Retalhos históricos de Luciano Dias Marques: mercearia A Renascença

Vale a pena lembrar que Luciano Dias Marques aportou em Manaus no período áureo do látex, trazido por um tio que já havia se estabelecido naquela época.

Na verdade é que, para reconhecer-se em toda a sua extensão, em todo o seu significado e em todas as minúcias, o que foi às ações dos portugueses que imigraram para o Amazonas, é fundamentalmente indispensável saber como eles aqui chegaram, como se aclimataram e como exerceram sua natural tendência o comércio tais como: bares, pequenos restaurantes, padarias e pequenas e grandes mercearias de secos e molhados, como era conhecido no passado. 

E neste caso falamos do imigrante Luciano Dias Marques, proprietário da casa ‘A Renascença e Casa Dias’, ambas em Manaus, cujo primeiro local da “A Renascença” foi na Rua Joaquim Nabuco, esquina da Avenida Sete de Setembro no famoso canto do Quintela e, mais tarde, ele comprou terreno na Av. Joaquim Nabuco n° 879, bem próximo do endereço anterior, onde se estabeleceu definitivamente, e a outra casa comercial na Rua Luiz Antony n° 331, esquina da Rua Dez de Julho com Alexandre Amorim. 

Inicialmente residiu no andar superior de sua casa comercial “A Renascença”, anos depois passou a residir definitivamente no andar superior da sua casa comercial “Casa Dias”, cuja entrada era pela Rua Alexandre Amorim n° 584.

Avenida Joaquim Nabuco, esquina com a Sete de Setembro (canto do Quintela), vendo-se ao fundo a firma A Renascença, de propriedade do senhor Luciano Marques, hoje Casa do Óleo, e do outro lado o Bar do Sombra, 1920. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Luciano Dias Marques aqui chegando, trabalhou incessantemente de uma forma heroica e algumas vezes abnegada. Neste período não existia a figura moderna do supermercado o que me faz lembrar seus clientes amigos e de confiança, afinal estavam com suas compras anotadas em uma desgastada caderneta do velho fiado para pagar no final do mês. Sua clientela era tão importante que ele era o único a fornecer o rancho mensal do governador do estado que fazia entregar impreterivelmente no Palácio Rio Negro.

Estas verdades históricas resultam do espírito de luta deste bravo lusitano que abria seu tradicional comércio às seis horas da manhã e fechava normalmente às dezenove e trinta. Faz me lembrar também, enormes caminhões que conduziam do porto de Manaus para seu comércio produtos importados do sul do país e naturalmente de Portugal. 

Sua casa comercial tinha um balcão enorme com, pelo menos, oito a dez pessoas para atender, ao lado direito embaixo da escada que subia para o segundo andar onde era a residência, tinha um pequeno escritório, no centro do salão caixas enormes, expondo o bacalhau importado de Portugal. No fundo de sua mercearia havia uma prateleira até o teto com a exposição de vinhos, azeites, azeitonas, panelas e outras iguarias, também trazidas do sul do país e de Portugal. 

Mansão do casal em São Pedro, Arganil (Portugal), onde viviam, alternando entre Manaus, sempre na companhia dos filhos. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

No domingo pela manhã sua casa comercial “A Renascença” abria das sete horas às doze horas. Este depoimento que faço com extremo prazer são lembranças da minha infância, pois, eu morava exatamente do outro lado da rua, cujos principais vizinhos eram a família Jefferson Peres, Moura Tapajós, as irmãs costureiras Mariazinha, a família Said, Sr. Gardon e dona Amália e tantas outras. Luciano Dias Marques, jamais perdeu o contato com Portugal, lá construindo uma elegante residência que ainda hoje pertence à família.

Passando alguns anos e com grande movimento comercial e o progresso da “Casa Dias e A Renascença”, não mais dando conta sozinho da administração das duas casas comerciais, mandou vir de Portugal (por carta de chamada) carta consular da época três primos dele, posteriormente, mais tarde tornaram-se sócios da firma comercial Luciano Marques e Cia Ltda., fazendo sócio também seu filho Augusto Dias Marques. 
Trabalhando muito, vez por outra voltava a Portugal, retornando a sua terra natal Maladão e, comprou terras em São Pedro, Arganil, local este que destinou a construção de sua elegante moradia em frente à Capela de São Pedro, hoje monumento histórico tombado. Local aprazível que contorna a famosa Serra da Estrela, passando a residir deste então alternadamente em Manaus e Portugal, sempre acompanhado de sua família.
Casou-se em segundas núpcias com Laura Pereira Loureiro Marques, natural de Manaus, filha de pais portugueses e que fora criada em Portugal, na Beira Alta até a idade de dez anos, quando retornou a Manaus. Fruto desse casamento nasceu os filhos, Lourenço, Rui Nelson e Maria de Fátima. Sendo pai também de Leontina e Augusto.

Casal Luciano Dias Marques e Laura Pereira Loureiro Marques, pais de Maria de Fátima (Manaus), Lourenço (Manaus) e Rui Nelson (Arganil/Portal). Foto: Acervo da família cedido para Abrahim Baze

Nestas horas de intenso realismo e impulsionado por vontade de trabalhar Luciano Dias Marques não deixou de se abater pelas dificuldades de um imigrante, levou-se em cânticos à vida, em altas sinfonias de muito trabalho para construir dias melhores neste país que lhe deu guarida, concentrou suas aspirações de um trovador jovial e sonhador sempre focado de que somente o trabalho poderia escrever seu nome na história econômica do Amazonas.

Vale a pena lembrar que Luciano Dias Marques aportou em Manaus no período áureo do látex, trazido por um tio que já havia se estabelecido naquela época. Sobrinho de um grande empresário português, proprietário da fábrica de móveis “A Renascença Móveis”, no bairro do Catete na cidade do Rio de Janeiro, onde ficou por algum tempo trabalhando e morando em companhia deste tio. Retornando à Manaus estabeleceu seu primeiro comércio no bairro da Praça 14. Lamentavelmente em nome da modernidade o prédio onde funcionou a “A Renascença” está descaracterizada, cuja obra representou a época o que havia de mais moderno em construção civil.

Este lusitano integrou-se perfeitamente a sociedade portuguesa da época, tendo presidido o Luso Sporting Club no período de 1936 a 1937, cuja administração foi importante no contexto histórico do referido Club, seus familiares guardam com ternura, fortes lembranças das Pastorinhas, Alto de Natal e apresentação de grandes nomes da musicalidade portuguesa que vinham se apresentar em Manaus.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Esta família escreveu de forma indelével o seu nome na economia, na sociedade e na cultura do Estado do Amazonas. Bem haja o nome e a memória de Luciano Dias Marques.

*Informações cedidas por sua filha: Maria Fátima Pereira Dias Marques

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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