O documentarista fotográfico George Huebner no olhar de Andreas Valentin

George August Eduard Huebner nasceu em Dresden na Alemanha, mas se estabeleceu como fotógrafo de destaque na Amazônia.

Fig. 34: Refeição na casa de Huebner; à direita, Theodor Koch-Grünberg, 1911-1913. Legado científico de Theodor Koch-Grünberg. Coleção Etnográfica da Universidade Phillips de Marburg, Alemanha. N°  de inventário KG-H-VIII, 35. Notam-se os quadros na parede: à esquerda, um retrato do Imperador Wilhelm II; ao centro, uma fotografia de palmeiras realizada por Huenber. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

George August Eduard Huebner, nasceu em Dresden na Alemanha, foi o sexto e último filho de Carl Benjamin, negociante de madeiras, e de Marie-Louise, nascida Knoefel. Seu pai comprou uma casa em Blasewitzerstrasse, 11, futura rua Gerokstrasse, um bairro em vias de mudanças onde se estabeleciam carpinteiros e artesões. Lá ele instala sua família e seu comércio. Aluga o primeiro andar a um fabricante de papel fotográfico. 

Não há dados precisos que possam esclarecer os anos de escolaridade e a natureza da orientação profissional de Huebner. É ele um aluno ou um estudante do professor Oscar Schneider, que lecionava no Instituto Freimaurer, um estabelecimento franco-maçônico de educação para rapazes, ou mais tarde, até 1893, na Annen Real Schule. Schneider, naturalista e membro de várias associações eruditas que viajara pelos Bálcãs e Alto Egito, havia adquirido uma certa notoriedade implantando nos ginásios de Saxe as primeiras coleções demonstrativas de geografia humana de cunho pedagógico e publicando na mesma ordem de ideias um Atlas Tipológico. O homem e seu ensino gozavam do respeito dos estudantes, é a Schneider que Huebner dirige suas primeiras cartas e fotografias de campo. E é Schneider que o aconselha e o introduz em um círculo bastante fechado, da Associação Verein Fur Erdkund de Dresden.

Entre 1894 e 1896, a Sociedade de Antropologia de Berlim compra-lhe 60 cópias fotográficas ilustrando a viagem de Lima, Iquitos e Putumayo (Peru). Parte para Manaus, no Amazonas, em fins 1894, de onde empreende duas excursões consecutivas com duração de mais ou menos oito meses, pela região do Alto-Orinoco, em Cassiquiare, São Fernando de Atabapo, São José e pelo Rio Branco, Boa Vista, Fazenda São Marco, Rio Tacutu, com o objetivo principal de coletar plantas, especialmente orquídeas, para um horticultor especializado, J. J. Linden, de Bruxelas (Bélgica), de que ele passa a conhecer um de seus mais renomados membros. Traz consigo, também cerca de quarenta fotografias das localidades visitadas e de retratos dos indígenas Maquiritare, Pauxiana e Macuxi.

Fig. 26b: George Huebner, Rua Municipal. “Album do Amazonas 1901-1902”. Coleção Ana Maria Daou, Rio de Janeiro. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

Nesta oportunidade conhece Arturo Luciani, pintor e fotógrafo de origem italiana radicado em Manaus, autor do álbum ‘O Estado do Amazonas’, publicado em Gênova (Itália), em 1899. Retorna a Dresden em março de 1896, onde Verein Fur Erdkunde, por onde vem a ser nomeado membro correspondente, com o qualificativo de Naturforscher, o convida a fazer uma série de palestras sobre suas duas viagens anteriores. O relato destas viagens aparece em forma de dois artigos no ano seguinte na revista Deutsche Rundschau Fur Geographie.

Entre 1897 e 1898 retorna ao Brasil onde, em primeiro momento, provavelmente contatado por Arthur Caccavoni ou F. A. Fidanza, trabalha para eles em Belém do Pará para fazer fotos que ilustraram o álbum descritivo ‘Annuario do Estado do Pará’, de 1898, de A. Caccavoni. Em seguida, instala-se em Manaus como fotógrafo, onde monta seu atelier ou estúdio com o nome de Photographia Allemã, na Avenida Eduardo Ribeiro. Oscar Dusendschon, agente consular da Itália e futuro Consul da Alemanha em Manaus, adquire cópias fotográficas de suas viagens entre 1888 à 1891 e de 1894 à 1895.

Na virada do século, entre 1901 e 1902, Huebner executa em Manaus diversos trabalhos fotográficos por conta do ateliê de F. A. Fidanza de Belém, relacionados a ilustração do ‘Album do Amazonas 1901- 1902’. Associa-se a Libânio do Amaral, professor do ateliê de artes objetivas da Academia Amazonense de Belas Artes e, inaugura com ele, em 1º de janeiro de 1902, sob a razão social G. Huebner & Amaral, uma nova sede da Photographia Allemã, na Avenida Eduardo Ribeiro, a altura da Rua Henrique Martins. A porta e as janelas do estúdio ocupam o primeiro andar do prédio. A instalação da Photographia Allemã no Centro da cidade traz a Huebner a colaboração oportuna de Carlos Klippgen, fotógrafo que trabalha em Manacapuru, cuja clientela rural frequentava o mercado fotográfico de Manaus.

A partir de 1903, torna-se o primeiro estabelecimento fotográfico de toda Amazônia, inclusive Belém, a editar cartões-postais regionais com o título da empresa G. Huebner & Amaral. Divulgam suas primeiras produções que foram impressas em Dresden, no ano anterior. Esses cartões-postais, os primeiros de um conjunto de aproximadamente 200 temas diferentes, sempre tirados de negativos originais de formato grande, constituem umas das principais fontes de documentação iconográfica sobre Manaus e sua região, entre os anos de 1895 à 1920.  Algumas séries, por exemplo ‘A borracha no Amazonas, Rio Branco, Juruá e Javari’, são muito originais em relação ao restante da futura produção local. 

Em Manaus conhece o etnólogo alemão Theodor Koch-Grunberg, em viagem pelo Rio Negro, com quem manteve correspondência. Em 1904, em excursão no Rio Branco, quando acompanha como fotógrafo oficial o Governador do Estado do Amazonas, Constantino Nery, visita a região e seu trabalho transforma-se na publicação do álbum ‘O Vale do Rio Branco’, em 1906.

 Photographia Alemã, de G. Huebner & Amaral. “A mais antiga e afamada da cidade”. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

Já em 1906, G. Huebner & Amaral retomam por conta própria e renovam o prestígio do ateliê fotográfico em Belém do Pará de Felipe A. Fidanza, falecido anos antes. Reinaugurado em 29 de abril, o estabelecimento preserva seu nome de Photographia Fidanza, porém está claramente especificado como sendo a filial do Pará da Photographia Allemã de Manaus, sendo gerenciando por Paul Erbe, um dos empregados de Huebner e Libânio.

O Professor Doutor Andreas Valetin, na sua obra ‘A fotografia Amazônica de George Huebner’, assim destaca:

“[…] Quando George Huebner vislumbrou pela primeira vez Belém, Manaus e Iquitos, as cidades da borracha, em meio à floresta amazônica a fotografia já havia se tornado prática comum nos ambientes urbanos e evoluído tecnopsicologicamente, permitindo a produção e a circulação de imagens de lugares remoto e povos remotos. A trajetória do viajante, fotografo cientista saxônico deve ser compreendida como parte de um processo maior, inserida no desenvolvimento científico social e artístico da prática fotográfica e mais, especificamente em Dresden sua cidade natal.

Dresden tornou-se conhecida em toda a Europa por seu estímulo às artes, materializando-se na coleção de pinturas, esculturas e objetos formada ao longo de vários seculos pelos príncipes eleitores em especial Friedrich August I (1670-1733), e seu filho Friedrich August II (1696-1763), que ser tornaram também reis da Polônia esse propuseram a elevar a cidade ao status de capital imperial europeia. Eles conceberam aquela que hoje é conhecida como A Galeria de Pinturas dos Antigos Mestres. Trata-se não só de um dos mais completos acervos de arte europeia, como também de um dos primeiros a serem disponibilizados para o público, recebendo visitantes ilustres de toda a Europa. Em 1768 Goethe descreveu em Poesia e Verdade sua profunda emoção ao percorrer pela primeira vez os salões brilhantes e repletos de grandes emolduradas em ouros. Em 1855 a coleção foi transferida para um complexo novo, projetado por Georfried Semper, arquiteto da corte e responsável também pelo prédio da ópera de Dresden”.

Fonte: VALENTIN, Andreas. A Fotografia Amazônica de George Huebner/Andreas Valentin – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2012. Pág.: 29 e 30.

Fig. 26d:George Huebner, Av. Eduardo Ribeiro, Cartão Postal, c.1920. Acervo Museu da Imagem e do Som do Amazonas. Repara-se o erro de grafia, “Avenido”, indicando que a tiragem possa ter sido realizada no exterior. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

Transcorria o ano de 1910. Por ocasião do Congresso Comercial, Industrial e Agrícola, realizado em Manaus, de 22 a 27 de fevereiro, a Associação Comercial do Amazonas concede uma medalha de ouro à Photographia Allemã por suas fotografias mostrando a extração da borracha e seu acondicionamento. Por medo da concorrência perversa daquele período de resseção do mercado de látex, G. Huebner & Amaral vendem sua filial Photographia Fidanza de Belém do Pará, a Max Mauksch, o antigo empregado de Huebner que desejava se estabelecer por conta própria e planejava abrir seu próprio ateliê em Manaus. Consequentemente, Amaral e Erbe viajavam ao Rio de Janeiro para adquirir um estúdio fotográfico em substituição ao de Belém. A nova filial, G. Huebner, Amaral & Cia., abre seu novo estúdio na Avenida Rio Branco, 128, Edifício d’O Paiz, e se especializa em fotogravura. Novamente Amaral e Erbe assumem a direção do novo empreendimento.

No decorrer do ano de 1912 novos projetos haveriam de vir.  Huebner e Amaral realizam um curta-metragem, ‘As Entradas e Saídas das Matinées do Cinema Rio Branco’, apresentada em Manaus no dia 6 de maio daquele ano. Huebner adquire à Rua Cearense próximo a linha do bonde que leva ao Bairro da Cachoeirinha, um terreno de expressivo tamanho e bastante arborizado com a intensão de plantar frutas e legumes e uma plantação de botânica.

A produção era intensa, pois em 1913, em Lisboa, Portugal, era publicado o ‘Annuário de Manáos de 1913-1914’, um grosso volume de 304 páginas, subdividido em sessões, cuja maior parte das fotografias são de G. Huebner e Amaral. Algumas são creditadas individualmente outras creditadas em bloco, trabalho realizado a pedido do Dr. Jorge de Moraes, e outras de caráter publicitários creditados raramente. A partir dessa publicação consagra um pleno conhecimento da Photographia Allemã, visto que várias decorrerão antes que tais álbuns ilustrados viessem novamente atualizar a recordação histórica, institucional e comercial da cidade de Manaus.

Outro fato importante foi sua decisão, achando ser um empreendimento puramente imediatista, de declinar do convite que lhe fora feito de juntar-se como fotógrafo profissional com as despesas de viagens pagas na comitiva de oficiais e de jornalistas que haveriam de acompanhar o Presidente Americano Theodore Roosevelt na excursão à Estrada de Ferro Madeira Mamoré, em Rondônia.

Homem extremamente comprometido com a natureza, compra uma pequena lancha a motor com seu amigo Paul Schlee e faz excursões nos rios dos arredores de Manaus com a finalidade de coletar orquídeas para sua plantação. Neste período, Manaus vivia a extrema queda do látex, o comércio dava-se início à queda e ausência de clientes. Huebner sente os efeitos desse marasmo financeiro generalizado e é levado a reduzir suas despesas de locação do seu estabelecimento comercial. Ele sai da Avenida Eduardo Ribeiro n° 23, que pagava à época 600.000 mil reis de aluguel mensal, e instala-se no nº 88, próximo ao Cine Teatro Odeon, prédio hoje demolido que á época encontrava-se o ‘Jornal e Diário da Tarde’, onde aluga o primeiro andar por 400.000 mil reis.

Fig.33: George Huebner, “Sr. Moers”, 1913. Formato cartão cabinet. Legado científico de Theodor Koch-Grünberg. Coleção Etnográfica da Universidade Phillips de Marburg, Alemanha. No verso há uma dedicatória: “Ao Dr. Koch-Grünberg, lembranças de Manáos. 26-3-913 (ass.) Moers”. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

Já no ano de 1918, a gripe espanhola assolava o Brasil inteiro e Manaus principalmente, que passa a vigorar o estado de calamidade pública. Somente no Centro da cidade, registra-se mais de dois mil óbitos em quatro meses. O Bairro de Cachoeirinha, onde residia, foi praticamente dizimado em consequência do prolongamento da guerra. Os negócios de G. Huebner, Amaral & Cia na cidade do Rio de Janeiro caminhavam relativamente dando lucro, mas em 1915 começa o declínio empresarial da Photographia Allemã

Entre 1919 e 1920, George Huebner e Libânio do Amaral encerram suas atividades comerciais e vendem o estabelecimento de Manaus, comprado por um de seus empregados, o fotógrafo brasileiro João Corrêa, fato significativo para a reputação empresarial à época. João Correa, depois com seu filho Ornam Bugálio Correa, continuaram a trabalhar até 1924, usando a logomarca Photographia Allemã.

[…] Ainda na obra a Photographia Amazônica, de George Huebner do Professor Doutor Andreas Valentin, ele destaca: É possível identificar influências românticas na produção e no pensamento de Huebner, explicitadas tanto nos aspectos pictóricos em algumas de suas fotografias de paisagem amazônicas, como também em seus escritos. Ele dedica trechos de seus primeiros artigos à exaltação da natureza:

“A própria foz era uma grande cachoeira de aproximadamente 15 metros de altura, dividida ao meio por uma ilha de pedras repleta de plantas. Quão maravilhoso era esse espetáculo da natureza e como eu lamento não ter podido tirar uma fotografia desse lugar”. Ou, ainda, na sua constante preocupação com o extermínio dos povos nativos, ressaltada nas cartas enviadas à Koch-Gruberg e que será tratada mais fundo no terceiro capítulo”.

Fonte: VALENTIN, Andreas. A Fotografia Amazônica de George Huebner/Andreas Valentin – Rio de Janeiro: Nau Editora, 2012. Pág.: 31 e 32.

Fig. 4a: Jacques Burkhardt, “Brazilian Landscape: Manaos”, 1865. Aquarela sobre papel. Acervo Museum of Comparative Zoology Library, Harvard University. Reproduzido de BELLUZO, 2000. Foto: Reprodução/’A fotografia amazônica de George Huenber’, de Andreas Valentin

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

1° do Norte: autor amapaense Gian Danton recebe principal título dos quadrinhos no país

Com mais de 30 anos de carreira, Gian Danton consolida posição de Mestre do Quadrinho Nacional entre os principais nomes do país. Título é considerado o mais importante do Prêmio Angelo Agostini.

Leia também

Publicidade