“Nunca vivi um terror igual”, diz brasileira que passou por conflito na Venezuela

As brasileiras Silvania Chagas e Fabiana Rozendo estavam em Puerto Ordaz, na Venezuela, quando avançaram os conflitos na fronteira depois da ordem de fechamento, e relataram terem passado dias de tensão e medo até a volta ao país, na noite dessa segunda-feira (25). Nesta quarta (27) a fronteira segue fechada pelo 6º dia consecutivo e o clima é tranquilo na região.

Além das amigas, outras duas mulheres as acompanhavam no trajeto de volta ao Brasil. A passagem só foi possível graças a um ‘passaporte’: apresentaram à Guarda Nacional Bolivariana documentos que comprovavam que eles estavam operadas. Com isso, conseguiram o aval para cruzar a fronteira e entrar no Brasil.

“Nunca vivi um terror igual a esse em toda a minha vida quando atravessei a fronteira. Quando atravessei e vi as duas bandeiras [marco da fronteira entre Brasil e Venezuela], queria descer do carro e me ajoelhar diante da bandeira brasileira”, relembrou Silvania, que é pastora.

Foto: Alan Chaves/Rede Amazônica
Elas viajaram para Puerto Ordaz no dia 12 de fevereiro, nove dias antes do fechamento da fronteira. A cidade é destino recorrente de brasileiros em busca de cirurgias plásticas em razão do preço, menor do que o praticado no Brasil.
Três delas iam fazer cirurgia e a outra ficaria de acompanhante. No entanto, somente Fabiana, que é empresária, conseguiu operar a vesícula, e uma outra fez plástica. Já Silvania, não fez o procedimento estético que planejava.

As amigas tentavam voltar para o Brasil desde que souberam que Maduro fecharia a fronteira na última quinta (21), mas foram alertadas por amigos para não seguirem viagem porque seria arriscado.

O clima em Puerto Ordaz era de tensão, segundo Fabiana. Ela fez a cirurgia um dia antes do fechamento da fronteira.
“Tinham muitas aglomerações de pessoas na rua. Nos falaram para não sairmos de casa no sábado [23]porque teria manifestação nas ruas e realmente teve. Atearam fogo em algumas saídas da cidade e aqueles carros de guerra foram vistos pelos bairros”.

Em razão da escassez de alimentos no país, as amigas levaram comida e se programaram para passar 10 dias na cidade que é um dos destinos mais procurados por brasileiros que buscam por cirurgias.

“Já estava acabando tudo, carne, arroz, verduras, tudo. Por conta da tensão na cidade, não tínhamos como sair pra comprar. Alguns venezuelanos que são amigos nossos nos ajudaram e graças a Deus conseguimos repor algumas coisas, por isso decidimos voltar”, conta Fabiana.

Foram quase 11 horas de viagem até chegar no Brasil. Puerto Ordáz fica distante cerca de 650 km da fronteira.

“Nas alcabalas [barreiras de fiscalização venezuelana] fomos paradas, os guardas estavam fortemente armados. Só passávamos porque tínhamos a documentação de que estávamos operadas”.

Elas chegaram a Boa Vista na madrugada desta terça-feira (26). As outras duas mulheres que estavam no grupo seguiram viagem para Manaus ainda no mesmo dia.

A Venezuela fechou a fronteira com o Brasil na quinta-feira (21) para impedir a entrada de ajuda humanitária ao país. Desde então está proibida a passagem de veículos e pedestres, mas ambulâncias passam pelo bloqueio e pessoas têm usado rotas clandestinas para cruzar os dois países.

Duas mulheres recém-operadas se arriscaram para atravessar utilizando as rotas e precisaram ser resgatadas pelo Corpo de Bombeiros na manhã dessa terça. À noite um grupo de outras nove mulheres submetidas a cirurgias na Venezuela e cinco acompanhantes também conseguiu regressar ao Brasil.

Amigas passaram por San Francisco de Yuruaní onde indígenas entraram em confronto em Kumarakapay — Foto: Arquivo pessoal

‘Falta tudo’

Nos dias que ficaram na Venezuela as amigas disseram ter constatado o quão grave é a crise socioeconômica do país. “Falta tudo”, disseram.

“Na Venezuela cortam água, luz e até internet. O país realmente passa por um problema grave, não pretendo retornar tão cedo. A cada dia uma notícia ruim chegava”, lembra Fabiana, que também já fez outros procedimentos no país.

“Só volto para aquele lugar quando mudar de presidente. Tudo que falam da Venezuela e os problemas são verdadeiros. Agora, depois de ver tudo o que vi, é que tenho noção que é até pior do que comentam”, complementa Fabiana.
A empresária fez um vídeo mostrando que estavam com pouco alimento em casa e que não teriam onde comprar. As imagens circularam por vários grupos e ela, por medo de ser reconhecida na volta, colocou apliques no cabelo.

“Tive medo de represálias, por isso coloquei o aplique. Aquele país não está fácil . Quem está fora não sabe o que acontece lá dentro. As pessoas estão morrendo de fome, sem remédio”, finaliza.
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