Único oficial da Comissão Rondon sepultado em Rondônia tem túmulo profanado
Nem os mortos têm paz. Diz o adágio, com razão. O túmulo do Major Amarante foi recentemente profanado no Cemitério dos Inocentes, em Porto Velho. Arrancaram a placa de bronze do jazigo perpétuo do militar, que era genro do patrono de Rondônia, Marechal Cândido Rondon.
Rondônia é o único Estado brasileiro cujo nome homenageia uma pessoa; significa “terra de Rondon”, na definição do etnólogo e antropólogo Edgard Roquette-Pinto que inventou a palavra Rondônia, em 1917.
Em tempo: o imortal da Academia Brasileira de Letras, Roquette Pinto, “pai do rádio no Brasil”, acompanhou Rondon, Amarante e comitiva em uma das expedições a esta região, em 1912. Cinco ano depois, surgiu pela primeira vez a palavra Rondônia como título do livro que Roquette escreveu sobre sua experiência na região: “Rondônia – Antropologia etnográfica”, considerado um clássico da antropologia brasileira.
Consiste numa “relíquia”, ligada diretamente à família de Rondon, o túmulo do seu genro, Major Amarante. Que deveria ser cuidado e tombado como patrimônio histórico! Afinal, o major Emanuel Silvestre do Amarante é o único oficial da Comissão Rondon sepultado em Rondônia. Todos os outros passaram, contribuíram e seguiram seu rumo. Amarante ficou! Mesmo que morto!
A singela placa que foi retirada do jazigo perpétuo continha uma homanagem prestada em 2016 pela Amarante pela Academia Rondoniense de Letras e a 17ª Brigada de Infantaria de Selva. Na época, houve até salva de tiros em honra ao ilustre personagem, engenheiro militar que ajudou a desbravar Rondônia colaborando, inclusive, com a cartografia regional, redesenhando o
mapa de boa parte deste lugar então chamado de “Terra Desconhecida”.
Uma curiosidade sobre Amarante: em 1912, ele foi o primeiro a guiar um veículo automotor entre os rios Juruena e Soporuba, no MT. Ele mesmo inventou algo posteriormente copiado mundo afora [dizem que até os tanques de guerra surgiram desse protótipo]: adaptou o “caminhãozinho”, traçando os pneus com tacos de madeira para garantir que pudessem rodar os 96 quilômetros no caminho conhecido como “picadão de Rondon”.
Assim, o veículo transpôs o areião e o barro em cujas redondezas não haviam pastagens para as tropas dos militares. Com a invenção, foi possível a Amarante levar provimentos para os homens de Rondon a caminho da Serra do Norte — nome primitivo de Vilhena. Entre os sertanistas atendidos, lá estava o lendário cientista Roquette-Pinto.
Major Amarante morreu em plena atividade, como diretor do distrito do telégrafo nacional sediado em Santo Antônio do Rio Madeira [cidade extinta em 1945 e incorporada a Porto Velho], uma imensa área que abrangia o território de quase todos os atuais municípios rondonienses.
Dilapidações de lápides têm sido comuns, cometidas, geralmente, por usuários de drogas que infestam as ruas do país. Muitos cemitérios no Brasil são alvos de pessoas que furtam objetos de valor e deixam os jazidos sem as identificações. Ninguém escapa. No Cemitério da Consolação, em São Paulo, por exemplo, “limparam” até o túmulo do ex-presidente da República, Washington Luís.
Além da perda material, a prática causa danos à memória e à história. Cemitérios são categorizados por muitos historiadores como museus a céu aberto. São fontes de pesquisa. Há, inclusive, apreciadores de arquitetura e de artes tumulares e, por isso, alguns campos santos ao redor do mundo — inclusive no Brasil — dispõem até de guias turísticos.
Vários visitantes do Cemitério dos Inocentes, localizado na região central da capital rondoniense, reclamam do estado de abandono e da falta de segurança do local. Afora os furtos, há muito mato e sujeira.
Na tentativa de se combater o fenômeno dos ataques, o Projeto de Lei 644/22, em trâmite na Câmara dos Deputados, torna crime a violação ou o furto de lápide de túmulo e determina que o infrator repare o dano.
O texto em análise na Câmara altera o Código Penal que, atualmente, tipifica como crime apenas a violação ou a profanação de sepultura ou urna funerária, com pena de reclusão, de um a três anos, e multa. O projeto inclui como sacrilégio a hipótese de furto, bem como a responsabilização econômica.
Mais do que criminalizar, porém, é preciso garantir a segurança das necrópoles. Quem furta as placas não tem muito a perder e precisa até de ajuda do Estado. São “zumbis”. O problema está em quem compra — certamente bem barato — as peças para derreter.
Cemitério das celebridades
No campo santo, foram sepultadas muitas personagens ilustres que contribuíram com a formação desta terra em todas as áreas da sociedade.
Entre elas, estão o poeta Vespasiano Ramos; a cientista alemã Emilie Snethlage; o carnavalesco Manoel Mendonça, o Manelão, fundador da Banda do Vai Quem Quer; o ex-deputado federal Eduardo Valverde; o banqueiro Raymundo Cantuária; o italiano Quinto Trivério, herói de guerra; o famoso médico e memorialista Ary Pinheiro; o jornalista Inácio Castro, defensor contumaz da nacionalização da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; o historiador e ex-deputado estadual Amizael Silva… e muitos outros.
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