Bar tradicional que fazia parte da cena cultural encerra atividades em Vilhena

Local reunia amigos que narravam histórias ao som do jukebox, como nos velhos tempos analógicos

O Bar da Alzira foi um marco e um ponto de encontro no centro de Vilhena (sul de Rondônia) que atravessou gerações. Velhos amigos se encontraram neste sábado, 9, para se despedirem do espaço que encerrou suas atividades. Um churrasco com direito à música de jukebox – aqueles clássicos aparelhos de som acionados à moeda – e, principalmente, algumas das “figuras carimbadas” que frequentaram o bar durante tantos anos deram o tom da despedida.

Alzira no comando. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

A comerciante Alzira Sorares Macedo é uma paranaense que mora há 39 anos em Rondônia. Há 17 anos ela adquiriu o ponto. Desde então, consolidou o lugar como parte da memória afetiva do centro, atraindo inclusive muitos visitantes de outras cidades.

Ela explica que fechou o bar porque lhe pediram o espaço que fica anexo a um prédio de apartamento cuja construção foi iniciada há décadas e nunca foi concluída. “Acho que vão fazer algo aqui, vão mexer neste prédio que está praticamente abandonado”, explica.

O bar era simples, tinha tudo que outros do gênero têm: cigarros, lanches, guloseimas, salgadinhos, água de coco e, claro, cerveja e destilados – neste sábado teve até uma aguardente mineira artesanal trazida por um cliente que a distribuiu de graça entre os comensais. A singeleza do ambiente, com suas cadeiras de plástico na calçada, o tornava ainda mais acolhedor. A fineza estava na clientela cativa e nos altos papos, além da simpatia de Alzira e de sua ajudante, a Rose, que distribuíam sorrisos e a cerveja mais gelada das paragens.

Clientes cativos do ‘point’. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

O advogado Edélcio Vieira, 70 anos, boêmio e figura lendária na cidade pelas suas histórias e pelos gracejos que sempre marcaram sua personalidade – ele é cronista e mantinha uma coluna, “Balas perdidas”, no jornal “Folha do Sul”. Ele também era um frequentador assíduo do bar, sempre vestido com algo que lembra o seu Corinthians e trazendo junto o cachorro Chico, um dálmata que tem, lógico, as cores do Timão. Chico era uma espécie de mascote do Bar da Alzira.

Para Edélico Vieira, o “espaço deveria ser tombado como patrimônio histórico”. Ele se recorda dos bons momentos vividos, “das conversas permeadas por assuntos como política, as notícias do dia a dia e, principalmente, muitas risadas. Quem não veio aqui hoje é porque está preso. Quem veio só está com tornozeleira”, brincou.

Zóio da Banca faz parte da história. Foto: Júlio Olivar/Reprodução

Segundo o médico Newton Pandolpho, o bar era a “boca maldita”, era o encontro dos velhos amigos, era o recanto mais democrático da cidade. Era o nosso ponto. Mas a lembrança, esta é eterna na nossa memória enquanto estivermos nesta vida.
Salve, Alzira! Salve, Rose! Salve, Alfredo Frota Fontinelli, o lendário “Zoio”! E um salve a todos que tiveram o prazer de frequentar o point mais eclético da cidade”.

Personagem que, literalmente, faz parte da história de Vilhena, Alfredo Fontinelli Filho também esteve presente no último dia do bar. A família de Alfredo é pioneira, uma das mais antigas que habitam Vilhena desde a década de 1960, e sua irmã Regina foi a primeira nascida na cidade, fora do ambiente indígena. Conhecido como Zóio, Alfredo manteve durante mais de 30 anos sua banca de jornal e revista, ao lado do bar de sua amiga Alzira. Ele fechou a banca faz três anos em decorrência dos novos hábitos de consumo que têm aposentado as publicações impressas.

Atualmente, Vilhena não tem nenhum jornal impresso e os diários de outros lugares já não são enviados, pois a onda agora é ler tudo pela internet. Música é na base do bluetoot e, para os jovens, não faz muito sentido colocar uma moeda na máquina do jukebox.

O Bar da Alzira e a Banca do Zóio ficavam na esquina das avenidas Marques Henriques e Capitão Castro. Antes, já funcionava o bar, com outros donos, sendo o mais conhecido deles o falecido Gentil Dala Vecchia. São décadas de existência. O fechamento do ciclo foi uma pena para os saudosistas. Porém, a despedida não teve nada de melancolia. A música foi boa variando de antigos sons sertanejos, samba, passando por joias da música internacional e MPB, com Raul Seixas dominando a parada. E todo mundo falando ao mesmo tempo sobre política, futebol, causos engraçados, histórias da cidade e algumas mentiras para dignificar o verdadeiro ambiente de boteco.

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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