O Igarapé de Manaus era ponto tradicional do banho diário, com brincadeiras, reboque de motor, e ainda a Ponte Cabral que, quando o rio secava, fazíamos um pequeno campo de futebol.
Recordar é viver e constato que lá se vão 70 anos, na Avenida 7 de Setembro, esquina com Joaquim Nabuco, local em que morei toda a infância. Eu vi nascer as Casas do Óleo do Sr. Mário Assayag e do Sr. Ambrósio Assayag, que foi grande rede de Supermercados. Naquela época não tínhamos a figura do supermercado, somente pequenas tabernas ou grandes mercearias, como é o caso da ‘A Renascença’, de um grupo de portugueses.
Bem na outra esquina ficava o velho Sombra que vendia somente picolé e sorvetes, cuja produção consistia em um cilindro girando na salmoura. Na outra esquina nós tínhamos o velho Nasser, libanês pai da Charuffe, Osman e outros; o velho Porfírio, que consertava bicicletas; o Marcelinho, único turco em Manaus – confundir turco com libanês é algo imperdoável – e, como meu pai, tinha uma loja de confecção na esquina seguinte. Havia ainda a estância do Cangalha, hoje Casas do Óleo, e também a padaria Frankfurt, de outro português, o Sr. Antônio, que morreu solteiro.
A família Simões – do Grupo Simões – residia na Avenida 7 de Setembro, hoje edificado o prédio Antônio Simões. Nossa juventude mostrava sua alegria na Escola São Francisco de Assis, hoje demolido e que já abrigou há 10 anos o Colégio Objetivo Einstein.
Cine Polytheama, Cine Guarany, também boas lembranças. Em dezembro, na sua passagem de aniversário, o Guarany exibia filmes todas as noites em uma imensa tela na rua. Aos domingos era elegante o Coreto na Praça da Polícia. A banda se apresentava às 16h e passava em círculo na praça, até as 19h. Para a ocasião, vestia-se a melhor roupa e ainda posso sentir o cheiro do algodão-doce e da pipoca que acompanhavam a apresentação.
O Igarapé de Manaus era ponto tradicional do banho diário, com brincadeiras, reboque de motor, e a Ponte Cabral, que liga Avenida à Rua Dr. Almínio. Quando o rio secava, fazíamos um pequeno campo de futebol que sempre acabava em perseguições da manduquinha (polícia) porque era proibido.
Juntava-se a turma do Igarapé de Manaus com a turma da Rua Major Gabriel, para fazermos o campo de futebol na sua margem, onde tinha uma família ilustre, os descendentes do Governador Pedro de Alcântara Bacelar. Ainda posso recordar o Trindade, Isaac Benarrós, Rafael Bacelar, Pedro Bacelar, Antônio Travessa, Ruth Nascimento, Brandão, Jussara Jacob, Clarita, Itaúna, Sandra Lúcia, Álvaro Garcia, Iana, Suely Pinheiro, Fausto, Antônio, Sandra Raposo, Carlos Raposo, José Amorim, Naldir Soares e tantos outros.
E era motivo de orgulho para os meninos enrolarem a maçaroca de linha para brincar de papagaio (pipa) e ficar com atenção redobrada na polícia que marcava o Russo e o Loló, dois primos famosos pela arte de confeccionar papagaios e que até pouco tempo ainda eram bem procurados pelos apreciadores.
A referência das primeiras letras foi no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. No mês de junho era comum passarem pela 7 de setembro os bois Corre Campo e Tira Prosa.
Como complemento de nosso hobby, aproveitávamos os bondes para colocar vidro nos trilhos e moer a fim de fazer o melhor cerol. Para variar, “mocegar” os bondes, o que sempre acabava em acidentes que eram tratados no SSU (Serviço Socorro de Urgência), cujo prédio hoje abriga a Secretaria de Segurança.
E lembro ainda que na Rua Joaquim Nabuco encontrávamos a dona Marieta que, com seus bordados belíssimos, era a mulher mais procurada pelas moças para dar cursos e preparar os mais requintados enxovais.
A Banda de Música da Polícia Militar, tinha ‘O Bumbalá’ na frente como maestro. A “Nega Charuto”, uma mulher que fornecia refeição e corria atrás da molecada quando ouvia o apelido. Como não tínhamos as bandas de revistas que existem, vendia-se ou trocava-se revistas em quadrinhos na porta do Cine Guarany e Polytheama, espalhadas no chão e carregadas aos montes embaixo dos braços.
Novamente o Igarapé de Manaus, com as lavadeiras e suas cacimbas; as carroças do velho Severino, cujos cavalos pastavam no Monte Cristo; Guaraná Baré; Colégio Santa Dorotéia (palco de formação de grandes gerações); Grupos Escolar Barão do Rio Branco, que no passado foi o Consulado de Portugal em Manaus; Beneficente Portuguesa, tradicional Hospital Português, cujas mangas nós éramos fregueses; o prédio da L. B. A. comprado no governo do Dr. Álvaro Maia, hoje reformado e abrigando o Tribunal de Contas do Governo Federal, com suas mangueiras frondosas.
Tinha ainda o Manoel Queijeiro, vendia queijo e manteiga regional, pai do meu amigo Dedé, mais tarde diretor da Escola do SESI. O Quartel dos Bombeiros na Avenida 7 de Setembro, hoje a Fundação Joaquim Nabuco, era um barulho só e as ruas com o tradicional paralelepípedo, cobertos criminosamente com asfalto.
Tudo isso marcou a minha infância e juventude, na esquina da Avenida 7 de Setembro com a Joaquim Nabuco onde nós tínhamos até mesmo um sinaleiro. Esta é a minha Manaus de ontem que em nome do progresso muitas coisas foram demolidas. Vale lembrar a família Pérez, do senador, berço de políticos e homens inteligentes.
Memória – Manaus da Minha Infância. Amazonas Em Tempo. Manaus, 23 de outubro de 1998.
Sobre o autor
Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.
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