Até na lápide do túmulo de Rondon, no Rio de Janeiro, consta o pensamento positivista de Augusto Comte, que inspirou os principais articuladores da proclamação da República e também o lema presente na nossa bandeira nacional: Ordem e progresso.
Em 15 de novembro de 1889 o mato-grossense Cândido Mariano da Silva Rondon era um alferes-aluno da Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro (RJ). Tinha 24 anos. Designado pelo ministro da Guerra, coronel Benjamin Constant, o jovem Rondon foi o portador do comunicado ao Corpo de Fuzileiros Navais [força integrante da Marinha] informando a rebelião do Exército na madrugada que antecedeu a Proclamação.
Na missiva constava, principalmente, o ato oficial dirigido à Marinha dando conta de que, a partir daquele dia, o país passava a ser uma república. O antigo Império do Brasil ganharia a denominação de “República dos Estados Unidos do Brazil”, confirmada pela Constituição de 1891.
Fiel discípulo de Benjamin Constant — que morreria apenas um ano e dois meses depois daquele dia histórico — Rondon definia seu mestre como “o mentor e fundador da República”. Segundo consta no acervo do Centro de Documentação Histórica da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a reunião que decidiu o fim do Império teria acontecido na casa de Deodoro da Fonseca [o primeiro presidente da República], com a presença de Benjamin Constant, no dia 10 de novembro de 1889.
Benjamin era militar condecorado pela sua participação na Guerra do Paraguai. Mesmo assim, posicionava-se como pacifista e pregava a extinção das Forças Armadas, a longo prazo, de acordo com a avançar da evolução do País, que deveria passar pela educação; ideia que era inspirada no pensamento do filósofo Augusto Comte, fundador do Positivismo. Era o conceito de “soldado cidadão”, que na realidade nunca vigorou. Aliás, tal pensamento positivista era um paradoxo diante do fato histórico: a derrubada da Monarquia foi um golpe militar.
Em 7 de janeiro de 1890, menos de dois meses após a Proclamação da República, Rondon conquistou a patente de primeiro-tenente de artilharia por serviços relevantes ao regime político. A oficialização do novo posto militar foi publicada no mesmo ato oficial em que Deodoro foi promovido a Generalíssimo e Constant a general.
Foi Benjamin também o influenciador de Rondon na adoção, mais tarde, da Igreja Positivista à qual ele professou a crença até o fim de seus dias. A reverência ao mestre era tão imperante que o único filho homem de Rondon foi batizado com o nome de Benjamin.
Ainda em 1890, Rondon fez-se bacharel em Ciências Físicas e Naturais na Escola Superior de Guerra; professor de Astronomia, Mecânica Racional e Matemática Superior. No mesmo período, o hoje patrono do estado de Rondônia começou seu trabalho heróico de expansão das linhas telegráficas que o fez andar pelos sertões o equivalente a duas voltas ao Planeta Terra, promovendo contatos com indígenas e pesquisas científicas. O sertanista foi indicado três vezes ao Prêmio Nobel.
Portanto, hoje, 15 de Novembro, trago à luz a lembrança da personalidade do republicano brasileiro e, oficialmente [desde 2015], Herói da Pátria Marechal Rondon, que o estado de Rondônia homenageia com o seu próprio nome; Rondônia significa “Terra de Rondon”, em conformidade com a definição do cientista Edgard Roquette-Pinto.
Amor, ordem e progresso
Até na lápide do túmulo de Rondon, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, consta o pensamento positivista, de Augusto Comte, que inspirou os principais articuladores da proclamação da República e também o lema presente na nossa bandeira nacional: Ordem e progresso. Um detalhe: originalmente, tal qual está no túmulo, deveria constar Amor, ordem e progresso: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”, adaptação do francês: L’amour pour principe et l’ordre pour base; le progrès pour but.
A bandeira atual do Brasil foi oficializada quatro dias depois da proclamação da República. Razão de que, até hoje, o 19 de novembro de 1889 é celebrado como o Dia da Bandeira.
Mas quem criou a Bandeira Nacional inspirada no Positivismo em um país cuja religião católica e o cristianismo abrangiam quase a totalidade da população? E mais: a Igreja Católica era oficial e parte integrante do Estado durante do Império. Ocorre que, àquela altura, buscou-se impor ideias pautadas nas ciências e na corrente filosófica positivista, tidas como mais evoluídas em relação ao Brasil um tanto feudal, aristocrático e atrasado; o país dos coronéis da roça, com seus títulos nobiliárquicos e atrelamento diretamente com o poderio católica.
O autor da bandeira criada por força de decreto redigido por Constant e assinado por Deodoro foi um maranhense da cidade de Caxias [curiosidade: trata-se da mesma terra do poeta pré-modernista Vespasiano Ramos, sepultado em Rondônia]: o filósofo e matemático Raimundo Teixeira Mendes. Ele era dirigente da Igreja Positivista no Brasil. Mais: desde 1880 era o grande propagador da vida sócio-político-econômica brasileira à luz da doutrina comtiana. Basicamente, aquela filosofia defendia o fim do Império, a separação da Igreja das questões do Estado, o fim da escravidão e a incorporação do proletariado e dos interesses dos trabalhadores nas pautas econômicas do Brasil.
Posteriormente, Raimundo — que morreu em 1927, aos 72 anos — abraçou outras causas além da consolidação da república, sempre em nome do Positivismo: a negociação dos limites territoriais do País [incluindo o Tratado de Petrópolis, firmado em 1903, que deu origem a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em torno da qual surgiu Porto Velho, capital de Rondônia], a legislação trabalhista [que seria instituída somente em 1943 por Getúlio Vargas], o respeito às mulheres, a proteção dos animais. Temas absolutamente de vanguarda na época.
Mas por que Raimundo tirou o amor do lema, deixando apenas Ordem e Progresso? O saber pleno da filosofia de Comte foi aleijado. Apenas com ordem e progresso — sem amor — pode-se explicar coisas práticas como das leis da física, das relações sociais e da ética?
Nunca houve uma explicação. Mas cogitou-se que amor é uma palavra subjetiva e não cabia em um símbolo da Nação, ainda mais esta sendo conduzida pelos militares. Contudo, não faltam argumentos teóricos, históricos, culturais — e até espirituais — para defender a ideia de incluir a palavra amor. A discussão foi parar no Congresso Nacional desde 2003, ano em que foi apresentado o projeto de lei prevendo a modificação da bandeira, de autoria do então deputado federal carioca Chico Alencar; não foi para frente. Ex-governador e ex-senador mato-grossense Pedro Taques acredita que “colocar amor na bandeira é o mesmo que expor o Brasil à chacota internacional. É ridículo”.
Na opinião da astróloga Stella Vecchi, as palavras “ordem e progresso” têm carga negativa porque, à época em que foram encampadas, representaram uma ruptura, trouxeram dor. Diz ela: “Em relação à inscrição da bandeira, eu optaria por deixar a faixa em branco, porque o branco é a união de todas as cores, e simboliza a união de todos os que amam nosso país, na paz. As palavras podem nos aprisionar em conceitos dividem as pessoas”.
Copia e cola
Entre a bandeira do Império — que durou de 1822 a 1889 — e a atual bandeira brasileira existiu uma outra que vigorou apenas quatro dias. Era uma arte inspirada — na verdade, uma mera cópia em verde e amarelo — na bandeira dos Estados Unidos da América, feita pelo médico e jornalista José Lopes da Silva Trovão.
A bandeira brasileira oficial, a atual, teve poucas alterações desde que foi criada. A última ocorreu em 1992, quando nova estrela — no começo eram 21; hoje 27 — foi incorporada, simbolizando o estado do Tocantins. Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, os quatro estados mais jovens da federação, ganharam estrelas da constelação do Cão Maior, respectivamente beta, gama, delta e épsilon. As posições das estrelas não seguem ao rigor astronômico.
Você sabe os significados das cores?
Sabe aquela história que muitos livros trataram de distorcer tentando explicar as cores da Bandeira Nacional, de que o verde significa a Floresta Amazônica, o amarelo alude ao ouro…? É tudo mentira. A narrativa foi uma forma de “cancelamento” (para usar uma expressão atual) da real justificativa para cada cor vinculada diretamente à família real, deposta pelos republicanos. Verde e amarelo, aliás, já eram as cores da bandeira do Brasil Império.
Na verdade, o verde da bandeira significa a cor do brasão da família Bragança, ou seja, a família de Dom Pedro I; o amarelo é mais uma referência familiar. O amarelo era a cor oficial do brasão da dinastia Habsburgo, governantes da Áustria. Homenagem direta para a austríaca Imperatriz Leopoldina, esposa de D. Pedro I. Quanto ao azul e ao branco, eram as cores oficiais do Condado Portucale, região que deu origem à Portugal. Mas, aqui sim, as cores podem ser entendidas como alusão ao céu e sua infinidade — a astronomia é uma ciência que foi amplamente estudada pelos seguidores de Augusto Comte — inclusive, pelo nosso Marechal Rondon.
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