Os 60 anos do Massacre do Paralelo 11

Estima-se que 3,5 mil indígena teriam sido dizimados na divisa de Rondônia com o Mato Grosso.

Foi a mando dos seringalistas Antônio Mascarenhas Junqueira, 50 anos, e Hélio Palma de Arruda, 48, donos da empresa Arruda e Junqueira & Cia. Ltda que indígenas cintas-largas foram exterminados entre outubro e novembro de 1963, no caso que ficou conhecido internacionalmente como “Massacre do Paralelo 11”. Na época, era dito pela imprensa que 3.500 pessoas indígenas teriam sido assassinadas, embora os números sejam imprecisos.

Conta-me um contemporâneo da história, lavrador que ainda vive na região e que prefere não ser identificado: “Antônio Junqueira é que era terrível, era um paulista típico, daquele vermelhão, e truculento. Tinha vários seringais, e o seu gerente-geral era o Salomão Pacheco. E cada seringal tinha um encarregado. Mandava bater nos camaradas. E não satisfeito, Junqueira foi ao Mato Grosso do Sul e, lá nas beiras do Paraguai, conseguiu umas “lurdinhas” [metralhadoras usadas por nazifascistas] para eliminar índios no Paralelo 11. Isso depois que houve alguns ataques [de indígenas] a seus homens. Ele se vingou, mandou eliminar muita gente”, garante o depoente que chegou a trabalhar com um certo Cláudio, que veio para Vilhena após o caso do qual participou diretamente.

O genocídio foi causado por açúcar envenenado com arsênico, dinamites jogadas de avião e ataques com metralhadoras e facões, com a finalidade de explorarem a extração do látex e ratificarem um negócio ilegal de terras entre a prefeitura de Aripuanã (MT) e uma empresa norte-americana interessada em minerar cassiterita no espaço indígena.

A carnificina aconteceu nas cabeceiras do Rio Aripuanã, hoje sob a jurisdição de Vilhena (que só passou a ser município em 1977), ao sul de Rondônia, onde fica a nascente e parte do Parque Indígena Aripuanã, criado em 1969 pelo Governo Federal. Mas o caso do massacre de 1963 ocorreu em território mato-grossense, no paralelo 11° grau a sul do plano equatorial terrestre, que corta Rondônia de leste a oeste; não passa por Vilhena.

O seringalista Junqueira foi o suspeito de planejar o genocídio, com anuência de seu sócio, julgando que os cintas-largas atrapalhavam suas atividades comerciais, além oferecerem ameaças e agressões aos seus camaradas. “Esses índios são parasitas, são vergonhosos”, teria dito o mandante, em juízo, segundo o que foi reportado pelo Relatório Figueiredo. O documento não foi específico sobre o Paralelo 11; culminou da visita de 130 postos indígenas em 18 estados e territórios federais, levantando provas testemunhais e documentais da realidade dos indígenas no país todo, totalizando 20 volumes com 4.942 folhas. Portanto, o Massacre do Paralelo 11, embora notável, não foi um caso isolado na história recente do país.

O nome do Relatório Figueiredo encomendado pelo Governo Federal refere-se ao procurador Jáder de Figueiredo Correia, constando crimes contra os indígenas brasileiros entre o final da década de 1950 até 1968. O conteúdo implica o próprio SPI (Serviço de Proteção Indígena), ou seja, o Estado Brasileiro, com vários funcionários desonestos, que obtinham uma série de vantagens, como a locação informal de terras de indígenas a pecuaristas e madeireiros, e até a venda de crianças das comunidades originárias, além da utilização da mão de obra dos nativos mediante coação.

O episódio do Paralelo 11 ganhou notabilidade internacional. Porém, não foi nada diferente do que implicou outros aldeamentos, e não apenas na Amazônia. Bahia, Minas, Paraná, todos estes estados cometeram afrontas aos direitos humanos, conforme atesta o Relatório Figueiredo.

Indígena é rachado ao meio conforme o Relatório Figueiredo. Foto: Reprodução/Internet

O que aconteceu com os envolvidos 

O caso foi mais comentado no Sudeste e no exterior do que na Amazônia e na capital do país. O SPI não se pronunciou oficialmente sobre o Paralelo 11. Falava-se em milhares de indígenas assassinados naquele final de 1963. Mas ninguém contabilizou nada; ninguém sabe ao certo. Na realidade, o número de massacrados no Paralelo 11 parece exagerado, porque nenhuma comunidade indígena – mesmo com vários aldeamentos – teria, naquele ano, essa quantidade de indígenas, segundo vários autores e pesquisadores independentes.

Os supostos mandantes dos assassinatos, ante o silêncio do SPI, do governo e da justiça, morreram livres e condecorados. Não houve provas contra eles, e apenas no dia do seu julgamento foi que Ramiro Costa, o único condenado, os citou, formalmente. Mas nada aconteceu além de alguma dor de cabeça e a exposição pública.

Em 1987, Antônio Junqueira teve tempo até para ser acusado de encomendar outro assassinato, o do padre espanhol Vicente Cañas, ocorrido em Juína (MT). Contudo, em 2006, livrou-se do julgamento por conta da idade avançada: tinha 93 anos.

BOI DE PIRANHA? – Ramiro Costa: pobre, velho, lavrador e analfabeto, nascido em 1911 na Bahia, empregado de Antônio Junqueira, mateiro que participou da chacina, preso em 1971, levado a júri popular em 1975. Pegou dez anos de condenação. Ele ficou louco na cadeia em Cuiabá (MT) e morreu em 1980, aos 69 anos. Sustentou que nunca matou ninguém, e que só atirou para o alto, sob coação, pressionado pelos jagunços de Antônio Junqueira que o haviam levado à área para ser o cozinheiro do bando de expedicionários assassinos, e não para matar alguém; estariam pesquisando sobre minério. “Paguei por um crime que não cometi depois da vida miserável que levei”, disse, segundo o jornalista gaúcho Marcos Faerman, que cobriu o júri e entrevistou Ramiro. O velho olhou para o chão ao ouvir do juiz Amilcar Silva a sentença.

Mesmo com o aviltamento sistêmico da cultura, da memória, dos bens materiais e imateriais dos indígenas, os culpados pelo Paralelo 11 continuaram impunes. Ou morreram ou não foram comprometidos com provas cabais e conclusivas que pudessem levá-los à cadeia. “Nós, eu e o meu sócio, não acreditamos que este massacre tenha existido. Se existisse, a gente tinha conhecimento”, afirmou Antônio Junqueira nos autos do processo.

Apenas Ramiro Costa – desqualificado no texto do inquérito e no processo como “bêbado”, “velho”, citou o patrão Junqueira [“a metralhadora e as munições eram de quem?“, questionou o réu], mas não foi tomado a sério; foi, isso sim, “exemplarmente punido para lavar a honra da nação” – como disse o depoente Eurico Resende, senador pelo estado do Espírito Santo que acompanhou o julgamento, representando o Congresso Nacional.

O réu ficou preso em Cuiabá, mediante a denúncia feita pelo pistoleiro Atayde Pereira dos Santos por não ter recebido os 15 dólares pelos “serviços prestados”. Atayde morreu três anos depois do Massacre do Paralelo 11, de câncer na garganta, chorando e dizendo que os fantasmas dos indígenas que ele matou lhe apareciam o tempo todo. Ele era vendedor de picolés na porta de uma escola.

Outros cinco suspeitos estiveram implicados como executores da trama. O bando era liderado por Chico Luís, chefe-geral do seringal de Junqueira, morreu afogado logo depois das matanças. Francisco Amorim de Brito também morreu, assassinado, no seringal de Junqueira, por conta de uma briga entre peões, coisa comum naquele ambiente. Já Rodrigues foi assassinado por Chico Luís “por falar demais”, logo após as atrocidades na aldeia. Manuel Virgílio de Almeida e Jocelino (sobrenome não identificado) sumiram na mata. Um certo Cláudio veio morar em Vilhena, e continuou trabalhando como seringueiro, pois não foi sequer citado nas investigações.

Ramiro Costa teria sido “boi-de-piranha”. Foto: Reprodução/O Estado de São Paulo

O piloto Toschio Katô teria jogado do avião as dinamites na aldeia; ele negou tudo e disse que lançou apenas sacos de feijão e de arroz, uma benevolência do dono do seringal para os indígenas. O japonês não foi preso, terminou os dias tranquilamente, em 2015, com direito a todas as honras e homenagens póstumas, sem nada que o desabonasse formalmente.

O processo se arrastou pelas mãos de três juízes [questões burocráticas, que não merecem ser citadas], sem solução, segundo relatou, em 1973, o padre gaúcho Egydio Schwade, missionário então com 38 anos, em entrevista ao jornal “O Estado do Mato Grosso” (1º/4/73); ele deixou o sacerdócio na Igreja Católica; tornou-se ativista da causa indígena, no estado do Amazonas, mas não se distanciou o caso do Paralelo 11.

O promotor Zélio Guimarães não denunciou Antônio Mascarenhas Junqueira e Palma Arruda, “por não ter ficado concretizada a anuência de matança aos índios. Já que o objetivo da expedição era a exploração de minérios e expansão do seringal”.

Na década de 1970, Junqueira era o maior latifundiário do vale do rio Aripuanã e obteve do governo o aval para abrir uma estrada na terra indígena. Em 1975 ele desativou o último seringal, em Juína (MT), e focou na pecuária. Seguiu feliz o quanto pôde, rezador e devoto de Santa Marta, a irmã de Lázaro, como mostra a Bíblia Sagrada, e grande amiga de Jesus Cristo.

Em 11 de novembro de 1990, um filho de Antônio, Fernando Augusto, foi assassinado aos 33 anos, dentro de uma camionete, à porta de um hotel em Juína. Ele estava armado com revólver e foi fuzilado por três pistoleiros de aluguel, que, segundo a polícia, teriam sido contratados por outro latifundiário. A fazenda de sua família, às margens do rio Aripuanã, no vale em que passa o Paralelo 11, foi invadida diversas vezes por sem-terra e sempre desocupada pela polícia por determinação judicial.

A imprensa menciona, ainda hoje, 3.500 mortos no ataque ocorrido em 1963 no Paralelo 11, número que ficou como verdadeiro ao longo da história, citado na maioria das fontes. Porém, nos autos da 3ª Vara de Justiça de Cuiabá constam nove vítimas identificadas. Quem mora na região há quase 80 anos e sabe do caso, tendo conhecido Junqueira e convivido com pistoleiros por ele contratados, diz categoricamente que os mortos chegaram a 30, pelo menos, nesse caso específico do Paralelo 11, em outubro e novembro de 1963. Mas, consta que foram várias as expedições, havidas em 1958, 59, 60, 62, com a finalidade de dizimar aquele povo. Eram 30 aldeias na área Aripuanã, na década de 1960, reduzidas a 16 em 1976, conforme um mapa elaborado pelo fotógrafo-documentarista Jesco Von Puttkamer; e a oito, em 1984, restando apenas 90 pessoas quando o garimpo de cassiterita foi desativado e o posto da Funai estabelecido na região.

Não foram apenas os cintas-largas

Em 1942, o mundo estava em guerra e os japoneses ocuparam a Malásia Ocidental, que era a principal fornecedora de borracha para os Estados Unidos. Com isso, foi firmado convênio chamado Tratado de Washington, a 3 de maio de 1942, entre o Governo de Getúlio Vargas e a Rubber Development Corporation, órgão do Governo dos EUA, prevendo a cotação ao preço básico de US$0,45 (quarenta e cinco “cents” – moeda americana), a partir de 1 de julho de 1943 até 31 de dezembro de 1946. O convênio foi legitimado pelo Decreto-lei nº 5.881, de 5 de outubro de 1943, assinado por Vargas.

Quando terminou o convênio e a guerra também cessou, em 1945, a extração continuou por conta dos postos do SPI, a tais alturas adaptados àquele serviço e ao emprego dos indígenas para executá-lo. Foi assim que ocorreu também em Vilhena e no Posto “Pyrineus de Souza” (Reserva Aroeira), às margens do Córrego Espirro, a 13 km de Vilhena, mas já em território mato-grossense. Os indígenas da Aroeira lidavam com látex e com gado, sob o mando de Afonso Mansur, coordenador local do SPI.

Foi decorrente dessa ação do Governo Federal – a de ocupar mão de obra indígena nas reservas em todo o Brasil – a abertura para toda a sorte de corrupção, escravidão e violência contra os indígenas. O fato é que, além dos açoitamentos dos nativos, alguns seringueiros tinham os indígenas liberados das reservas para trabalharem em suas áreas particulares. Os patrões foram denunciados por assassinatos a tiros na região e por buscarem à força de pauladas os indígenas em fuga, como nos tempos dos capitães-do-mato, obrigando-os a permanecerem na aldeia, apesar dos maus-tratos. Os muitos Sabanês que conseguiram fugir da aldeia se mudaram para as imediações do Posto Telegráfico “Vilhena” e comunidades de Marco Rondon e Abunã. Para substituí-los, o SPI usou a tática de presentear novos contingentes, atraindo elementos do grupo Nambiquara Mamaindê, que veio do Vale do Guaporé.

É o que está nos arquivos do SPI, órgão criado por Rondon em 1910 para proteger os indígenas, mas que acabou se convertendo em antro de aéticos e corruptos que fizeram dos postos verdadeiras prisões de guerra.

Desde 1956, a Portaria 450, do Ministério da Agricultura, impedia a exploração em áreas indígenas por terceiros. Se houvesse algum tipo de comércio, como ocorria nos seringais, era preciso escrituração, sob controle do SPI, e o benefício revertido inteiramente à comunidade. Mas os indígenas viviam na mais absoluta miséria, mesmo em meio à abastança de terras boas, rios, minério, que serviam aos colonizadores e aos funcionários públicos.

Criança cinta-larga em 1981 (Foto: Kim-Ir-Sem). Foto: Kim-Ir-Sem

Sem intercâmbio real com seus tutelados, os postos indígenas eram meros cabides-de-emprego e norteados pela corrupção, silenciados ante os interesses financeiros de grileiros e de 134 servidores públicos citados [do total de 700 que o SPI tinha], que responderam a processos administrativos; 29 foram indiciados pela polícia e 200 exonerados, além de muitas nomeações canceladas pelo Governo Federal.

Entre os corruptos do SPI nacional, existiam generais, a exemplo de Moacir Coelho, acusado de 41 crimes, e outros oficiais de altas patentes que dirigiram o órgão, como o major-aviador Luiz Vinhas Neves, ex-diretor do SPI que teria se apropriado de 300 mil dólares advindos da produção nas reservas e assassinado indígenas.

Afora os casos de corrupção, não havia fiscalização em relação às presenças de missionários estrangeiros nas faixas de fronteiras de Rondônia, com mais frequência a partir da década de 1950. A Igreja Católica comandava extensas áreas de fronteira no Vale do Guaporé, entre Brasil e Bolívia, com a presença estranha de médicos e padres alemães que chegaram à região no pós-guerra, sem se reportarem ao SPI e desobedecendo o próprio decreto da Presidência da República de 1930 que disciplina a atuação de estrangeiros nessas áreas.

Diante de tantas questões desabonadoras, a instituição acabou extinta e substituída pela Funai (Fundação Nacional do Índio), em 1967. Ninguém foi devidamente punido pelos erros do passado, havendo, decerto, prevaricações e conivências políticas, mesmo com 23 comissões de sindicância e inquérito abertas para apurar irregularidades.

Relatório Figueiredo comprometia esquerda e direita

Contundente quanto aos nomes dos mandantes e executores das atrocidades contra os cinta-larga, no Paralelo 11, e de outros crimes envolvendo servidores do SPI em vários pontos do Brasil, o Relatório Figueiredo teve pouca importância à época dos fatos, simplesmente porque foi extraviado.

O documento só foi reencontrado em 2013 por Marcelo Zelic [falecido em 8/5/2023, aos 59 anos], membro da Comissão Nacional da Verdade; ou seja, ficou 45 anos escondido, a contar de sua conclusão. Estava em caixas de arquivos no Museu Nacional do Índio quanfo foi achado; até ali se dizia que o material havia sido destruído em um incêndio, no prédio de concreto e vidro, do Ministério da Agricultura, ocorrido um dia antes do programado para que o relatório fosse entregue à CPI instuarada na Câmara dos Deputados.

A voz de Figueiredo foi calada porque o relatório, muito bem feito e repleto de provas documentais e depoimentos cotegóricos, incluía gente importante e protegida, de todos os matizes ideológicos. O procurador não interessava ao AI-5 (Ato Institucional número 5) que defendia os militares aderentes ao sistema, censurava a imprensa e não queria saber de escândalos.

Mas o tal relatório e a presença firme e segura do procurador não desagradaram apenas a direita estabelecida no poder. Figueiredo era indicado por general linha-dura, seu conterrâneo cearense Afonso de Albuquerque Lima [signatário do AI-5], para presidir a comissão que elaborou o documento que afrontava até ativistas de esquerda simpáticos ao governo de João Goulart, os mesmos que viam Figueiredo muito próximo dos “milicos” – como diziam os esquerdistas, acusando-o de adesista ao sistema.

Os militares, por outro lado, o defenestraram porque seu relatório “repercutiu mal” o nome do Brasil no exterior, em jornais de conotação mundial, como o “The New York Times”. O governo federal ficou em situação delicada, não esperava que o servidor fosse tão a fundo nas questões, tampouco sabia que o quadro era tão alarmante como foi pintado. “Os métodos de tortura empregados contra os indígenas são de dar inveja aos mais perversos nazistas”, resumiu o procurador, que disse ainda, estarrecido: “os mateiros [no caso específico do Paralelo 11] caçam os indígenas a tiros de metralhadora e os racham vivos, a facão, do púbis para a cabeça o sobrevivente”.

O Relatório Figueiredo foi reencontrado em 2013. Foto: Fac-símile/Acervo/UFMG

Quem foi Figueiredo?

O procurador Jader Figueiredo Correia, um pacato cearense que foi secretário de Estado da Educação antes de ser procurador a serviço da União, viu que os indígenas estavam sendo explorados, torturados, escravizados e roubados por próprios servidores do SPI, em todo o país.

Por conta das suas denúncias, amplamente divulgadas na imprensa, ele foi perseguido por pistoleiros, recebeu 32 ameaças de morte e seis propostas de suborno, e vivia escoltado pela PF. Era atacado pela esquerda e pela direita, porque a corrupção era comum aos dois espectros ideológicos.

Acabou se retirando de Brasília. Ele morreu às 5h de 27 de novembro de 1976, aos 53 anos. Próximo a João Pessoa, na BR-101, o ônibus da Expresso de Luxa Fortaleza capotou três vezes e partiu-se ao meio. O acidente foi um mistério. Dos 19 passageiros, onze morreram – entre eles estava o homem do “Relatório Figueiredo”.

MPF exige reparação histórica

Quando houve o Massacre do Paralelo 11, alguns sobreviventes migraram para Vilhena, onde se iniciara uma vila desde 1960 e para os seringais que ainda existiam na região.

Era 1978. Depois de tanto tempo, às margens da Rodovia BR-364, Laura Irantxe reencontrou o antigo cacique Vimam acompanhado de outros 15 indígenas cintas-largas. Eram sobreviventes do Massacre do Paralelo 11, e estavam perdidos. Laura ficou desconectada do grupo, pois havia sido capturada, aos dez anos, por seringueiros que a abandonaram em Vilhena.

Na vila, os sobreviventes ‘desaldeados’ viviam como podiam. Frequentavam o bar do aeroporto na fiúza de que lhes dessem um pedaço de bolo de fubá, de que gostavam muito. Também vendiam saguis, papagaios e artesanatos no posto de gasolina que acabou recebendo o nome de Posto Cinta-Larga, assim como o hotel, os mais antigos estabelecimentos comerciais de Vilhena.

Este encontro fatídico foi registrado pela imprensa nacional. Todos os indígenas estavam acometidos de gripe. Não se sabe o desfecho da história. Como estariam? Vivem? Nem a Funai sabe.

MPF de Rondônia quer rever o caso. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Tantas outras histórias depois, iguais e piores do que a de Laura, eis que 40 anos depois do Massacre do Paralelo 11 reaparece o Relatório Figueiredo. E mais uma vez Vilhena está inserida nos episódios sujos de sangue e de dor. O Ministério Público Federal (MPF) instaurou, em junho de 2022, o Inquérito Civil nº 1.31.000.001656/2015-11, no 1º Ofício da Procuradoria da República no Município de Vilhena, com a finalidade de apurar os fatos conhecidos como Massacre do Paralelo 11.

A instauração do procedimento considera o fato de o povo cinta-larga habitar, em grande número, as terras indígenas Roosevelt e Parque do Aripuanã, situadas no território jurisdicional da Subseção Judiciária de Vilhena.

O MPF quer a reparação histórica ao povo indígena cinta-larga, em razão das graves violações aos direitos humanos sofridas pela etnia durante a chacina. Corre a ação civil pública contra a União, a Funai e a empresa Arruda Junqueira e Companhia Ltda, requerendo à Justiça Federal que determine medidas de reparação histórica consistentes no pagamento de indenização de, no mínimo, R$ 1 milhão, pelos danos causados e a publicação de matérias e de acervo que contem a história do que esse povo sofreu nos anos 1960, principalmente em razão do Massacre do Paralelo 11.

Para o MPF, o Massacre do Paralelo 11 “gravita em torno da dignidade da pessoa humana, amparada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas”. O MPF defende na ação que, “embora os fatos tenham ocorrido há bastante tempo”, é necessária a prestação de contas pelos responsáveis pelos danos causados, como forma de justiça à história e à memória do povo cinta-larga.

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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