Comandante João de Deus Cabral dos Anjos: a tragédia do navio Paes de Carvalho na Amazônia

Como foi de domínio público, pelas notícias que todos os jornais de Manaus editaram, na madrugada do dia 22 de março de 1926, foi noticiado o sinistro do vapor fluvial Paes de Carvalho da frota da Amazon River.

Como foi de domínio público, pelas notícias que todos os jornais de Manaus editaram, na madrugada do dia 22 de março de 1926, foi noticiado o sinistro do vapor fluvial Paes de Carvalho da frota da Amazon River.

A meia-noite do dia 19 de março de 1926 o vapor Paes de Carvalho deixava em Roadway da Manaus Harbour, continuando assim a viagem que fazia na linha do Rio Juruá até a cidade de Belém do Pará. Comandado pelo piloto João de Deus Cabral dos Anjos, marítimo bastante conhecido e conceituado na nossa marinha mercante, o vapor Paes de Carvalho conduzia elevado número de passageiros e avultada quantidade de carga, como aliás era comum à época e ainda hoje ocorre na nossa navegação.

O percurso ia sendo feito sem novidade, quando ao chegar ao porto da Vila de Codajás à época, o comandante notou que dois reboques de pescadores portugueses atrasavam a marcha da embarcação.

Verificando este fato que realmente já havia retardado em quatro horas a viagem, o comandante deliberou propôs aos pescadores largarem o reboque, transmitindo-lhes essa resolução, por intermédio do prático Mário de Assis Costa, que mais tarde se tornaria um dos heróis. Aliviado desse reboque, o navio prosseguiu a rota, costeando o Camará, a margem esquerda do Solimões. 

Nesse percurso, a embarcação passou pela Ilha de Ajurá, situado na Foz do Paraná Mamiá, conseguindo atingindo a ponta Ilha da Botija, que digamos de passagem é circundada por barrancos intransponíveis. Essa ilha que fica localizada a dez metros do canal de navegação é o ponto que nessa altura da viagem todas as embarcações costeiam, não chegando porém o Paes de Carvalho a costear, pois exatamente nessa travessia verificou-se o início do incêndio, às 3 horas e 40 minutos da madrugada.

É de notar que a Ilha da Botija, situada como fica no Rio Solimões divide esse Rio em dois braços: um segue para esquerda denominado Paraná do Mamiá e a outra que segue para direita o Solimões, nas proximidades da Ilha do Trocary, pouco abaixo do porto do mesmo nome para onde se destinava a embarcação que haveria de desembarcar mercadorias e passageiros. Neste momento às 3 horas e 40 minutos da madrugada o vapor Índio do Brasil, que fazia a viagem inversa do Paes de Carvalho, apitava para o Porto de Mamiá, onde atracaria para abastecer-se de lenha.

João De Deus Cabral dos Anjos em viagem. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O prático do vapor Índio do Brasil senhor Raymundo Batista da Silva, observou na direção extrema da Ilha da Botija um clarão de fogo intenso. Acreditando-se que tratava-se de uma queimada na ponta da referida ilha, não tendo percebido os apitos do vapor Paes de Carvalho, que passava por um incêndio naquele exato momento. O incêndio ocorreu segundo relatos de sobreviventes, tendo iniciado a partir de uma passageira que fumava seu cachimbo e sacudiu as cinzas que caiu próximo as latas de gasolina. O maquinista de plantão Leonardo Severo de Jesus foi o primeiro a comunicar aos tripulantes e passageiros que ocorria o incêndio.

O Comandante e herói por ter salvado muitos passageiros João de Deus Cabral dos Anjos nasceu em Portugal no dia 14 de setembro de 1883, era filho do Comendador João Osório Cabral dos Anjos e de dona Gertrudes Cabral dos Anjos. Imigrou para Manaus aos 8 anos de idade. Aos 11 anos de idade empregou-se a bordo como praticante, depois de ser submetido ao respectivo exame em Belém do Pará. Sempre foi funcionário da The Amazon River Steam Navegation Company Limited, tendo comandado os seguintes vapores dessa companhia Índio do Brasil, Madeira Mamoré. Tefé e Paes de Carvalho.

Contraiu casamento em Manaus no dia 5 de junho de 1909, com a senhora Helena Guedes Cabral dos Anjos, filha do senhor Joaquim Antônio Guedes e da senhora Maria Rebello Guedes. Deixou além da viúva nove filhos: Nilce com 15 anos de idade, Elmizia com 13 anos, Américo com 11 anos, Célia com 8 anos, Homero com 5 anos, Jorge com 4 anos, Ivanisei com 3 anos, Alfredo Augusto com 1 ano e Denize Cabral dos Anjos com 5 meses.

Um grande irmão, foi iniciado maçonicamente na Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1 e impregnado pela fé e pelo ardor dos grandes enviados no mês de junho de 1921. Tendo plantado a semente benfazeja na maçonaria a amazonense como Obreiro da Arte Real, de acordo como documento enviado a Augusta Loja Capitular Aurora Lusitana, cujo, Venerável Mestre da época era o ex-governador José Cardoso Ramalho Júnior.

Depoimentos dos sobreviventes

[…] Em sua residência o encontramos juntamente com sua mãe a senhora Thereza Leonor de Jesus, que estava bastante alegre e sorridente por seu filho ter sobrevivido a catástrofe do Paes de Carvalho. Leonardo Severo de Jesus, 3º maquinista, estava no seu turno de trabalho, como de costume, entre a meia-noite e devia largar as 4 horas da manhã.

– Ele está lá dentro, vou chamá-lo, – disse a senhora.


Leonardo apareceu e em seu semblante mostrava estampado no seu rosto um largo sorriso de felicidade. O mesmo disse:
– Fui mais uma vez feliz, – disse-nos Leonardo. E digo mais uma vez porque não foi só desta que vi a morte perto. Salvei-me o ano passado do naufrágio da Yaquirana, sossobrada tragicamente no porto de Manacapuru…


Leonardo fala um pouco sobre ele:

– Chamo-me Leonardo Severo de Jesus, tenho 25 anos de idade, nasci na vizinha capital de Belém e sou filho de Thomaz David Ferreira e de dona. Thereza Leonor de Jesus, essa velhinha que lhe abriu a porta; sou casado com Dolores de Jesus natural do Pará, e que conta 26 anos de idade. Adoro a vida de embarcadiço e, graças aos meus esforços por bem servir as casas que me tem dado trabalho, sou hoje 3º maquinista da companhia Amazon River, proprietária da embarcação tão indaustemente sinistrada em frente ao porto de Camará. Era maquinista do Índio do Brasil e na viagem passada, cambei para o Paes de Carvalho.

O Paes de Carvalho saio do porto de Manaus dia 19 a meia-noite. A viagem prosseguiu tranquila até que na madrugada do dia 22 por volta de três e trinta da madrugada, até que as três e quarenta foi dado o alarme de fogo no navio. Saindo da casa de máquinas e vi o fogo se alastrar próximo aos lotes de caixas de gasolina que se empilhavam no convés inferior. Já se podia ouvir os gritos dos passageiros e então corri para a sala da caldeira e seguindo os procedimentos autorizado pelo comandante, Cabral dos Anjos, parei o navio. Tentamos apagar o incêndio mas já era tarde demais, pois o fogo já havia se espalhado pelo navio. O fogo se espalhou pela sala de máquinas e atingiu o gerador de luz e o navio ficou às escuras.

Encontrei o comandante Cabral na pro do navio, juntamente com o prático Josino do Carmo Palheta, prático Milton Angelin, o mestre José Ezequiel de Salles e o 1º maquinista. Neste momento ouviam-se os gritos dos passageiros e nesta confusão começou os primeiros trabalhos de salvamento. As canoas foram baixadas nas águas do rio Solimões e os tripulantes e alguns passageiros foram socorridos. Cai na água vestido com uma calça velha e rasgada. Nadando por uns vinte minutos Leonardo Severo juntamente com outro passageiro fomos colocados na canoa. Onde já havias quatorze pessoas.

Chegamos a margem e onde deixamos onze pessoas e saímos em busca de outros sobreviventes. Ao amanhecer víamos somente uma fumaça densa a sair do Paes de Carvalho. Em uma canoa encontramos dois foguistas, mulheres e crianças. Fomos recolhendo os sobreviventes que encontrávamos pelo caminho. Deixamos a canoa e fomos a pé, por volta de nove da manhã chegaram em um barracão duas canoas com mais sobreviventes.

Trazidos pela corrente, viemos descendo o rio, até as 19 horas, quando encontramos o vapor Envira. A bordo dessa embarcação solicitamos auxilio ao caixeiro viajante da casa Nicolaus e Cia senhor Amaral, que nos forneceu um farol e uma peça de ferro para usarmos na canoa. Descia nesse momento o Índio do Brasil que trazia alguns náufragos de Camará. Passamos para bordo desse navio e ancoramos no porto de Manaus, as 15 horas, do dia 22.1.

Esta foi a minha odisseia e o que eu lhe posso descrever, porque o quadro absolutamente exato do naufrágio não há quem lhe descreva. (1)

1. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Entrevista do senhor Leonardo Severo de Jesus, 3º maquinista do navio Paes de Carvalho.

João De Deus Cabral dos Anjos e sua esposa Helena Guedes Cabral dos Anjos. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A sobrevivente senhora Alexandrina Rodrigues Neiva

[…] Alexandrina Rodrigues Neiva, 65 anos, mãe do Dr. Júlio Lima, Procurador Fiscal da Fazenda Estadual, foi uma das sobreviventes do Paes de Carvalho.

Qual nada. O navio era um forno e, como o calor fosse excessivo e o meu camarote muito quente, eu estava na camarinha de dona Joana, uma companheira de bordo, que convidara a fazer-lhe companhia. E assim pela madrugada, não posso precisar a hora, ouvi uma confusão de palavras vindas do convés de terceira classe, onde estavam muitas dezenas de seringueiros que voltavam ao corte. Pensei, a princípio, se tratasse de alguma discussão, tão comum entre eles, mas, pouco depois, argumentou o barulho e consegui ouvir claramente as palavras fogo e incêndio, de mistura com gritos de aflição. Chamei a minha companheira, vesti-me rapidamente, e sai da camarinha. Ao chegar no corredor verifiquei que o navio estava sendo devorado por um violente incêndio. O fogo tomava proporções assustadoras; as labaredas, vindas de baixo, se comunicavam as redes armadas na polpa do convés de cima. A situação era insustentável. Aproximei-me da amurada e olhei para o rio: grande número de passageiros procurava sustentar-se a flor d`agua, lutando, uns com os outros, na anciã de salvação. Mães agarravam-se aos filhos, procurando tê-los junto a si, naquele último instante de vida. Um horror meu filho, um horror!

Deixei-me escorregar pelo costado do navio, apoiada em um cabo. Ao chegar a água encontrei logo um cadáver de criança; impressionada, fiquei algum tempo sem fazer coisa alguma, segura em um portolo que estava aberto. Como ouvisse alguém dizer que a margem estava perto, afastei-me do navio e nadei, em pé, meu filho, com um vigor que eu mesma me admiro. Tinha nadado uns trinta metros quando avistei uma embarcação; viram-me e aproximaram-se para salvar-me. Nessa ocasião vi uma senhora que já se debatia nas vascas da agonia. Como eu ainda pudesse sustentar-me na água por mais algum tempo, pedi ao pessoal do barco que fosse socorrer primeiro aquela senhora que estava em situação mais crítica que a minha. Eles assim fizeram. Mas como me pareceu longo esse tempo que precedeu a minha salvação! … Senti-me desfalecer muitas vezes, porém ainda tinha vontade de viver… lembrava dos meus filhos e netinhos… Não queria ainda renunciar a vida… E, num último esforço, invoquei a proteção de Deus, senti que uma nova força se insinuava em todo o meu ser, força que fez com que eu, esperançosamente, aguardasse salvação.

Olhamos para dona Alexandrina e observamos que suas feições estavam impressas em todas as cenas horrorosas que nos contava.

A senhora foi uma heroína, D, Alexandrina, praticou uma ação hercúlea… Qual o que, meu filho. O que eu fiz qualquer um faria pelo seu semelhante. E, quanto ao mais, foi Deus, o grande Deus. Debaixo de sua sombra protetora me coloquei. Ele foi quem me deu as forças precisas para resistir… (2)

2.  Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Entrevista da senhora Alexandrina Rodrigues Neiva.

João De Deus Cabral dos Anjos e família. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Mário de Assis Costa, o herói da tragédia 

Considerado um herói pelos sobreviventes do Paes de Carvalho, o praticante de leme Mário de Assis Costa, lembrou dos momentos de terror que viveu no incêndio no Camará.

[…] Ao irromper o fogo, – disse-nos o praticante, a primeira ideia que me ocorreu foi a de salvar crianças, indistintamente, sem predileção por nenhuma; quis tirar do martírio os mais inocentes, os absolutamente irresponsáveis pelo desastre. Sou amigo sincero das criancinhas. Não pensei na minha vida, não pensei na morte, e todos os atos que pratiquei obedeciam sempre a uma reflexão, nunca fui precipitado numa resolução dona Thereza, a senhora que enlouqueceu de dor por perder o marido e os filhos, descera por um cabo da baleeira; em cima na proa ficava o seu filhinho mais novo. Compreendi a ansiedade com que essa criatura desejava o filho. Entreguei-o em suas mãos. Não sem mágoa. Havia muito perigo para aquela vidazinha, entregue aos fracos cuidados de uma pobre mulher. Mas o filho nos braços de uma mãe, mesmo que morra está salvo. Há lá melhor do que abandonar a vida estremecido nos braços de uma santa criatura que arrisca a sua vida, quando nos dá a nossa. Procurou salvar, pondo fora de perigo, um empregado menor do coronel Armindo de Rezende. Esse menino desapareceu. A custa de muito trabalho conseguiu alguns coletes salva-vidas, entregando-os imediatamente a quantos os solicitavam. Lembra-se de ter nesse momento cedido um a uma senhora idosa, que mais tarde socorreu novamente, junto a margem. Um passageiro de 3ª classe, de que não sabe o nome, e que ficou no Camará, num momento de desespero, tentou jogar-se nas chamas que partiam de um dos porões laterais. Obstou esse intento e teve o prazer de ver salvo esse tresloucado que quase se suicidava. Passando pelo local onde eram conduzidos os bois, amarrados, deu-lhes liberdade, desembaraçando-os.

Apreciou com absoluta calma o gesto brilhante do comandante que até os últimos momentos na manivela do telégrafo. A bordo – cinco pessoas; o comandante, o prático Palheta, o mestre Salles, o despenseiro Garcia e ele. De repente o comandante sai olhando-o e desaparece, por traz da caixa de sinais; dir-se-ia que ia ao encontro da morte, nas chamas. Por ser impossível a passagem para a proa, julga que se tenha jogado na água. Seguiu-o com o olhar, e quando voltou a indagar dos companheiros, viu-se só, completamente soo, o mestre cairá na água, o prático Palheta desaparecera do local onde estava, isto é, da ancora contraria a que lhe servia de apoio.

O vapor num último alquebramento, num derradeiro arquejar levanta-se para baquear; a proa ergue-se. Quando atingiu o máximo de elevação, no momento exato em que ia baixando para sempre, Mário de Assis, que estava no propósito de só deixar o vapor, no último momento, jogou-se ao rio, lançando, ao mais longe possível, o seu colete de salvação, e nadando-lhe no encalço.

Após alguns minutos de luta nas águas do rio, reparou que, na sua frente, a alguns metros, nadava também uma outra criatura que reconheceu imediatamente, tratar-se do passageiro de 3ª classe que ele evitara de se jogar ao braseiro.

Ao passar por ele condoeu-se das suas súplicas. Amparou-o como pode, até encontrar um pedaço de tábua, que cedeu ao naufrágio. Este agradeceu-lhe, disse: “Obrigado amigo, se bicho não me pegar estou salvo”.
Depois de passar nunca menos de duas horas na água, verificando perigos constantes, próximo a margem, uma canoa, que passava, colheu-o.

Tomando conta de um dos remos da canoa, foi em auxílio do passageiro a quem dera a tábua de salvação.

Completamente molhado, já despreocupado novamente do valor de sua vida, saiu com os náufragos recolhidos em busca de outros que necessitassem de seu auxílio.

E foi assim que pude socorrer ainda a dona. Thereza Tapajós, já nessa ocasião sem o filho Alfredo, e a quem perguntou: – O seu filho dona? dona Thereza, que já nesse momento se apresentava fora do natural, respondeu-lhe que o perdera na longa travessia. Ainda na sua rota gloriosa de recolher náufragos pode embarcar no bojo da embarcação que conduzia uma senhora de idade que parece tratar-se de uma senhora que veio de Manaus, dona Francisca Florinda Ribeiro, a quem distribuíra um salva-vidas a bordo.

De volta a margem, com todas as pessoas a quem dera o seu auxílio, encontrou boiando sobre as águas o cadáver do pequeno Alfredo.

De toda a trágica madrugada – disse-nos Mário Costa – o encontro de dona Thereza com o filho morto foi a cena que mais me impressionou.

Dos seus olhos de herói, talvez pela primeira vez, deslizou a primeira lágrima. (3)


3. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Entrevista do Mário de Assis Costa, praticante de leme do navio Paes de Carvalho.

Sebastião de Lima perdeu sua família no sinistro

O senhor Sebastião Gomes Lima, passageiro do navio Paes de Carvalho, dá seu depoimento sobre o que se passou na hora do incêndio e sobre os tripulantes do navio que foram “acusados de covardes” por abandonarem o navio e não auxiliarem os passageiros e sua perda irreparável de sua esposa e filha.

[…] Com os olhos marejados de lágrimas, envolto numa grande e comovedora emoção, narrou a luta formidável e adônica, que empreendeu para salvar das chamas aniquiladoras e das ondas satanicamente rebeldes, a sua esposa, dona Philomena Gomes da Silva, paraense, de vinte e três anos, e sua única filha Dulcinéia, de oito anos, amazonense, que o acompanhavam para aquela mesma localidade. Disse-nos dos seus esforços inúteis para salvar a sua esposa, que não sabia nadar, e sua idolatrada filhinha, que desapareceu nas ondas, a gritar: “Papai, socorra-me”.

Falou-nos da bravura do comandante Cabral do Anjos, que, segundo o nosso informante, não se salvou, salvando o navio com seus tripulantes e passageiros, em virtude da falta de coragem, disciplina e de respeito ao cumprimento dos deveres, que a tripulação do Paes de Carvalho demonstrou.

Ao indagarmos se ele tinha toda a tripulação como culpada, contestou-nos, com entusiasmo: “Não! Houve um menino, que, mais tarde, soube chamar Mário de Assis, que se portou como um herói. Vi-o distribuir, entre chamas, com uma calma assombrosa, muitos coletes salva-vidas”. (4)

4. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Entrevista do senhor Sebastião Gomes Lima.
Helena Guedes Cabral dos Anjos. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Informes completos sobre a tragédia

O Paes de Carvalho que fora construído nos estaleiros de Glasgow, na Inglaterra, registrava 657 toneladas brutas e tinha 390 H.P. de força.


Sua tripulação era composta de 38 homens. Estava segurado na seção de seguros da própria companhia.

Comportava 9.000 volumes, sendo o seu carregamento, na ocasião do sinistro, 5.800, calculados na importância de 1.500 contos.

Levava também 129 caixas de gasolina, 332 de querosene, 63 de pólvora e 23 de balas. A carga encontrava-se segurada em diversas companhias, sendo as maiores seguradoras a Aliança da Bahia e Commércio do Pará. 

Correspondência informando a iniciação maçônica do profano João de Deus Cabral dos Anjos, de nacionalidade portuguesa. Iniciado na Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n°1. Assinada pelo governador José Cardoso Ramalho Junior. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal 

Lista das cargas que o vapor “Paes de Carvalho” tinha em seu porão

Carga de: – Martins Pinheiro, 1.600 volumes de farinha; J.G. Araújo & Cia. Ltda., 400 volumes de farinha; a ordem R.M. 566 volumes de farinha; M.A. Pinheiro, 100 volumes de farinha; Lima Castro, 50 volumes de farinha; a ordem R.R. C., 80 volumes de farinha; F.C. Marques, 2 caixas de tecidos e 1 dita de cobertores; Mauricio Samuel, 3 caixas de tecidos; M. Reslim, 1 caixa de tecido; Aucar Irmão, 7 volumes de linha; M.A. Gomes, 1 caixa de linha; A. Barroco; 1 caixa de linha; a ordem Miroma, 50sacos de arroz; a ordem de Clérigo, 30 sacos de arroz; a ordem de Abrahim, 30 sacos de arroz; a ordem Fortuna, 20 sacos de arroz; a ordem Nogueira, 10 sacos de arroz; M.C.M. Mesquita, 30 sacos de arroz; J.R. Cunha, 1 caixa de doce; Lima Castro, 3 caixas de bolacha e 1 dita de chocolate; J.G. Araújo & Cia Ltda., 5 caixas de doces; Higson Jones & Cia, 1 caixa de papel para cigarros; a ordem Miroma, 3 caixas de roupas; A.L. Figueiredo, 20 sacos de arroz; Lima Castro, 20 sacos de arroz; Simões & Cia, 20 sacos de arroz; A. Dias Pereira, 10 sacos de arroz; Pires Irmão, 10sacos de arroz; Semper & Cia, 10 volumes de paneiros, 100 garrafas vazias e 1 fardo de papel; Leite & Cia, 2 caixas de chocolate e dita de farinha; M. Carbacho & Cia, 61 animais.

Carga de Santarém: – H. Machado, 8 canoas. 1 (5)

5.  Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Manifesto do vapor Paes de Carvalho contendo a descrição de sua carga e seus respectivos proprietários.

Tripulantes do vapor “Paes de Carvalho” 

(*) João de Deus Cabral dos Anjos, comandante; (*) Guilherme Muller, imediato; José Ezequiel de Salles, mestre; (*) Américo Cabral Marques, escrivão; (*) Jovino do Carmo Palheta, prático; Milton V. Angelim, prático; (*) Manoel A. Mello Delgado, 1º maquinista; Pedro Augusto de Macedo, 2º maquinista; Leonardo Severo de Jesus, 3º maquinista; Amaro Nelson de Mello, (*) Raymundo S. Corrêa, Henrique Bastos da Silva, Sebastião José Rodrigues, Orlando Caldas, foguista; (*) José Luiz do Nascimento, Edgard Costa, carvoeiros; (*) Oswaldo Leoncio Santos, carvoeiro; Luiz Gomes da Vera Cruz, carvoeiro; Manoel R. Gama Filho, marinheiro; Agostinho G. de Almeida, Isidro Santos, Jesuíno Diogo da Silva, Pedro Lopes Galvão, Antonio Queiroz Teixeira, Manoel Aquino Gomes, José de Freitas, Raymundo Nonato Reis, Serafim Syrino da Silva, marinheiros; (*) Manoel de Souza Lima, (*) João dos Santos, marinheiros; Ignácio Garcia da Silva, despenseiro; (*) Pedro Francisco Oliveira, 1º cozinheiro; (*) Pedro Alexandrino, 2º cozinheiro; Hermínio Nascimento, copeiro; José Marques do Amaral, padeiro; Franklin G. Silva, Francisco A. Pereira, Antonio Farias Lopes, Dionísio F. Cunha, taifeiros; (*) Martinho Pereira, (*) João Ribeiro, taifeiros; Mário de Assis Costa e Octavio Padilha, praticantes. 

Dos 42 tripulantes, 14 morreram na catástrofe: são os assinalados com asterisco (*). (6)

6. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Lista Nominal dos tripulantes do vapor Paes de Carvalho.

Sobreviventes do vapor “Paes de Carvalho”, que permaneceram em Camará 

Leôncio de Salignac e Souza, Mathias Vieira de Aguiar, Francisco Bernardo de Souza, Philomena de Albuquerque Barata, José Arraes, Joanna de Oliveira Barata, José Vasconcelos de Souza, Maria da Silva Lima, Josina de Lima, Bernardo Porphirio Falcão, José Porphirio Falcão, Francisco Porphirio Falcão, Manoel Thomaz, Pedro Goncalves de Oliveira, José Joaquim Nunes, Manoel Baptista Nery, Luiz Gonzaga d`Almeida, Maria Antonia de Jesus, José Artelino Filho, José Esperidião Barbosa, Francisco Alves de Lima, Antonio Simões de Oliveira, Júlio Barroso de Souza, Maria da Silva Mello e Thereza Porphirio Falcão. (7)

7. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Relação dos passageiros sobreviventes do naufrágio do vapor “Paes de Carvalho”, que ficaram em Camará.

Passageiros que retornaram para Manaus no vapor “Índio do Brasil”

Dr. João Brígido, Thereza Tapajós, Alfredo José da Silva e família, José Augusto Branco, Armando Rezende, José Antonio, Mansour Chernen, Raymundo Rufino de Oliveira, Sebastião Gomes de Lima, Manoel Antonio Cabral, Francisco Borges de Aquino, José Paula Barros, Manoel Raymundo de Souza, Ernestino Paulo da Costa, Bertina da Costa, que perdeu o marido e 4 filhos, Petronilla de Oliveira e um menos, Francisca Florinda Ribeiro, Antonio Ribeiro, e Durvina Calixto dos Santos. (8)

8. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Relação dos passageiros sobreviventes que voltaram para Manaus no vapor “Índio do Brasil”.

Relação dos passageiros conduzidos pelo “Paes de Carvalho” para os portos do Solimões e Juruá, embarcados em Manaus

Joanna de Oliveira Barata, Filomena Barata, José Augusto Branco, José Antonio, Mansour Chernen, Maria Octaviana de Lima, F. Borges de Aquino, Alfredo José da Silva, Sebastião Gomes de Lima, Florença Cunha da Silva, João do Rego Barros Brigido, Alexandrina Neiva, Leoncio de Salignac e Souza, tenente Manoel Antonio Cabral, José Vasconcellos de Souza, dois trabalhadores da Inspetoria de Índios, Petronilla Xavier e um menor, Mathias Vieira de Alencar, Manoel P. Barbosa, José P. de Barros, Bernardo falcão, Francisco Falcão, José Falcão, Thereza falcão, Francisco B. de Souza, Manoel Thomaz, José Artilino Filho, Thereza Tapajós, (*) Aniceto de Almeida, (*) Alfredo Tapajós e 4 filhos, (*) Filomena de Lemos Lira, (*) José Ribeiro da Silva, (*) Alfredo Nunes Pereira, (*) José de Magalhães Cordeiro, (*) Lydia Nogueira Pessoa, (*)Antonio B. Santiago, (*) Pedro, (*) Maria do Carmo Araújo, (*) Judith P. Barbosa, (*) Ritta P. de Jesus e 2 menores, (*) Francisca Souza e uma menor, (*) Manoel Ventura, (*) Dois filhos de Florença Cunha da Silva.

Os assinalados com asterisco (*), até o presente momento estão considerados falecidos.

Dos cinquentas embarcados, neste porto, 23 pereceram no sinistro.  (9)

9. Revista Redempção. Edição Especial. Março de 1926. Relação dos passageiros conduzidos pelo “Paes de Carvalho” para os portos do Solimões e Juruá, embarcados em Manaus.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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