Silvio Persivo é polivalente e tem dois livros de “saindo do forno” ao mesmo tempo. E ainda, fatos sobre o imortal Gilberto Gil.
O polivalente
Desta vez os livros são de poesia, mas Silvio transita em todos os polos da literatura, tendo produzido biografias, ensaios, críticas, crônicas… tudo, afinal, além de artigos técnicos na sua área de atuação, a economia. Ele é economista com doutorado em desenvolvimento sustentável, escritor, poeta e professor de Economia Internacional e Planejamento Estratégico da Universidade Federal de Rondônia. Foi colunista do lendário — e infelizmente extinto — jornal ‘Alto Madeira’.
••• Ainda sobre o imortal Gilberto Gil
Eu cresci sem muitas oportunidades, vivendo precariamente e sem qualquer incentivo para ler. Livro era “chato”, pois assim o dito-cujo me fora injustamente apresentado. Até que eu abri o primeiro, o segundo… e não mais parei.
Meu ouvido infantil, no entanto, já era refinado para o que tinha valor poético. No rádio eu ouvia, entre tantos, o Gilberto Gil cantando ‘Não chore mais’, versão de uma canção imortalizada por Bob Marley.
Fui logo descobrir tudo dele: desde o Tropicalismo, os festivais, a introdução da guitarra elétrica — então hostilizada por ser gringa — na “Geleia Geral” que virou a MPB. Fez parte dos ‘Doces bárbaros’, em 1976, e no mesmo ano virou interno de hospício; e lá criou uma belíssima canção: ‘Sandra’.
Compositor original e visceral que fala de amor (‘clichê do clichê’), liberdade (‘Palco’, ‘Vamos fugir’), fé (‘Andar com fé’, ‘Tempo rei’, ‘Se eu quiser falar com Deus’), brasilidades (‘Domingo no parque’), com lirismo divagando entre sertões (‘Lamento sertanejo’), (re)fazendas e (re)favelas, sempre cutucando as desigualdades sociais:
“Ó, mundo tão desigual/
Tudo é tão desigual/
Ó, de um lado este carnaval
Do outro a fome total (…)”Gilberto Gil
Ele chamou de “gente estúpida” (‘Nos barracos da cidade’) aquela que se rende ao sistema. Do qual ele também foi vítima — embora aparentemente fosse sujeito — como ministro de Estado. Dizem até que não foi bom gestor. Como sê-lo num modelo seviciado? No mais, em nada o diminui aquela passagem mesmo que tenha sido ele “só mais um” naquele posto; talentos, saberes e fazeres não estão sempre amalgamados. Ou haveria algum ser que reúna todos os predicados do mundo?
O idealismo às vezes é sufocado pela morbidez da realidade cruel chamada burocracia. O artista é livre e atua nos campos da cognição e da sensibilidade — é ali que ele é essencial e motiva a educação redentora, a vontade de fazer e acontecer.
Subitamente, alguns atacaram de críticos, versados em literatura, nos ritos e propósitos da Academia Brasileira de Letras, atacando-a por aceitar entre seus confrades um músico. Para tais preciosistas segue a informação: Gil é autor de quatro livros. Suas letras, como está claro, poderiam estar nos livros de poesia, e não cantadas. Disco e livro nada mais são que meios, canais de expressão artística.
Ele deu ao Brasil o orgulho de vencer prêmios Grammy Awards, Grammy Latino, além de ser honrado pelo governo francês com a Ordem Nacional do Mérito. A Unesco o nomeou ‘Artista pela Paz’. Possui o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro, em Portugal.
Marco Maciel e José Sarney também são parte da história da ABL. Confesso que ainda não conheço algum poema ou um simples texto de um deles! Não pretendo diminuí-los. Por fim, não sou crítico de literatura. Antigamente, bardo era sinônimo de cantor. Era recebido como artista em recitais, saraus e afins. De quem, pois, é o espaço das letras? De todos os que fazem da sua arte expressões poéticas.
Atacam-no também porque Gil tem pendor à esquerda. O que teria isso a ver para lhe impor algum senão? Há nas letras os que cultuam o “Deus Mercado” e esses estão também imortalizados na ABL. Roberto Campos, por exemplo. Justo. Afinal, dizem que vivemos em uma democracia. Não se pode confundi-la com dicotomia. Chatice em que dois lados tão perfeitos se digladiam, cheios da razão; “de diabo a diabo não tem escolha”, como diz um adágio antigo.
Ademais, num país multirracial, o negro se faz necessário em espaços fundamentais como a ABL. Nossa língua e nossa cultura têm muito da influência africana tão cara a Gil que numa de suas canções (“Oração Pela Libertação da África do Sul”) verteu sua mais profunda inspiração-ativista:
(…)
Já que vermelho tem sido todo sangue derramado
Todo corpo, todo irmão, chicoteado, iô
Senhor da selva africana, irmã da selva americana
Nossa selva brasileira de Tupã
Senhor, irmão do Tupã, fazei
Com que o chicote seja por fim pendurado
Revogai da intolerância a lei
Devolvei o chão a quem do chão foi criado
(…)
A Academia não precisa se justificar, pois fez justiça, enquanto Gil definiu-se numa frase: “Sou figura de retórica”. E ponto final.
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