Após fechamento da fronteira, venezuelanos se arriscam em caminhos clandestinos

Mais um ingrediente na escalada de tensão internacional contra o governo de Nicolás Maduro, o fechamento da fronteira Brasil – Venezuela na noite desta quinta-feira (21) bloqueia o tráfego de veículos e pessoas pela BR-174, mas na prática não impede que pedestres continuem sua cruzada rumo ao Brasil. Uma série de rotas clandestinas permite que o trânsito de pedestres entre os dois países siga apesar das restrições impostas pelo governo venezuelano.

Na manhã desta sexta-feira (22), um dia depois da ordem de Maduro de fechar a fronteira, o G1 Roraima presenciou a travessia feita por um grupo de venezuelanos pelas chamadas trincheiras, caminhos alternativos. “Vim com meus amigos e não sabíamos que a fronteira seria fechada como foi hoje. Totalmente. Como nós não queríamos perder a viagem, vimos pelas trincheiras”, afirmou a venezuelana Diana Astudillo, de 23 anos.

Ela saiu a cidade de Maturín e viajou 48 horas até a fronteira com um grupo de sete amigos venezuelanos. Ela afirmou que pretende ir até Boa Vista, mas que deve ficar em Pacaraima até conseguir a documentação necessária para ficar no Brasil.

Maduro determinou o fechamento para tentar barrar a ajuda humanitária oferecida pelos EUA e por países vizinhos, incluindo o Brasil, após pedido do autoproclamado presidente interino Juan Guaidó. Maduro vê a oferta dessa ajuda como uma interferência externa na política do país.

Ligadas pela rodovia que foi fechada pela Venezuela, as cidades-gêmeas de Pacaraima, no Brasil, e Santa Elena de Uairén, na Venezuela, não são apenas rota para refugiados em fuga do país – em média 800 cruzam a fronteira todos os dias -, mas também de venezuelanos e brasileiros que dividem a rotina entre os dois países e nem sempre usam a rodovia como caminho.

Há, por exemplo, crianças venezuelanas que estudam no Brasil e todos os dias atravessam a fronteira ou ainda moradores que vivem em Santa Elena, mas, devido à escassez de comida e remédios, fazem compras em Pacaraima – antes da crise o movimento era inverso, ou seja, brasileiros iam até o país fazer compras.

Em meio a esse intenso movimento de entrada e saída, a rota pela BR-174, onde há postos de fiscalização e militares brasileiros e venezuelanos, é apenas uma dentre muitas passagens entre os dois países, afinal são quase 2,2 mil quilômetros de limites entre Brasil e Venezuela.

“A fronteira é seca. Então, se uma pessoa não quiser passar pela fronteira, onde é o local oficial, passa pelas ‘laterais’”, disse Antonio Denarium (PSL) governador de Roraima ao comentar sobre a decisão de Maduro de fechar a fronteira com o Brasil. “Vai é inibir aquelas pessoas que querem entrar de forma legalizada”.


Foto: Alan Chaves/Rede Amazônica

De acordo com Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), vinculada ao Itamaraty, a fronteira do Brasil com a Venezuela é de 2.199,0 mil km, dos quais 90 km são por linhas convencionais e 2.109 km por divisor de águas – um contraste à estreita BR-174 fechada por Maduro por onde mal passam dois carros ao mesmo tempo.

“Não é a primeira vez que fecha a fronteira. Todas as vezes eles continuaram passando pelas rotas alternativas porque eles têm que comer, tem que comprar comida, eles dependem do Brasil pra isso”, resumiu uma comerciante que há cinco anos vive em Pacaraima e pediu anonimato.

A fragilidade da fronteira motivou, ainda em 2017, um pedido da ex-governadora Suely Campos (PP) para reforço na segurança da região. Segundo alegou à época, o reforço era urgente “para coibir a entrada de criminosos e evitar que Roraima se transforme em corredor de passagem para ilícitos”.

Quase um ano depois, quando o pedido de Suely havia sido atendido e homens da Força Nacional já atuavam em Pacaraima, o presidente Nicolás Madurou mandou fechar a fronteira às vésperas das eleições presidenciais no país. Mesmo temporário o bloqueio militar venezuelano na BR-174 não impediu que o fluxo de pessoas entre os dois países cessasse.

“Precisamos de comida, e se não nos deixam passar pela fronteira, vamos por aqui. Temos que recorrer ao Brasil para não morrer de fome”, disse Carlo Quintano que na tarde de 19 de maio de 2018, quando a fronteira também estava fechada, voltava à Venezuela por uma rota clandestina em meio à mata levando mantimentos do Brasil.
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