Autor esmiúça a política dos tempos do Território Federal de Rondônia

Coleção de textos e fotos inéditos de Zola Xavier compõem o livro a ser lançado dia 24.

Desde a nacionalização da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1932, até o golpe civil-militar de 1964, Rondônia [chamado Guaporé até 1956] vivenciou uma política marcada por muitos embates. Foram intensificados na década de 1950 entre forças progressistas lideradas pelo médico Renato Medeiros — dos ‘peles-curtas’ — e o militar Aluízio Ferreira — dos ‘cutubas’.

O jornalista Zola Xavier da Silveira, 68, decidiu revisitar o período sob o sabor da reportagem historiográfica. Dia 24 de março, ele lança em Porto Velho o livro “Uma frente popular no Oeste do Brasil — Do incêndio na Catedral ao Palacete Rio Madeira e outras histórias do Território Federal de Rondônia”.

Nascido em Fortaleza do Abunã (distrito de Porto Velho), Zola viveu em ‘aparelhos’ comunistas em Goiás e no Rio de Janeiro desde 1972, quando tinha 18 anos, escondido da repressão dos anos de chumbo. Ele é filho do lendário Dionísio Xavier, o Dió, que teria — com outros ‘camaradas’ — recebido o guerrilheiro cubano Ernesto Che Guevara em sua suposta passagem por Rondônia a caminho da morte na Bolívia.

O jornalista com o seu livro-reportagem. Foto: Divulgação

JÚLIO OLIVAR — O que você pretende com o seu livro?

ZOLA — Com esse trabalho busco reavivar alguns dos principais acontecimentos que permearam os embates eleitorais, num contexto de disputas marcadamente ideológicas, entre as forças populares e a oligarquia que se instalou no território federal do Guaporé, depois Rondônia, a partir da sua criação em 13 de setembro de 1943. Após muitos anos de extensa e gratificante pesquisa, sinto-me na obrigação de contribuir para a preservação de parte da história política da região, bem como de preservar a memória de acontecimentos e personagens inseridos nesse processo.

O livro destina-se aos interessados pela memória política do antigo território. Será lançado na Casa de Cultura Ivan Marrocos, a partir das 18 horas.

JÚLIO OLIVAR — Depois de tantos anos, desde os episódios narrados em sua obra — inclusive, o caso da ‘Caçambada Cutuba’, que fez 60 anos recentemente — , o que se vê é que as forças conservadoras sempre foram dominantes em Rondônia. Não apenas nos tempos do território. Nas últimas eleições, em 2022, nenhum dos 52 municípios que compõem o Estado deu vitória à esquerda. Como você avalia essa realidade?

ZOLA XAVIER — Essa onda conservadora, a que você se refere, não foi apenas um fenômeno ocorrido aqui em Rondônia. Mas, de fato, merece uma análise mais aprofundada. Arrisco a dizer que o processo migratório induzido, ocorrido a partir da década de 1970, com a disribuição de terras a pequenos proprietários e a sua posterior concentração em grandes latifúndios, tenha contribuído para esse desfecho.

Foto: Divulgação

JÚLIO OLIVAR — Consta ter havido uma intenção de se implantar uma república socialista onde é Rondônia, com parte da Bolívia. Isso foi um projeto de fato do grupo de Medeiros, uma utopia ou é uma ‘fake news’?

ZOLA XAVIER — A acusação ao [médico, deputado federal e líder dos ‘cutubas’] dr. Renato Medeiros [teve o mandato cassado pelo AI-1, em 1964], de que ele chegou a participar da articulação pela criação da República Socialista do Guaporé, em 1953, não passou de uma diabólica farsa, engendrada pela oligarquia dominante, para afastá-lo das disputas eleitorais de 1954. E assim ficou provado, com a sua absolvição pelo Tribunal Militar da 8ª Região Militar [do Exército], sediada em Belém (PA). No pleito de 1954, a Frente Popular obteve a sua primeira vitória com a candidatura de Joaquim Vicente Rondon na cabeça de chapa para deputado federal e Renato Medeiros como suplente. Vale ressaltar que na capital, Porto Velho, Renato obteve mais votos que o titular, consagrando-se como a grande referência política a partir de então.

JÚLIO OLIVAR — Como é o enredo do livro e quais as fontes de pesquisas para a sua construção?

ZOLA XAVIER — O livro é composto de 13 textos construídos a partir de pesquisas iniciadas em 2006, nos acervos da Biblioteca Nacional e da Associação Brasileira de Imprensa e no Centro de Documentação do Estado de Rondônia.

Lancei mão, também, de um grande acervo de livros e de diversas entrevistas, exclusivas. Nessas ocasiões, tive a oportunidade e o privilégio de conviver com pessoas marcantes da história de Rondônia, a exemplo da dona Lígia Medeiros, viúva do Renato Medeiros; a memorável professora Aurélia Banfield; os líderes estudantis dos anos 60, João Lobo e Leonardo Fernandes e do escritor Claudio Feitosa. Selecionei trechos de uma histórica entrevista que o documentarista Luiz Brito fez com o jornalisa Dionisio Xavier da Silveira [o pai do autor, considerado “o primeiro comunista de Rondônia”]. Utilizei uma pequena coleção de fotos inéditas e emblemáticas, que muito enriqueceram o trabalho.

JÚLIO OLIVAR — Muitos tratam a suposta passagem de Che Guevara por Rondônia, em 1967, como uma lenda urbana. Seu pai o teria recebido. Não há imagens e nem testemunhos de sua presença, fora os velhos comunistas, todos já falecidos. Há, hoje, alguma comprovação?

ZOLA XAVIER — Quanto ao episódio da possível passagem do histórico guerrilheiro Che Guevara por Porto Velho, acrescento o encontro que o estudante João Lobo esteve com dois cubanos, Renne Laniqua e Marcial Adair Dacal, por ocasião em que foi relizado na cidade de Macapá um seminário estudantil patrocinado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

[Curiosidade: no bairro Socialista, em Porto Velho, há uma rua chamada Che Guevara].

Foto: Divulgação

NOTA DO COLUNISTA — Segundo o historiador Francisco Matias [falecido em 2021], da Academia Rondoniense de Letras: “A história da esquerda e dos revolucionários mundiais está incompleta ou mal contada com relação ao argentino Ernesto Che Guevara e sua trajetória na Amazônia. As razões que levaram Fidel Castro e incumbir Che de chefiar tropas cubanas em Angola, depois interná-lo na Amazônia boliviana, tem sido omitida por biógrafos e intelectuais como um tabu. A passagem dele pelo Amapá, Amazonas e Rondônia sequer consta da literatura a respeito. Em Porto Velho, disfarçado de padre mexicano, foi recebido e conduzido até Guajará-Mirim [em trem da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré] pelos seguintes militantes comunistas: João Leal Lobo, Cloter Mota, Dionizio Xavier da Silveira. Do Abunã a Guajará, quem o recepcionou foram Hélio Fontes e Fábio Fontes, avô e pai do político José Aníbal [estabelecido em São Paulo], militante de esquerda, ex-deputado federal, ex-senador e ex-presidente nacional do PSDB”.  

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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