Um século e meio iniciando homens livres e de bons costumes.
A Instituição Maçônica, cuja, origem é motivo, ainda hoje, de paciente perquirição, ensejando as mais diversas opiniões muito especialmente das pessoas que não à conhecem. Todas elas, porém demonstrando o caráter universalista da ordem, sempre se constituiu em tema apaixonante da apreensão da inteligência humana.
Difícil, por certo, será a sua conceituação uniforme, uma vez que o seu processo de expansão e evolução acompanha os fatos que se desenrolam entre os homens, gerando as motivações civilizadoras. Podemos afirmar também que a maçonaria é uma instituição universal inspiradora da mais perfeita tolerância pelas crenças individuais.
Nos momentos mais inquietantes que o mundo atravessa de guerras como a que ocorre agora entre Rússia e Ucrânia, tumultos de paixões, campanha de descrédito, busca incessível de riqueza, luxo desvairado, conflito violento de ideias, a maçonaria, possui um vasto campo moral para todas as dores e aflições. Sem dúvida é ela, uma instituição que ensina o valor eterno dos princípios da cultura humana e individual, independente dos lugares e das épocas, proporciona aos indivíduos, a noção clara e certa da solidariedade, do amor, do direito, da justiça e da liberdade.
Adotando desde os seus princípios a trilogia de liberdade, igualdade, fraternidade, tem consagrado na luta dos povos oprimidos a sua maior ação. É de fato uma instituição universal, filosófica e humanitária demonstrando dessa forma que é um organismo sempre em desenvolvimento e em condições de contribuir para o bem da humanidade.
Os maçons devem saber qual caminho a seguir, diante das convulsões que surgem em todo mundo, diante dos entre choques de interesse, diante das doutrinas materialistas, diante das intransigências e das ambições incontroláveis, diante da opressão a liberdade, diante dos problemas sociais que afligem o homem, diante das perseguições e das injustiças, diante dos abusos que abalam a família e civismo, enfim, de toda tentativa de transformar o homem em lobo do próprio homem.
A criação da primeira Loja
É sabido nesse contexto que o império brasileiro naquele período implantava no país uma política de desenvolvimento, que pudesse abranger todas as Províncias, inclusive a do Amazonas que já havia alcançado depois de tantas revindicações, a sua autonomia em 1850.
Por certo que o desenvolvimento, no conceito moderno, não se processa por intermédio de medidas esporádicas e isoladas, mas, pela adoção de atos e procedimentos preestabelecidos que possam se construir num conjunto de instrumento que alcance seu objetivo.
Não foi sobre esse prisma técnico inexistente a época, que o governo monárquico daquele período procurou acelerar depois de 1871 a sua política de desenvolvimento, cujo propósito era garantir com os recursos que dispunha a integridade do território nacional, com elevado sentido de que a mesma política de desenvolvimento ocorresse num clima de tranquilidade social e de justas aspirações
Foi assim, naquele período que se plantou a semente benfazeja no Amazonas, quando inicialmente obreiros da arte real, vindos de outros rincões, persuadidos de sua missão em plena floresta amazônica e inflamados pelo ideal da verdadeira luz, decidiram iniciar a pregação de um sistema filosófico que pudesse congregar e aprimorar o caráter humano neste lugar tão distante.
Estes homens livres e de bons costumes lançaram-se na caminhada, nada obstante as dificuldades em se encontravam, fundaram no dia 6 de outubro de 1872, a Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1, e que podemos afirmar que foram impregnados pela fé e pelo ardor dos grandes enviados.
O nosso espaço territorial ainda não apresentava dos últimos anos daquele período, com motivações urbanísticas ou econômicas que atraíssem o interesse de populações de outras plagas, somente adquirindo melhores feições a partir do governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro muto bem retratado na obra do escritor acadêmico Robério Braga. Eduardo Gonçalves Ribeiro com sua enorme visão administrativa criaria na cidade de Manaus, um ambiente propício a sua desenvoltura.
Apesar da ausência dessas motivações, os iluminados obreiros da Arte Real residentes em Manaus deliberaram instalar uma Loja Maçônica e assim, o fizeram com entusiasmos de grandes espíritos iluminados que foram capazes, somente eles foram capazes, de constituir esta obra de um século e meio.
O registro memorável deste fato histórico:
[…] Aos seis dias do mês de outubro de mil oitocentos e setenta e dois, achando-se reunidos em lugar oculto às vistas profanas, a convite dos irmãos Leopoldo e Cavalero, os maçons regulares e domiciliados neste vale de Manaus, capital da Província do Amazonas, o Coronel Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza, o Capitão João Inácio de Oliveira Cavalero, o Tenente Diretor dos Educandos Artífices Leopoldo Francisco da Silva, o Major Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, o negociante José Teixeira de Souza, o Doutor João Pedro Maduro da Fonseca, Raimundo Gomes Ferreira Bentes, Pedro Henrique Cordeiro, João Clemente Ribeiro Batista, João Batista Gonçalves e Teófilo de Oliveira Conduro; e representados por seus diplomas o Capitão de Fragata Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso, o negociante José Coelho de Miranda Leão e o Coronel Comandante das Armas João do Rêgo Barros Falcão, foi proclamado Presidente ad-hoc o irmão Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza, que em seguida, nomeou, para secretário ad-hoc o irmão Leopoldo. O irmão Presidente tendo declarado que o fim da reunião era para instalar-se uma Loja Maçônica que tanta falta fazia neste vale, convidou aos irmãos para apresentarem seus títulos, pelos quais apresentados e confrontados, foram registrados como se verá do Quandro dos Irmãos Instaladores.
Em seguida o irmão presidente convocou a Assembleia para se formar o Corpo da Loja Provisória, que tem dirigir os trabalhos até a sua regularização; sendo aprovado, convidou aos irmãos para elegerem os Oficiais e Dignidades e assim se procedeu a eleição da maneira seguinte: recolhendo-se onze listas foi eleito Venerável o irmão João do Rego Barros Falcão com onze votos; seguindo-se a eleição para 1º vigilante, recolhendo-se onze listas, obtiveram, dez votos os irmão Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães e um voto o Irmão Tibúrcio; seguindo-se a eleição para 2° vigilante e recolhendo-se onze listas, obtiveram nove votos o irmão Maduro, um o irmão Tibúrcio e um irmão Teixeira, seguindo-se a de Orador, obtiveram dez votos, o irmão Tibúrcio e um voto o irmão Leopoldo; seguindo-se a de Secretário, e recolhendo-se onze listas, obtiveram, nove votos o irmão Leopoldo e dois votos o irmão Cavalero, neste volto apresentou-se munido de seu diploma Marçal Gonçalves Ferreira; seguindo-se a de Tesoureiro e recolhendo-se doze listas foi eleito com seis votos o irmão José Coelho de Miranda Leão, com quatro votos o irmão Marçal e com dois votos o irmão Teixeira; procedendo-se a eleição para hospitaleiro, tendo-se recolhendo doze listas, obtiveram seis votos o irmão Marçal e seis votos o irmão Pedro Henrique Cordeiro, os quais empatados, a sorte decidiu a favor do irmão Cordeiro, e isto por deliberação da Assembleia; seguindo a de Mestre de Cerimonia, recolheu-se doze listas e tiveram, onze votos o irmão Cavalero e um voto o irmão Bastos; procedendo-se a de 1° Experto, para o que recolheram-se doze listas, obtiveram seis votos o irmão Marçal, cinco o irmão Batista e um voto o irmão Bastos; procedendo-se a de 2° Experto recolheram-se doze listas e forma eleitos com setes votos o irmão Couto, com quatro o irmão Batista e com um o irmão Bastos; seguindo-se a de 1° Diácono e recolhendo-se doze listas, obtiveram, cinco votos o irmão Batista, quatro o irmão Bastos e três o irmão Bentes; seguindo-se a do 2° Diácono, tendo-se recolhido doze listas, tendo votado com nove votos o irmão Bastos e com três votos o irmão Bentes; seguindo a de Chanceler Arquivista, sendo recolhido doze listas, foi eleito com doze votos o irmão Nuno Alves Pereira de Melo Cardoso; e finalmente, procedendo-se a de Arquiteto, sendo recolhido doze listas, foi eleito com dez votos o irmão Bentes e dois o irmão Cardoso.
Assim foi feita a eleição, foram proclamados Venerável o irmão João do Rêgo Barros Falcão, 1° Vigilante o irmão Gabriel, 2° Vigilante o irmão Dr. Maduro, Orador o irmão Tibúrcio, Secretário o irmão Leopoldo, Tesoureiro o irmão Miranda Leão, Hospitaleiro o irmão Cordeiro, Mestre de Cerimônia o irmão Cavalero, 1° Experto o irmão Marçal, 2° Experto o irmão Couto, 1° Diácono o irmão Batista, 2° Diácono o irmão Bastos, Chanceler-Arquivista o irmão Nuno Cardoso, e Arquiteto o irmão Bentes e concluída a proclamação o irmão Presidente convidou aos eleitos a tomarem seus lugares, passando a exercer o lugar de Venerável o irmão 1° Vigilante por não achar-se presente o irmão Venerável. O irmão Leopoldo ponderou, que tendo se formado o Corpo da Loja, precisava batizá-la e sendo aprovado, o irmão Leopoldo propôs que se denomina-se Loja Esperança, porquanto tendo ele sido um dos instaladores da Loja Fé no Vale do Paraguai, desejava seguir a ordem das virtudes teólogas. O irmão Tibúrcio propôs que se denomina-se a Loja Porvir, o irmão Conduru propôs à de serem apresentados dois nomes, era da opinião que o Título e Distintivo da Loja fosse Esperança e Porvir, sendo posta a votos foi aprovada. O irmão Tibúrcio propôs para que se nomear-se uma comissão para organizar os Estatutos internos da Loja, posto a votos foi aprovado. O irmão 1° Vigilante servindo de Venerável, nomeou a Comissão composta dos irmãos Tibúrcio, Maduro e Teixeira para formularem o projeto dos Estatutos internos da Loja. Por achar-se ausente o irmão Venerável João do Rego Barros Falcão, o irmão Gabriel ordenou o irmão Secretário para comunicar-lhe a sua eleição e para ele designar-se lugar e marcasse dia e hora para nossa 2° sessão preparatória. E nada mais havendo a tratar-se retiramo-nos em paz.
Abolição dos escravos no Amazonas
Entre tantos feitos da Maçonaria no Amazonas, destacamos a Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir e n°1 e Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas n°2. Em março de 1880, fundaram a “Sociedade Emancipadora Amazonense”, cujos fundadores foram: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, Miguel Gomes de Figueiredo, José Coelho de Miranda Leão, José de Lima Penantes e Augusto Elísio de Castro Fonseca.
Por influência de maçons, no seio da Assembleia Provincial, desde o ano de 1880 a 1884, todos os orçamentos consignavam dotações específicas, na lista de suas despesas, destinada a libertação, cujas, cartas de alforria eram entregues sempre em festas solenes para maior retumbância do acontecimento. Por disposições legais dificultavam-se a entrada de escravos no território amazonense. Por isso, taxas pesadas eram decretadas. O tributo de averbação por vendas de escravos tornou-se mais fácil para se evitar que tais negociações continuassem. Rara era a festa, regozijo publico ou particular que não fossem marcadas com a entrega de carta de alforria.
No ano de 1884 A Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança n.1 e a Grande Benemérita Loja Simbólica n.2 foram as que mais desenvolveram suas ações abolicionistas. Maçons dessas duas lojas seriam os autores da Lei de 24 de abril de 1884, que consignou a quantia de 300 contos de reis, dentro de um orçamento de 2.500 contos de reis para a compra de alforrias e ao mesmo tempo, proibir a entrada de novos escravos na Província do Amazonas. Buscando um fortalecimento ainda maior para seus ideais, fundaram também a “Sociedade Libertadora 25 de março e o Órgão de Imprensa o” Abolicionista Amazonense que tinha finalidade promover a repercussão da opinião.
Vários foram os maçons que se destacaram nesse movimento emancipador, entre eles destacamos: Carlos Gavinho Viana, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, Antônio Dias dos Passos, Deocleciano Justo da Mata Bacelar, Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, Maximiliano José Roberto, Gentil Rodrigues de Souza, João Carlos Antony, Pedro Ayres Marinho, Antônio Hosannah de Oliveira, Francisco Publio Ribeiro Bittencourt e Antônio Pôncio de Leão. No dia 10 de julho de 1884, foi decretado por um maçom que governava a Província do Amazonas, o Dr. Theodoreto Carlos Faria Souto, a extinção da escravidão.
Sobre o autor
Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista