Coronel Joaquim Francelino de Araújo, nas brumas do esquecimento

Um maçom fez sua história no Amazonas.

O Coronel Joaquim Francelino de Araújo nasceu no Ceará a 12 de março de 1851, sendo seu genitor o Coronel Francisco de Araújo. Fez seus estudos primários na cidade de São Bernardo daquele Estado e os preparatórios no Seminário de Fortaleza.

Aos 18 anos de idade partiu para o Rio de Janeiro, matriculando-se na Escola de Farmácia do Rio de Janeiro, onde diplomou-se. Após a formatura, ali permaneceu por três anos se dedicando aos afazeres de sua profissão. Regressando ao Ceará, passou a trabalhar no comércio e em outras atividades no interior, estabelecendo-se na cidade de Camocim e em seguida para a cidade de Viçosa. Casou com a senhora Clotilde Bevilaqua, irmã dos doutores Clóvis Bevilaqua e Angelino Bevilaqua. Deste casamento o casal trouxe ao mundo os filhos Albérico Bevilaqua de Araújo, Albecassis Bevilaqua de Araújo, Maria Araújo e Elidiana de Araújo Menezes, casada com Celino Menezes.

Em 1884, transferiu-se para Manaus e aqui abriu a Farmácia Central, esquina da antiga rua do Imperador, atual Marechal de Deodoro, com Theodoreto Souto, na qual trabalhou até 1900.

O Coronel Joaquim Francelino de Araújo ingressou na politica, filiando-se no Partido Nacional, dirigido a época pelo doutor Jonathas Pedrosa, tendo sido um político combatente e de grande atividade. Deixando a farmácia, foi nomeado Depositário Público. Em 1913, exerceu o mandato de vereador em Manaus. Em 1916, retirou-se do Amazonas, indo trabalhar nos escritórios da Empresa Port of Pará.

Coronel Joaquim Francelino de Araújo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

“Quem quer que ainda creia nos altos desígnios do homem sobre a face da terra; quem quer que ainda não tenha todo descrito da ação civilizadora nos destinos da humanidade; quem quer ainda não se tenha tornado em absoluto indiferente ao movimento regenerador que as conquistas do espírito humano vão operando no mundo, limpando – o dos preconceitos religiosos, libertando – o dos prejuízos políticos; quem quer que ainda se sinta agitado pelos superiores ideais de direito e de justiça; quem quer que ainda tenha alma para crer, coração para sentir – não pode deixar de se descobrir reverente e atencioso numa saudação que traduza respeito e consideração, antes a personalidade simpática desse homem que é a mais completa encarnação da bondade, no que ela contém de mais suave e de mais carinhoso, de mais belo e de mais sublime, de mais meigo e de mais angélico.

Nestes tempos de intensa vida e de desamor, em que por assim dizer o homem, no conjunto de todas suas faculdades, absorvido no dia a dia pela busca da sobrevivência que o domina por inteiro, não saindo do seu egoísmo se não para se mover na direção que lhe é indicada pelos seus interesses individuais, constitui um caso raro digno de menção, encontrarmos alguém com muita resignação para sofrer e com uma grande soma de bondade para com o próximo, com alma de crente sincero pairando mais alto por cima das mazelas sociais, com uma convicção profundamente inabalável de que a principal missão no seio das sociedades, a que mais o honra e lhe dá nobreza, a que mais engrandece exalta e dignifica é a prática do bem”.

Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1. Foto: Abrahim Baze/Acervo Pessoal

Fazer o bem eis em que consiste a religião de Joaquim Francelino de Araújo. Maçom atuante e um espírita convencido que somente a caridade o aproxima de Deus. Alquebrado pelos embates da diversidade da vida do que pelo peso dos anos vividos. Ele Joaquim Francelino de Araújo vai calmo, sereno, atravessando a existência firme na sua consciência tranquila de homem probo, apoiado na firmeza de seu caráter, sem as humilhações degradantes dos subservientes e nem tão pouco as revoltas histéricas dos libertinos, mas como simples e sincero apóstolo de uma religião que prega a paz, o amor e a caridade, trazendo consigo o espírito iluminado que lhe enche a alma generosa e boa.

Por toda sua vida caminhou alheio às grandezas e as vaidades mundanas, sem vícios que lhe pudesse corromper a sua existência, sem ambições desmedidas que o torne hipócrita e cruel, tem o culto extremado da família, cujo lar tranquilo e modesto, porém, honrado e alegre considerado por ele um templo sagrado, cuja, vida como esposo e como pai, nunca se desviou se quer uma linha, nem mesmo em pensamento, do rigoroso cumprimento dos seus deveres. Foi sim um exemplo de modelo e de virtudes.

Se como chefe de família a sua conduta foi exemplar, como maçom dedicado e espírita por convicção teve uma vida irrepreensível. Considerado um homem de elevada alma nobre, mais sábia e sublime que a que presidiu a organização da maçonaria à época. Como maçom esteve intimamente convencido de que a maçonaria é a obra mais completa que o homem produziu e de que, como Instituição humana dispõem melhor do que qualquer outra de todas as instituições precisas para tornar o homem feliz, levantando-lhe o moral, refretando-lhe os instintos, desembaraçando do fanatismo religioso, tornando – o bom e justo, tolerante e sociável, sem ódios a satisfazer, sem vinganças a pôr em prática, pronto a qualquer sacrifício em proveito da liberdade e da justiça, onde quer que os tiranos tentem ofuscar o espírito humano – ou seja em nome das religiões ou da política, fundando definitivamente na face da terra o regime da paz e da fraternidade.

A maçonaria lhe consagrou o melhor de sua existência. A seu serviço constante, ininterrupto, todos os dias empregou a sua atividade de forma incansável crente e fervoroso sem desanimar, mesmo quando o peso da fadiga lhe abatesse, sem jamais desertar ou abandonar a jornada.

Templo da Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1 à época. Foto: Abrahim Baze/Acervo Pessoal

Por um longo período durante todas as noites trabalhou nas diversas oficinas do oriente de Manaus, dando salutar exemplo de uma dedicação sem limites, de uma correção irrepreensível, ensinando os neófitos, aconselhando os inexperientes, a todos carinhosamente envolvendo no manto augusto de sua bondade inesgotável. Sem ser um grande orador, sem pretensões a ser dono da palavra, contudo agrada sempre ouvi-lo falar, não pelos rasgos da eloquência, pela pompa das imagens, mas pelo alto cunho de sinceridade e convicção que dá as proposições que anuncia aos conceitos que emite a apologia que faz de tudo o que diz respeito as Instituições Maçonaria. Como seguidor fidedigno do espiritismo de Alan Kardec ele falava como vidente, como iluminado e se vê que fica em êxtase, numa visão paradisíaca, na contemplação mística de beleza celestial, de tal maneira se lhe apresentam ao espírito as sublimidades dos princípios maçônicos.

Foi um dos sustentáculos mais fortes e mais dignos da sublime instituição maçônica amazonense, que lhe deve inestimáveis serviços, embora seu nome não seja lembrado nas lojas dos dias atuais.

No dia 17 de dezembro de 1893, às sete horas no salão de honra no edifício da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas, com a presença do Sr. Governador do Estado Eduardo Gonçalves Ribeiro, Alberto Leal e Joaquim Francelino de Araújo presidiu a comissão encarregada de representar a Benemérita e Beneficente Loja Maçônica Esperança e Porvir, na inauguração do referido hospital.

Ele foi um dos membros fundadores da Sociedade de Propaganda Espírita, criada em Manaus em janeiro de 1901. A Sociedade tinha por fim o estudo, a difusão do espiritismo e a prática da caridade. Neste mesmo ano ele assume a diretoria na função de tesoureiro. Em 1902, novamente aparece na diretoria como segundo vice-presidente. Em 1904, foi criada a Federação Espírita Amazonense e Joaquim Francelino de Araújo novamente toma parte da diretoria na função de tesoureiro.

Foi iniciado maçonicamente no dia 24 de agosto de 1889, na Benemérita Loja Capitular Amazonas, no oriente de Manaus, nessa oficina exerceu o cargo de secretário durante cinco anos consecutivos e o de venerável mestre ao longo de doze anos seguidos e tendo prestado os mais relevantes serviços a esta oficina. A partir de 1909 e por um longo período foi o seu orador. A referida oficina concedeu – lhe o título de Benemérito e Remido. Foi – lhe concedido o título de Benemérito e Membro Honorário da Assembleia Geral do Grande Oriente do Brasil e do Grande Capítulo dos Noachitas, Benemérito das Lojas Esperança e Porvir e Fraternidade Amazonense, filiando-se nas Lojas Conciliação Amazonense, Rio Negro, Deus Lei e Perseverança e das Lojas Aliança, no Oriente de Canutama e União Paz e Trabalho no Oriente de Parintins. Foi membro honorário do Supremo Conselho do Brasil, foi um dos fundadores da Loja Capitular Fraternidade Amazonense e um dos instaladores do Consistório.

Fonte: Boletim Maçônico. Ano n ° 3, dezembro de 1924. Pág. 3. 

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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