Maestro Villa-Lobos produziu música indígena recolhida entre os Parecis

Roquette-Pinto recolheu áudio em 1912.

Considerado o principal nome da música clássica brasileira, o carioca Heitor Villa-Lobos (1887/1959) tem uma ligação pouco divulgada com os indígenas que habitavam os limites do Mato Grosso com Rondônia. Ele produziu arranjos para uma música genuína recolhida junto ao povo da etnia Parecis da linhagem Aruaque.

Também grafados como Paresís, esses indígenas estão vinculados à formação do Mato Grosso, cujo nome a princípio, nos tempos dos bandeirantes paulistas, era Mato Grosso dos Parecis. A Serra dos Parecis, onde se encontra boa parte do Sul de Rondônia, também faz alusão a eles. Muitos desse povo foram telegrafistas treinados pela Comissão Rondon e atuaram nos postos telegráficos que deram origem ao atual estado de Rondônia que, até 1943, era parte integrante do território mato-grossense. 

A partitura assinada por Villa-Lobos. Foto: Reprodução

O “pai do rádio brasileiro” Edgard Roquette-Pinto (1884/1954), também carioca, documentou em áudio, em 1912, a música nativa quando esteve em meio aos Parecis e Nambiquaras, na Serra do Norte – como toda a região onde está hoje o município de Vilhena (RO) era conhecida.

Além dos áudios inéditos, Roquette-Pinto publicou algumas referências em 1917 no livro “Rondonia / Anthopologia – Ethnografia”. Posteriormente, em 1919, a música “Nazani-ná” ganhou este nome e foi trabalhada com o arranjo para canto pelo maestro e compositor modernista Heitor Villa-Lobos. 

A cantora paulista Helena Pinto de Carvalho (1908/1937), embora fosse uma sambista, em 1932 apresentou um show sofisticado na capital de São Paulo em que interpretou, entre outras músicas, algumas consideradas de “vanguarda da retaguarda” [inovadoras, porém com raízes na história do Brasil] pelo caráter experimental pugnado pelos modernistas: “Sodade”, cantiga de roda de Mário de Andrade; e “Nozani-ná”, já citada.

 Sucesso na década de 1930, a cantora Helena Carvalho Pinto cantou “Nozani-ná”. Foto: Arquivo Nirez

Ambas as interpretações feitas no recital de Helena (infelizmente, perdidas no tempo pois não foram gravadas) têm valor antropológico, como citou Luciano Gallet (1893/1931), compositor, folclorista e maestro carioca que pesquisou os cenários musicais indígenas e dos negros estabelecidos no Brasil Profundo.

Helena, elogiada pelo talento e carisma, morreu em uma noite de domingo, 5 de dezembro de 1937, aos 28 anos, vítima de ataque cardíaco. Ela teve menos de uma década de carreira, fez parte do elenco do primeiro filme musical gravado no Brasil, em 1931, e ficou um tanto esquecida [igual a tantos outros artistas] após sua morte, apesar de renomada e marcante em seu tempo. 

Sucesso na década de 1930, a cantora Helena Carvalho Pinto cantou “Nozani-ná”. Foto: Divulgação

A cantora lírica luso-brasileira Cristina Maristany (1906/1966) gravou a mesma música indígena acompanhada pelo maestro paranaense Alceu Bocchino (1918/2013). Pode ser vista no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=DJ98J3HF3qg.

Há outras interpretações notáveis. Em 1990, o lendário Milton Nascimento (1942/-) gravou “Nozani-ná” no disco “Txai”, em parceria com a cearense Marlui Miranda (1949/-), pesquisadora da cultura indígena brasileira.

Segundo o livro “Índios do Brasil” (1949), de Lima Figueiredo, o então general Cândido Rondon teria feito a tradução da música nativa que, diria: “Vou dançar, vou vestir trajes novos, vou beber vinho e chicha e comer mingau de milho e de mandioca. Ou seja, é uma canção alegre e festiva. 

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