deixam desprotegidos mais de um milhão de hectares Amazônia, em uma área já marcada por conflitos fundiários, avanço do desmatamento e crimes como corte ilegal de madeira, garimpos clandestinos e grilagem de terras públicas.
A decisão tomada consta do relatório do deputado José Reinaldo (PSB/MA), no âmbito da Comissão Mista da Medida Provisória (MP) 758, proposta pelo presidente Temer no final do ano passado.
O plano do Executivo era desafetar aproximadamente 862 hectares do parque para abarcar as curvas da futura ferrovia EF-170, a Ferrogrão, que deve ligar o município de Sinop (MT) ao distrito de Miritituba, em Itaituba (PA).
O traçado da ferrovia passa no meio do parque, mais ou menos em paralelo à BR-163, e por isso seria necessário mudar parcialmente o status de alguns trechos da unidade de conservação, conforme desenho proposto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A ferrovia é considerada estratégica pelo agronegócio, que quer usar a via para facilitar as exportações. A expectativa é que passem por ali até cinco milhões de toneladas de grãos por ano.
Mas aproveitando-se da prerrogativa de alterar a MP, os parlamentares ligados ao setor ruralista decidiram desfalcar ainda mais as áreas protegidas no Pará.
Minérios
No arranjo do relator, aquilo que foi retirado da Flona de Itaituba foi com o intuito de atender aos interesses do setor minerário.
Ao longo da discussão da MP 758, o Ministério de Minas e Energia apresentou uma série de sugestões ao relator, defendendo que o novo desenho deixasse de fora do parque áreas com potencial para mineração.
Ganhou também o lobby dos ruralistas e de oportunistas que viram na brecha aberta pela Comissão uma chance de abocanhar um bom pedaço de floresta e especular a partir daí.
A prática na região tem sido a de cortar a floresta, colocar em cima algumas cabeças de gado e se apropriar a terra pública.
Os que já se adiantaram e invadiram áreas às margens da BR-163, no trecho que corta o parque, também foram a Brasília pressionar, esperando anistia e vantagens com as alterações.
Ao final, o relatório ateve-se apenas aos interesses econômicos, sem considerar a importância ambiental das áreas, que apresentam cobertura florestal contínua e íntegra.
“Alterar a categoria de proteção dessas áreas para aproveitamento agrícola, como justifica a emenda feita à MP original, é efetivamente apostar no avanço do desmatamento na Amazônia”, diz a Nota Técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Segundo o documento, o parque quando foi criado, em 2006, serviu como barreira ao desmatamento que avançava de modo veloz na região. Essa barreira agora está fragilizada.