O movimento #FreeBritney: e se fosse no Brasil?

Como a situação da cantora Britney Spears seria tratada de acordo com as leis brasileiras 

Nessa semana, a cantora Britney Spears quebrou o silêncio em uma audiência judicial. Na quarta-feira, Britney foi ouvida no seu processo de curatela que existe há quase 13 anos. Segundo ela, “não volto à justiça há muito tempo, porque acho que não fui ouvida na última vez”.

Britney está hoje sujeita a uma curatela, chamada nos Estados Unidos de conservatoship  e em alguns estados americanos de guardianship, e determinada pela justiça americana desde 2008. O estado mental de Britney durante os episódios de 2007 motivaram essa curatela. O pai da cantora, Jamie Spears, e o advogado Andrew Wallet, são os curadores da pessoa e dos bens de Britney, estimados hoje em sessenta milhões de dólares.

O controle de seus curadores é total. Britney alega que não tem controle de sua agenda e de sua carreira, está impedida de ter mais filhos, é obrigada a tomar lítio (um estabilizador de humor) e a fazer sessões de terapia contra sua vontade.

Foto: Pixabay

 A curatela é uma relação entre um curador e um protegido (chamado no Brasil de interdito), pelo qual o curador assume o poder de tomar decisões sobre os negócios da pessoa. O curador é geralmente alguém da família (cônjuge, pais, filhos) e, nos Estados Unidos, é comum que seja também um advogado.

É um procedimento involuntário imposto pela Justiça mediante certas condições. No Brasil, em regra, a curatela é indicada para: a) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; b) os ébrios habituais e os viciados em drogas; e c) os pródigos (art. 1.767, Código Civil).

O movimento #FreeBritney alega que a cantora estaria “presa” na curatela e que seu pai, como curador, estaria explorando sua filha. O movimento foi criado por fãs e surgiu em 2019 nas redes sociais com a preocupação de que a autonomia de Britney estaria comprometida com o exercício da curatela pelo pai da cantora.

A menção à #FreeBritney aumentou esse ano após o lançamento do documentário “Framing Britney Spears: a vida de uma estrela” (2021), em que é apresentada a carreira da cantora, mas também a dura batalha judicial contra o seu pai como curador e controlador de sua vida.

Britney teria chance de se “livrar” da curatela de seu pai no Brasil?

Após a Lei Brasileira de Inclusão (Lei n. 13.146/2015), ficou claro no nosso país que a curatela é uma medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível (art. 84).

Mais importante: a lei diz que a curatela afetará tão somente os atos relacionados ao patrimônio e aos negócios da pessoa afetada. Ou seja: a curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. 85). Em resumo: o curador não é dono da vida do interdito.

O movimento #FreeBritney teria no Brasil, então, amparo legal suficiente para que a própria Britney Spears pedisse em juízo a limitação de sua curatela aos atos relativos aos seus negócios, a remoção da própria curatela ou, se for o caso, a troca de seu curador (art. 1.764, do Código Civil e art. 756 do Código de Processo Civil).

Esse pedido de remoção de curatela ou de curador, porém, deve sempre levar em consideração o que o “interdito” tem a dizer. De nada adianta, portanto, dar a chance ao interdito de levar sua versão dos fatos à justiça se ele não for efetivamente ouvido pelo juiz.

Em sua audiência nessa semana, Britney declarou ao juiz que: “A última vez que falei com você… você me fez sentir como se eu estivesse morta, como se eu não importasse, como se nada tivesse acontecido comigo, como se você achasse que eu estava mentindo”.

As palavras de Britney são um alerta para quem lida com curatela. O risco de abuso é inerente ao instituto. Afinal, o curador tem, sim, certo controle sobre o interdito. Não é preciso levantar uma hashtag para lembrar que pessoas sujeitas à curatela, como Britney Spears, também merecem justiça.

Vitor Fonsêca é Doutor (PUC/SP), Professor Universitário e Promotor de Justiça (AM) – diarioprocessual.com

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