Revma. Madre Rosa Gattorno: uma história de amor ao próximo

A Reverendíssima Madre Rosa Gattorno foi fundadora da Ordem Religiosa das Filhas de Sant’Anna.

No dia 6 de outubro de 1831, na cidade de Genova, nascia Rosa Benedicta Gattorno, filha do sr. Francisco Gattorno e da Senhora D. Adelaide Campanela, casal ilustre que pelas suas excepcionais qualidade e pela sua fortuna, ocupava um lugar de destaque no seio da sociedade Genoveza.

Nascia assim a fundadora das Filhas de Sant’Anna, abandonando as vaidades do mundo e o conforto de suas riquezas, logo nos primeiros das de sua vida, deu-se ao culto da virtude. Não impediu a sua piedade de abraçar a vida conjugal, por isso fez-se esposa exemplar, depois mãe Cristã. Estava, porém, reservado a Rosa Gattorno o golpe da viuvez, ato que ela suportou com grande resignação.

Aos 27 anos de idade, em boa hora inspirada para a realização de uma grande obra religiosa, desenvolvendo os impulsos do seu coração generoso que se formava para a nobre função de ser mãe espiritual de inúmeros filhos, fundando desta forma a Congregação das Filhas de Sant’Anna, destinada a difundir como o maior ardor a caridade cristã.

A 8 de dezembro de 1866, Rosa Gattorno, fundava em Roma o seu instituto das Filhas de Sant’Anna. Cinco moças apenas constituíram a comunidade que a iniciava. No início quis Rosa Gattorno chamar de Filhas da Imaculada. Mais tarde, com a inspiração devida, passou a chamar-se definitivamente Filhas de Sant’Anna começam desta forma com cinco moças consagradas a Deus, a sua pequena obra que se tornou tão grandiosa depois, amparando e instruindo, com espetacular zelo e edificante dedicação e, assim desta forma os jovens desprotegidas de sorte tiveram nas devotadas Filhas de Sant’Anna, um amor e uma proteção decidida.

Não faltavam porém os duros sacrifícios, as provações dolorosas com que sempre se distinguem as obras do Senhor.

Da esquerda para a direita: Irmã Maximila, Irmã Miquelina Cazirague, Irmã Celestina, Irmã Helena, Irmã Maria Auxiliadora P. Rodrigues, Irmã Domitila – 1974. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

De sacrifícios e provações dolorosas, de grandes desejos foram os primeiros dias de ordem, a Madre Rosa Gattorno, cada vez mais se enchia de coragem para lutar e consolidar sua obra. Por todos os modos, os inimigos de Deus e os perseguidores da Religião atentam contra a obra de Rosa Gattorno, inclusive ateando fogo à sua casa, em Foligno, que esteve na eminência de ser devorada pelas chamas.

É a figura destemerosa e abnegada da Madre Rosa Gattorno que, com o perigo de vida, enfrenta as chamas e extingue o incêndio, a quem se deve a salvação de todos.

Animado de um grande entusiasmo que parecia sobrenatural, “Rosa Gattorno” sorria diante dos maiores obstáculos e dia confiante: “Se o instituto vivesse sem embaraço, era o caso de dizer-se que não era obra do senhor.”

E todavia a obra prosperou. Ampliou-se, difundiu-se a princípio pela Itália, Piaceuza, Foligno, Corte Maggiore, San Piero Areno, Pistoia e Pisa, que foram os primeiros campos de ação das Filhas de Sant’Anna depois pela Espanha, Peru, Bolívia, Alemanha, França, Inglaterra, África, Egito e etc.

Poucos anos depois da Fundação de sua obra, via Rosa Gattorno que se realizava a profecia do Santo Padre Pio IX “O teu instituto, Rosa, se ampliará como o voo da pomba.”

A 6 de maio de 1900, às 9horas em um quarto, Rosa Gattorno dava ao nosso Deus a sua alma depois de uma vida cheia de bons serviços a causa de Deus e da religião.

Então terminados os meus padecimentos, dizia a Madre Rosa Gattorno na hora em que partia desta visa para o encontro definitivo com Deus. Rosa Gattorno, depois de deixar bem consolidada sua obra, que se desenvolve em quase todo o mundo, morria em santidade.

Revma. Madre Rosa Gattorno. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Rosa Gattorno – 30 anos depois 

A irmã Rosa Gattorno foi sepultada em Verano, na Itália completando 30 anos do seu enterro, ao ser feita a exumação dos seus ossos foi encontrado seu corpo em perfeito estado de conservação, como descreve o Giomole d’Italia de Roma em 17 de fevereiro de 1932.

[…] Quando há dias conforme foi anunciado se procedeu ao reconhecimento em Verano, do corpo de Madre Rosa Gattorno, fundadora da Ordem das Filhas de Sant’Anna, falecida em 1900 pareceu as pessoas presentes que estivesse em estado de decomposição, pelo aspecto de suas vestes e demais despojos do caixão mortuário, entre os quais um grosso cobertor de lã que envolvia o cadáver. Este foi logo transportado para um comportamento do Departamento de Observações e, lá foi deixado sob guarda, uma vez que se tratava de uma religiosa, cujo, processo de beatificação seria iniciado.

BAZE, Abrahim. 127 anos de história (1873-1898) Real e Benemérita Sociedade Portuguesa do Amazonas. Manaus, Editora Valer, 1998. Pág. 219.

A irmã da casa geral da rua Merulana, tendo previamente obtido a necessária licença do vigário-geral com todas as formalidades prescritas pela igreja em tais casos, quiseram aliviar o corpo de sua Madre Fundadora dos despojos impuros que o envolviam há mais de 30 anos no túmulo. Este ato importante para a igreja foi assistido também pelo Conde Barbieline, neto de Madre Rosa Gattorno.

Quando o corpo foi piedosamente levado, ficou constatado, com admiração de todos, que não só a morte não havia desfigurado, como também ele conservava intacta a flexibilidade de todos os seus membros.

Intactos do mesmo modo os lábios, o nariz, as pupilas, como observou o próprio Barbieline. Foi portanto, fácil as boas irmas tornar a vestir o corpo, que não exalava o menor mal cheiro, no novo hábito da ordem, pondo-lhe luvas nas mãos que cediam a operação, flexíveis como se estivessem vivas. Este acontecimento verdadeiramente extraordinário e incontável, foi observado por todos quantos presenciaram a vestição inclusive o médico assistente.

O corpo que parece ter se purificado, sereno o rosto como se estivesse dormindo, foi colocado em novo sarcófago e provisoriamente posto na capela dos irmãos no Verano, esperando que se procedessem as indispensáveis formalidades para ser transportado até a igreja da rua Merulana.

A irmã Rosa Gattorno foi sepultada em Verano, na Itália, completando 30 anos do seu enterro, após exumação. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

As irmãs de Sant’Anna e a Beneficente Portuguesa

A comissão de Exame de Contas sugere a admissão de uma ordem religiosa para a direção e orientação do hospital, com grande veemência, conforme fica exposto neste tópico.

Era intuito nosso apresentar novamente a apreciação da ilustrada Assembleia Geral a ideia da admissão, no nosso hospital das Irmãs Hospitaleiras, ideia já sugerida pela comissão nossa antecessora. E não desistiríamos do nosso próprio, se por ventura a esta hora se não achasse essa ideia convertida já num fato prestes a realizar-se.

Consideramos está como uma das mais acertadas medidas que a digna assembleia podia ter adotado e, por isso nos congratulamos com ela.

Da adoção desta medida devem advir, para a nossa sociedade, vantagens de incalculável valor, atentos os inúmeros benefícios que essas heroínas do Bem, da abnegação e da caridade tem prestado a instituições congêneres desta.

Cremos que num futuro muito próximo os relatórios desta sociedade testemunharão essa grande verdade eliminando por completo deste espírito sistematicamente retrógrado as apreensões que já tem salvado uma prevenção erroneamente adversa, injusta e, inconscientemente contrários aos princípios professados por aquela classe de criaturas, que uma santa fé e acrisolada crença impele para os hospitais para os campos de trabalho, para toda parte onde há dor e miséria que elas possam combater ou suavizar.

1904 marca a chegada das Filhas de Sant’Anna

No Brasil e em outros países elas já vinham prestando preciosa assistência aos estabelecimentos hospitalares e educacionais.

O historiador da Ordem, segundo a tradição o Padre Argentino Grescou, em língua italiana, assim se manifesta sobre a chegada e o início das atividades das religiosas:

[…] Era o dia 29 de novembro de 1904, quando as primeiras “Filhas de Sant’Anna, vestidas com seus veneráveis hábitos pretos desembarcavam da Baia do Rio Negro, para tomar conta da Beneficente Portuguesa.

A presença das religiosas, chegadas em Manaus, despertou uma mistica alegria em toda a povoação e a imprensa interprete dos sentimentos comuns externou a comum satisfação dando as boas vindas as Beneméritas Irmãs e alegrando-se com as autoridades públicas.

Manaus, a bonita rainha do Rio Negro, a terra dos antigos índios Barés e Manaus, capital do Amazonas, o maior estado da confederação Brasileira, chama-se na metade do século passado, Cidade da Barra e começou sua vida, e, 1853, com a navegação a vapor. Com a abertura do Amazonas a navegação internacional, em 1886, começou a ascensão aquele fantástico desenvolvimento que em 1910 chegou no máximo e deu-lhe o título de Capital do Caucho.


**BAZE, Abrahim. 127 anos de história (1873-1898) Real e Benemérita Sociedade Portuguesa do Amazonas. Manaus, Editora Valer, 1998. Pág. 221.
Irmã Fedelle junto ao ex-presidente da Beneficente, comendador José Cruz. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Em 1904, quando chegaram as primeiras Filhas de Sant’Anna era Manaus só uma cidade em formação, com um aglomerado de povos heterogêneos, em raças, civilização e religião, por conseguinte o campo que se apresentou as abnegadas irmãs era imensamente vasto, pois havia apenas uma única casa de cura e, logo com todo o ardor e entusiasmo de mulheres jovens jogaram-se na árdua da ação da caridade, em todo o fecundo apostolado das obras de misericórdia.

Bem cedo as autoridades e os cidadãos todos apreciavam a ação que em silêncio operavam as humildes heroínas, verdadeiros anjos do bem não só nos corredores do público hospital aos doentes infelizes, inábeis, mas também, nos grandes solos e nas escolas, no meio dos humildes e desamparados.

De fato, em 1904, encontramos as beneméritas religiosas a assistir as duas principais casas de caridades públicas dependentes do Governo do Estado. Quanto a colônia portuguesa, sua situação privilegiada e seus propósitos comunitários, assim se expressa o historiador italiano.

Atualmente em Manaus, existem poucas casas de saúde, mas as principais são a Santa Casa de Misericórdia, isto é, o hospital civil e seu semelhante, o hospital Beneficente Portuguesa, que pertence a uma sociedade cujos componentes são todos portugueses.

Estes em Manaus, foram a colônia mais importante que muito honra a terra deles.

Os portugueses, embora muitos estão bem unidos entre si e otimamente organizados. Podemos dizer que a indústria e comércio estão nas mãos deles. Desde 1870 os ricos e mais inteligentes das colônias, querendo imitar os outros cidadãos das demais cidades do Brasil e das colônias, projetaram a construção de um hospital modelo que pudesse hospedar doentes da importante colônia, ou mesmo nacionais e estrangeiros.

As primeiras irmãs 

Depois de muitas gestões de diretorias sucessivas, coube ao presidente Comendador José Cláudio Mesquita, o privilégio de ultimar o convento com os superiores da Ordem para que a Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas recebesse os serviços e a assistência hospitalar das Irmãs Filhas de Sant’Anna, conforme esclarece a ata.

Esta honra é devida, a direção em exercício do ano de 1904, cujo, presidente, Comendador José Cláudio Mesquita, comunicou que aos 30 de julho estavam concluídos os acordos e os compromissos com as Venerandas Filhas de Sant’Anna e que 3 irmãs da Santa Casa de Misericórdia, sob a obediência da Superiora daquela Casa, tinham assumido a administração interna do hospital. A direção, em seguida comunicou-se com a Madre Geral do Instituto em Roma para conseguir as religiosas. Estas aos 29 de novembro de 1904 chegaram em Manaus e, no dia seguinte as irmãs, isto é, uma superiora, a farmacêutica e sete enfermeiras tomavam posse do hospital.

A irmã superiora chamava-se Ana Aureliana Fanelli que dirigia a seguinte equipe: Farmacêutica Irmã Ana Clemente Maggioni e as enfermeiras Ana Gregoria Villa, Anna Simplícia Levallo, Ana Maria Garilli, Ana Rebaldini Valsecchi, Ana Verediana Artuso, Ana Eufrasia Allegri e Ana Amália Gaglio.

S. Ana Maximila, S. Ana Paula da Costa, S. Ana Helena da Silva, S. Ana Maria do Socorro, S. Ana Domitila e S. Ana Ambrozina Viana de Souza. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Benefícios da presença das Filhas de Sant’Anna

O aspecto, o funcionamento, a atmosfera hospitalar sofreram grande e benéfica transformação com a presença e as atividades solicitas das Irmãs de Sant’Anna, conforme o insuspeito testemunho do cronista:

Revelaram-se logo verdadeiros anjos de candura, de paz e de caridade, verdadeiras apóstolas do bem, converteram os corredores, as salas, os ambientes todos numa atmosfera nova, mística onde reinava a ordem, o asseio, a exatidão, a economia, o amor, a virtude e o sacrifício.

Deste momento, a permanência das Filhas de Sant’Anna confunde-se com os contínuos progressos da Beneficente Portuguesa e, na história é uma verdadeira epopeia de amor e de sacrifício ao bem da humanidade sofredora e de apego ao hospital ao qual as abnegadas religiosas assistiam e ao qual procuraram sempre a honra e a glória.

Desde 1904 até hoje caem espontâneos como chuva, atestados de estima, gratidão e simpatia as religiosas deste hospital, não só por parte das autoridades dirigentes da Casa, mas, também por parte mesmo dos internados que recuperavam a saúde do corpo e muitos, através do zelo das religiosas, também aquela mais preciosa, saúde da alma.

Se pegarmos o álbum dos visitadores e dos doentes que se encontrava na portaria a disposição de todos poderíamos constatar e examinar as belíssimas impressões que deixaram registradas, mentes inteligentes e cultas de nacionais e estrangeiros que visitaram o hospital, mas, principalmente os números atestados por um considerável número de doentes que, ao ficarem bons, quiseram testemunhar a gratidão, o reconhecimento, a estima, a veneração deles às dedicadas abnegadas religiosas do hospital da Colônia Portuguesa.

O heroísmo e a consagração das Filhas de Sant’Anna no exercício das suas beneméritas funções de obreiras do bem, estão bem delineadas e registradas nos seguintes tópicos da crônica já referida do historiador da Ordem:

O primeiro relatório da Diretoria de 1905 que se refere as religiosas, declara que pela morte de uma das irmãs, de acordo com o respectivo contrato, foi obrigada enviar a Roma a importância, vista, para a passagem completa de uma outra irmã, que devia substituir a falecida.

As filhas de Sant’Anna das outras casas de Manaus já tinham pago o tributo ao clima insalubre do Amazonas. Já várias sepulturas tinham sido aberto no Cemitério Público de São João Batista para recolher os restos mortais de várias religiosas, tombadas no cumprimento do dever e na flor da idade. A mesma capital, Manaus, não foge das epidemias comuns aos afluentes e confluentes do grande rio.

O clima quente úmido, os grandes e muitos lagos, lamaçais e lugares baixos são causas de muitas doenças especialmente a febre amarela.

Dom João de Souza Lima, Arcebispo de Manaus. Irmã Celestina Manço, Superiora, e Comendador José Cruz, presidente da Beneficente – 1984. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Quem mais sofre são mesmo os estrangeiros que, depois de pouco de permanência no Amazonas percebem o fígado inchado e a vesícula inchada, sintomas de péssimas consequências. A mulher mais facilmente que o homem, neste clima ruim envelhece precocemente sob o peso de inúmeros sofrimentos.
As religiosas da Beneficente Portuguesa poucos meses após a chegada delas, viram falecer a jovem irmã Veridiana.

Adoecida de febre amarela para nada valeram os diligentes cuidados das colegas, para nada a dedicação dos médicos e as descobertas científicas. Em dezembro de 1906, irmã Veridiana confortada com os santos Sacramentos entre as lágrimas das irmãs inconsoláveis entregava sua vida e alma e seu Divino Esposo. Como são diferentes os desígnios de Deus dos seus escolhidos!

A irmã Veridiana com todo o entusiamo de um coração jovem tinha saído da Itália, atravessou os mares com o desejo de dedicar toda a sua vida a caridade para consolar infelizes, enxugar lágrimas. Mas Deus bem cedo veio buscar esta flor bonita para transplantá-la no seu celestial jardim, o Paraíso.

As irmãs muito sentiram a perda irreparável, mas, gostaram bastante em ver as homenagens, a estima, o afeto, a gratidão que a direção, o corpo médico, os funcionários todos do hospital e todos os amazonenses prestaram a saudosa falecida.

Para substituir a irmã falecida chegou da Itália irmã Evarista. Outras beneméritas irmãs adoeceram de graves doenças, por exemplo, irmã Elísia, que em 13 de julho de 1907 foi transferida para o Ceará em tratamento de saúde. Depois de uns dias faleceu.

Apesar das inúmeras benemerências das Filhas de Sant’Anna no Hospital Beneficente Portuguesa e o respeito e a simpatia que elas gozavam da direção e da Colônia, as irmãs em 1910 tiveram que sofrer um bocado por causa de uns espíritos jacobinos que participavam da diretoria. Estes achavam demasiada a religiosidade das irmãs entre os doentes. Chegou-se a atos muito hostis contra a consciência religiosa das irmãs e talvez sem saber se chegou a prejudicar a sua ação sacerdotal.

Mas, deve-se dizer pelo amor a verdade que estes desenvolvimentos eram infundados. E a pequena luta não saiu do hospital. As irmãs, porém, cientes da retidão delas reagiram enérgicas e dignamente logo triunfaram diante da luz meridiana dos fatos.

Estas divergências, muitas vezes necessárias e benéficas, serviram para confirmar o espírito de sacrifícios das Filhas de Sant’Anna, verdadeiros anjos de consolo, de modo que a diretoria e os sócios do hospital Beneficente Portuguesa sentiram-se mais presos as queridas irmãs.

Tal afirmação não é gratuita, nem exagerada.

Em seguida a Proclamação da República, 5 de outubro de 1910, em Portugal, acendeu-se no ânimo de miotos portugueses o espírito liberal exagerado e por isso não só em Portugal houve uma perseguição religiosa, mas, também nas colônias portuguesas.

Os portugueses de Manaus não ficaram isentos deste espírito republicano nem entre os componentes da Direção do hospital de colônia, que em Manaus formava a elite a sociedade. No meio de tal fanatismo de republicanos franco-maçônicos o primeiro deles (sois portugueses) foi a completa laicização do hospital. A primeira coisa, naturalmente era afastar as irmãs e depois tirar todos os símbolos da religião católica. Conforme o programa dos mais fanáticos, muitas coisas deviam-se modernizar no hospital Beneficente Portuguesa. Mas perante a realidade do fato e, depois de razões econômicas e considerando a virtude, a abnegação, o fanatismo republicano de uns entre os mais exaltados foi completamente apagado. E a direção naquele ano deixou arquivado um documento que para Filhas de Sant’Anna vale o maior dos elogios, que honra não só a casa Beneficente Portuguesa, mas, toda a família religiosa das Filhas de Sant’Anna. Eis por inteiro o celebre documento.

Era nosso desejo que o serviço do hospital fosse tirado as irmãs correspondendo desta maneira não só ao espírito liberal da maior parte de nossos sócios, como de fato demonstraram em várias assembleias, mas, ainda teria se tirado aquele caráter religioso que muitos pensam que o nosso tenha pelo fato de ser serviço entregue aos cuidados de membros de congregação religiosa. Mas podemos garantir que a finalidade exclusiva das irmãs é somente a assistência aos doentes, não tendo nenhuma influência o culto religioso … Enfim, a impossibilidade de conseguir uma outra turma de enfermeiras para substituí-las nos impediu de fazer, continuando, portanto, com as religiosas.

Mas já que nós nos referimos às irmãs, aproveitamos, da oportunidade para ressaltar com quanto afeto e amor continuam a ser afeiçoadas a sociedade se mostrando desinteressadas e cheias de boa vontade em nos auxiliar para o equilíbrio financeiro da administração, fazendo concessões favoráveis sobre certos direitos pecuniários que por direito do contrato vencido a sociedade se encontra devoradora.

E ainda para confirmar em que consideração se veneradas Filhas de Sant’Anna (GATTORNO) eram tidas na direção, eis que se lê na relação anual de 1910. A administração interna do hospital continua sob os cuidados das irmãs Filhas de Sant’Anna. Esta direção cumpre com seu dever registrando nestas páginas a admirável abnegação com que as irmãs prestaram os serviços delas nesta Casa. O espírito de caridade que as anima no desempenho das próprias missões, nunca foi visto ofuscado da mínima sombra. Missionarias do bem, são inspiradas somente a beneficiar e embora nesta época a administração fosse agitada de mil problemas econômicos, para a remuneração que lhe era devida, as irmãs com sublime desinteresse, eliminaram as dificuldades.

Estes atos tão nobres que revelam grandeza de ânimo devem ser apresentados como magnânimo exemplo para o aperfeiçoamento de todos.

Quem foi a primeira superiora? Irmã Ilária.

Se não aqui seria (bom) necessário não só nomeá-la, mas também fazer um pequeno esboço de vida, dizendo quanto tempo permaneceu, suas especiais atitudes, suas virtudes civis, religiosas e assim por diante.

Irmã Ilária, uma figura clássica de Filhas de Sant’Anna que em Manaus honrou muitíssimo seu Santo Instituto foi Irmã Segalini que por 12 anos foi superiora no Hospital Beneficente Portuguesa. De reconhecida virtude e austeridade, a digna superiora não só era amada por suas queridas irmãs, mas, muito que se sucederam no tempo de seu superiorado. De palavra simples e leal, era verdadeira apóstola do bem nos vários ambientes do hospital, conforme o coração da Santa heroína fundadora Rosa Gattorno, ela recomendava as irmãs Deve brilhar mais a sólida virtude e a fecundidade das obras do que a humana esperteza. Em seus anos, os inúmeros serviços feitos ao hospital atraíram-lhe a estima e a simpatia de todos, não só no ambiente hospitalar, mas, também com as principais famílias da cidade, relacionadas com a importante casa da saúde.

O hospital da brilhante colônia portuguesa de Manaus sob a vigilância das Filhas de Sant’Anna, tornou-se cada vez mais renovado em todo o estado e o crescente serviço sanitário, requeria contínuas melhoras nos vários locais da casa. Nisso também as beneméritas religiosas concorreram para o aperfeiçoamento.

Com efeito, em 1912 o hospital enriquecia-se de um pavilhão de necessidade imediata. Era a capela, isolada do outro ambiente do hospital para o livre serviço das irmãs e dos membros internos. A antiga capela não correspondia mais às exigências da casa. Era apenas uma sala, pequena, escura, anti-higiênica para o clima de Manaus, encostada ao aposento das religiosas.

Irmã Ilária, conhecendo seu prestígio pessoal e o respeito e simpatia desfrutados pelas Irmãs ante os dirigentes do hospital e a sociedade, obteve da direção da casa permissão para dar início e uma coleta de recursos financeiros para construir uma capela no âmbito do hospital, não só para comodidade do seu grupo de religiosas, mas também, para permitir uma maior liberdade de consciência para os pensionistas internos.

O piedoso projeto foi plenamente aprovado pela direção e, as abnegadas Irmãs, conseguindo dinheiro necessário, levaram a termo a construção de capela, que foi benzida no dia 6 de outubro de 1912.

O generoso coração da Irmã Ilária estava felicíssimo. E aqui, para testar seus grandes méritos, como prova mais eloquente, temos as expressivas palavras da direção que, no ano de 1920, viu sua partida rumo ao Pará e que assim se exprimiu no seu relatório anual.

O serviço interno da Casa continua confiado a habilidade, a diligência e ao zelo das Irmãs filhas de Sant’Anna, as quais, no desempenho de suas atividades assistenciais, sempre mostraram uma retidão insuperável, permanentemente dispostas, atenciosas e diligentes em cuidar dos enfermos.

Em maio de 1920, Irmã Ilária foi transferida pela sua congregação para o vizinho Estado do Pará, ela que, por muitos anos prestou imenso e inumeráveis serviços a nossa instituição. Em ocasião de sua saída, esta direção deu a supra-louvada superiora os melhores atestados de consideração, que, sem dúvida, encontraram boa morada em seu nobre espírito.

Irmã Clemente Rizzi – O mesmo ato oficial refere que irmã Ilária Segalini foi substituída em seu cargo de superiora por irmã Clemente Rizzi que, aqui chegou no fim de abril. A nova superiora manifestou-se logo uma continuadora das virtudes e da competência daquela a que sucedeu, tais são as provas que deu seu correto desempenhar de seu cargo.

Para completar o delicado perfil de bondade de sutil dedicação da boa superiora, irmã Clemente Rizzi, que por idade e graves doenças foi transferida ao hospital homônimo do Estado do Pará, eis como se expressa a relação da direção do ano de 1920 acerca da D. D. Superiora: Continuam as filhas de Sant’Anna administrando internamente nosso hospital, exercendo seu ofício maneira a merecer nossos mais significativos elogios, mas, é agradável declarar publicamente que em nossas irmãs enfermeiras se encontram exemplo de dedicação e de abnegação que dificilmente encontraríamos fora das coletividades religiosas. Na metade do ano de 1926, por ordem superior da congregação das Filhas de Sant’Anna, deixou a direção interna desta casa a Superiora irmã Clemente Rizzi. A direção do hospital despediu a superiora irmã Clemente com sinceros manifestações de estima e de afeto oferecendo-lhe um presente como lembrança pelo fato de ter-se comportada como diretora caridosa e diligente, vigiando como o maior cuidado os interesses e o bom nome da casa.

Tal elogio, saído da lapiseira dos componentes da alta direção da Beneficente Portuguesa, nem sempre favoráveis católicos, vale um cumprimento em honra da irmã Clemente, atribuindo testemunho e justiça a suas mais belas virtudes sociais que saem da moral e da formação religiosa do espírito das beneméritas Filhas da grande Genoveva Rosa Gattorno. E bem assim merecia a boa e humilde Superiora Irmã Clemente Rizzi, pois durante seu superiorado no hospital da colônia portuguesa de Manaus, foi modelo da irmã de caridade e de superiora. E sua bondade de dedicação e humildade, unidas a sua operosidade, encoberta de sua modéstia, era de incentivo ao apostolado do bem de suas queridas irmãs, como também, atraia sobre sua congregação religiosa o respeito e a veneração.

Irmã Maria de Lurdes, Irmã Consolação Salazar, Irmã Domitila, Irmã Hermila Franco, Irmã Fedelle Guimarães, Irmã Bernardete Luna, Irmã Ducineia Furtado. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Seguiram-se a irmã Clemente as seguintes superioras:

Arsenia Critti, Marzia Garilli, Selfira, Mequilina, Giombelli Lina Fanelli, Francisca Bladina, Olga Wisigalli, Ignez Moreira de Souza, Fedelle Freitas Guimarães, Miguelina Guiumbelle.

Embora ultrapassando o período que estamos historiando, é de todo oportuno e de alta justiça que se consigne este testemunho do cronista sobre o impressionante papel de consagração apostolar dessas religiosas no desempenho de sua missão.

Estes testemunhos são atestados evidentes do quanto deve a Sociedade Portuguesa Beneficente as irmãs Filhas de Sant’Anna, atualmente sob a égide da Superiora Irmã Fedelle Guimarães, religiosa de elevadas qualidades intelectivas, morais e espirituais, cuja, reconhecida modéstia a impediu de oferecer novos subsídios sobre sua obra notável e de suas comandadas.

BAZE, Abrahim. 127 anos de história (1873-1898) Real e Benemérita Sociedade Portuguesa do Amazonas. Manaus, Editora Valer, 1998.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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