Conhecida como Irmã Beth Myky, ela estava com 90 anos.
No silêncio das árvores ancestrais, uma alma incansável encontrou seu último refúgio. Elizabeth Aracy Rondon Amarante, conhecida como Irmã Beth Myky, partiu deste mundo nesta semana, aos 90 anos, deixando um legado de amor e dedicação aos povos indígenas. Sua jornada, marcada por coragem e solidariedade, agora se dissolve nas brumas do tempo.
Ela chegou ao Mato Grosso como missionária católica e o chamado da floresta ecoou mais forte. Abraçou a vida entre os Myky, uma etnia que lhe ensinou a linguagem das folhas, o ritmo das chuvas e a sabedoria ancestral. Desde 1979, ela caminhou ao lado desse povo, mostrando sua voz contra as injustiças e defendendo suas terras e tradições.
A Diocese de Juína (norte do Mato Grosso) lamentou a partida da Irmã Elizabeth. “Um vazio se abre na comunidade indigenista”, declarou em nota. Mas não é um vazio qualquer. É o espaço deixado por uma mulher que dedicou sua existência à causa. Seu amor pelos povos indígenas transcendeu fronteiras e dogmas, tornando-se um farol para todos nós.
Na penumbra da injustiça, sua memória brilha como uma estrela distante. Seu compromisso inabalável ecoa nas vozes dos que ainda lutam. Ela nos ensina que a verdadeira grandeza reside na simplicidade, na entrega aos outros. Como o rio que serpenteia a floresta, seu legado fluirá pelas gerações, nutrindo a esperança e a justiça.
Neta do herói brasileiro Marechal Cândido Rondon, carregava em seu sangue a coragem dos pioneiros. Seu avô, o sertanista incansável, desbravou terras desconhecidas. Ela seguiu seus passos, mas não pelas estradas de pedra. Seu caminho era invisível, feito de empatia e compaixão.
Hoje, enquanto as árvores sussurram seu nome, Irmã Beth se funde à floresta que amou. Seu espírito, agora livre das amarras terrenas, dança com os ventos e se mistura ao aroma das folhas. Que sua luz continue a guiar os que buscam justiça, os que sonham com um mundo onde todas as vozes sejam ouvidas.
De avô para neta
Irmã Beth era filha de Clotilde Rondon, que era filha do Marechal Rondon, patrono do estado de Rondônia e fundador do SPI (Serviço de Proteção Indígena), precursor da atual Finai. Essa linhagem de compromisso com os povos originários moldou a trajetória de Irmã Beth.
Como parte do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), ligado à Igreja Católica, Irmã Beth dedicou metade de sua vida à causa dos ancestrais. Seus diários, repletos de histórias e questões antropológicas, podem se transformar em preciosos livros, preservando a memória e as lutas das comunidades indígenas.
Em dezembro de 2023, Irmã Beth fez sua última aparição pública. Ela assistiu ao filme “Rondon, o Sentimento da Terra”, exibido na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. O evento celebrava os 100 anos de nascimento do cineasta ítalo-brasileiro Mário Civelli (1923/1993), conhecido por seus documentários sobre Rondon. Civelli foi amigo e guardião do acervo do Major Rondon, e essa conexão especial entre Irmã Beth e seu avô perdurou ao longo de toda a vida.
A despedida da Irmã Elizabeth é mais do que um adeus. É um convite para que cada um de nós, como ela, encontre nossa tribo, nossa causa, e siga adiante, mesmo quando a escuridão ameaça. Pois, como dizia o velho Rondon, “aos que ficam, cabe a missão de continuar”. E assim, sob o dossel verde da floresta, a história se entrelaça com o eterno.
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