Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo: um português na economia do Amazonas, uma história a ser contada

J.G. Araújo viajou para o Amazonas aos 11 anos, com o consentimento de seus pais e atraído pelas informações de outros imigrantes que aqui já estavam.

Fachada da empresa de JG Araújo frente pela Avenida Eduardo Ribeiro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Enquanto as companhias inglesas concessionárias de serviços públicos e das empresas alemãs, britânicas e francesas dominavam o comércio exportador de látex (Dusendschon, Zarges & Cia, Adelbert H. Alden, Gordon & Cia, Delagotellerie & Cia), indiscutivelmente as firmas portuguesas comandavam o comércio interior de aviamentos e recebimentos de látex.

Esse fato passou a tomar maior importância e relevância após do declínio do látex, a partir de 1910, quando nesta oportunidade ingleses, alemães e franceses deram início ao fechamento de seus estabelecimentos comerciais. Nesse momento, as empresas portuguesas que já vinham atuando a bastante tempo assumiram a liderança da economia regional como aviadores, armadores, recebedores, exportadores de látex, comerciantes atuando no atacado e no varejo, tornando Manaus um grande empório mercantil nas primeiras décadas deste século.

Fachada da empresa de JG Araújo frente pela Rua Marechal Deodoro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Samuel Benchimol na sua obra Manáos-Do-Amazonas: Memória Empresarial.

Já vimos que, a maior parte deste estabelecimentos eram identificados pela inicial da letra Jota, de José, Joaquim e João, conforme relação mencionada mais adiante. No entanto, nenhum deles teve a projeção e a importância de J. G. Araújo (Joaquim Gonçalves de Araújo), o maior dos Jotas. Nenhum deles foi tão grande nem durou tanto tempo como a firma J. G. Araújo, que marcou a paisagem urbana de Manaus e do interior, desde 1877, tornou-se um império nos anos 20, 30 e 40, entrou em decadência na década dos anos 50 e viria a desaparecer, tragicamente com o grande incêndio de outubro de 1989, que destruiu seus armazéns que praticamente ocupavam a maior parte do quarteirão das ruas Marechal Deodoro, Quintino Bocaiuva e Eduardo Ribeiro.”

Em 1883, entraram para sócios da casa, Francisco Leite da Silva e Otelo de Sá Antunes. O crescimento da empresa adquiriu grande impulso em 1895, ao comprar os ativos da Firma Rodrigues Vieira & Cia., que, nesse tempo era a maior importadora da Praça de Manaus. Com essa aquisição foi fundada uma nova Firma Araújo Rosas & Cia., para qual entrou novo sócio João Marinho de Campos. Este e mais tarde os sócios Francisco Leite da Silva e Otelo de Sá Antunes saíram da empresa em 1899, ao se fundirem as duas firmas Araújo Rosas & Cia., e, Araújo Rosas & Irmão e no ano de 1904, passaram a ter a denominação de J. G. Araújo e depois J. G. Araújo & Cia. Sob esta nova denominação e com a expansão dos negócios da borracha, a empresa cresceu consideravelmente, tornando-se grande empório fornecedor e aviador de mercadorias para o interior do estado e consequentemente, grande recebedor de borracha dos seringalistas seus aviados, concorrendo co outras organizações como os Armazéns Andressen S. A., B. A. Antunes & Cia., Tancredo Porto & Cia., B. Levy & Cia.

Fonte: BENCHIMOL, Samuel. Manáos do Amazonas: memória empresarial. Manaus, 1994. Edição do Governo do Estado do Amazonas – Associação Comercial do Amazonas. Pág. 8.

Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo, conhecido como J.G. Araújo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Com a retirada das principais firmas estrangeiras exportadoras, tinha início a grande crise, a empresa J. G. Araújo começa diversificar suas atividades comerciais, com as sessões especializadas: estivas, ferragens, fazendas, drogaria, panificação, distribuição de combustíveis e depois no setor industrial de beneficiamento com lavagem do látex e seus artefatos produzindo saltos e solados de sapatos com a marca Coroa, também, com serraria, criação de gado, cultura da juta, onde passou a atuar como principal fornecedora dos anos 20, 30, 40 e 50.

Temos que destacar, que outras empresas neste mesmo período também sobreviveram agrande crise, tais como: B. Levy & Cia, Marius & Levy, J. S. Amorim & Cia, J. A. Leite & Cia, J. Rufino & Cia, J. Soares, Moares Carneiro & Cia, Symphronio & Cia, J. Tadros, etc. Com a chegada da Segunda Grande Guerra, essas empresas citadas desapareceram.

Caminhão da empresa J.G. Araújo descarregando borracha no Porto de Manaus. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Em meados da década de 20, a empresa passou por uma reorganização em sua sociedade, pois o Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo passou a tratar a empresa com a denominação de J. G. Araújo & Cia Ltda., sendo admitido como sócios seus dois filhos: Agesilau de Araújo, que assume a direção da empresa; e o Dr. Aluísio Araújo, engenheiro que projetou atual sede da Associação Comercial do Amazonas (ACA) e do Atlético Rio Negro Clube. Porém, neste momento, sai da sociedade a esposa do Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo, a senhora Maria Adelaide, e sua filha Aleth de Araújo. A outra filha, Adelaide, não participava da vida comercial da empresa por ser religiosa de uma ordem católica em Portugal.

O Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo nasceu no dia 14 de fevereiro de 1860, em Portugal, no Conselho de Póvoa de Varzim. Foram seus pais o lavrador Joaquim Gonçalves de Araújo e dona Maria Gonçalves de Araújo. Ainda jovem, com a tenra idade de 11 anos, viajou para o Amazonas com o consentimento de seus pais e atraído pelas informações de outros imigrantes que aqui já estavam. 

Casou-se em Manaus à 11 de fevereiro de 1893, com Maria Adelaide da Silva, filha do Dr. Agesilau Pereira da Silva notável advogado e jurista que mais tarde foi Presidente da Província do Amazonas.

Casamento do Comendador Agesilau de Araújo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O Professor Agnello Bitencourt, na sua obra ‘Dicionário Amazonense de Biografias – vultos do passado’, destaca:

“Em 1909 a prefeitura municipal de Manaus atravessava a crise do lixo, pois não havia para onde sacudi-lo, se não nos arrebaldes distantes, mesmo assim, uma nuvem de moscas e terrível fétido invadiam a cidade. J. G. Araújo vai aquela autoridade oferecendo-se na qualidade de importador, para mandar buscar na Inglaterra, um forno crematório automático, isto e, alimentado pela própria combustão do lixo. Tudo posto em Manaus, pelo preço da fábrica, sem mais ônus para o Governo Municipal, não indo o seu custo além de quarenta conto de reis. Foi fechado o negócio e ainda com a obrigação de a fábrica mandar um técnico para assistir o erguimento do pavilhão de ferro e zinco. Com a montagem do aparelho se su funcionamento durante seis meses; tudo às expensas do fornecedor inglês. Estava resolvido o problema do lixo de Manaus. O forno de lixo permaneceu por mais de meio século, naturalmente com a renovação de suas peças, quando é certo, até a opulenta metrópole do Rio de Janeiro, ainda não conhecia um forno de lixo automático. Isto devido a iniciativa do Comentador J. G. Araújo.

Incêndio na empresa J.G. Araújo, na Rua Marechal Deodoro. Foto: Francisco Neto (do acervo pessoal de Abrahim Baze)

Um outro fato, também de abnegação a terra, nesse mesmo ano de 1909. Com o apogeu da prosperidade movida pela valorização da borracha, a cidade encheu-se de mendigos, que faziam filas, diariamente, nas portas das casas, nos adros das igrejas, nas portas dos estabelecimentos comerciais. Como ninguém deixava de dar sua esmola, isso tronou-se uma indústria lucrativa. Era uma cidade opulenta assalta por mendigos; uns falsos, outros o menor números verdadeiros. A prefeitura tratou do caso preparando-se para extinguir a mendicância. Pronto o edifício que serviria de internato para recolher, com relativo conforto, os pedintes, proibida a mendicância, Manaus ficou liberada de semelhante praga. Inaugura-se o Asilo de Mendicidade a 30 de Janeiro de 1910, sendo o Comendador Gonçalves de Araújo o seu maior cooperador antecipado nas despesas de fundação e viga mestra de sua manutenção. Foi ele com os recursos de sua firma comercial, por mais de meio século, que fez do Asilo, uma Instituição Benemérita. O seu grande sentimento de piedade cristã derramava-se ainda por mutos lares pobres de cuja proteção não queria que ninguém suspeita-se, ao menos.”

Fonte: BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro. Editora Conquista, 1973. Pág. 272 – 274.

O Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo faleceu em Lisboa, em 21 de março de 1940. Seu nome, porém, sempre será lembrado na admiração e no reconhecimento daqueles que conheceram ou conhecem a sua história. 

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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