​Antônio Bernardo: um português na história do Amazonas

Homem de visão extremamente comercial, era pois, numa pessoa só, o produtor, o criador e o vendedor direto do produto que lhe permitiu durante anos consecutivos ser o principal, se não o único fornecedor de carne bovina.

Os homens e as mulheres que lograram êxitos em suas histórias, tiveram como principal atributo a coragem e o espírito empreendedor. Foram sobretudo, seres que acreditaram em seus senhor e projetos de vida, movidos pelo entusiasmo e pelos ideais, legaram a sociedade uma história de feitos e conquistas.

A maior herança desses espíritos esclarecidos e altivos é o exemplo que deixaram para seus descendentes e a comunidade, muito especialmente para as instituições Luso Sporting Clube, Real e Benemérita Sociedade Beneficente Portuguesa do Amazonas e a sua Loja Maçônica que o recebeu na essência de suas raízes portuguesas, a Grande Benemérita Loja Simbólica Aurora Lusitana. Foram felizes aqueles que conviveram com ele, pois aprenderam que transformar sonhos em realidade não é impossível. A história exemplar do homem Antônio Bernardo é ilustrativa na capacidade de realização do ser humano.

Sua história narrada agora permite trazer a lume em preto e branco ou em cores com nuances, dando ao retrato de uma família um outro patamar na valorização dessa história. Toda nova geração forja novos padrões, valores e atitudes sobre a vida, a sociedade em que viveu e o seu passado. Esse português na sua simplicidade descortinou a cidade em que viveu a Manaus de um período que não existe mais e, que vale a pena recordar.

Ah, Manaus! Quanta saudade!

Diria se estivesse vivo o português Antônio Bernardo. Perdoe a pretensão de querer ver-te na sedução do teu passado, te vejo nem por isso menos querida em estamparia de chita, a sacudir a sonolência da cidade velha com a frivolidade do teu comércio pujante. Essas lembranças que me vem na memória agora é de fato a volta de uma Manaus a luz de lamparinas e de lampiões, perdendo seus brilhos para o sol que acabara de nascer, reluzindo frenesi de suor na pele morna de tuas meninas-moças, nos batuques dos arrabaldes da grã-finagem que vivia no centro de Manaus e, continuaria narrando Antônio Bernardo.

Ah, Manaus! Quanta saudade da hora do ângelos e o canto da cigarra, cúmplice da missa das 18h no Largo de São Sebastião. Antônio Bernardo preservou os retratos guardou suas ruínas recolheu os pedações e a partir deles me permitiu relembrar suas memórias e de seus familiares. Ele conseguiu fotografar na sua mente e se apropriou de retratos múltiplos e de variadas belezas dos tempos de antanho que viveu entre nós. São seres dessa estirpe que ajudam o mundo a ser melhor.

Senhor Antonio Bernardo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Nasceu no dia 13 de setembro de 1906 em Armamar-Arícera (Conselho da Régua Portugal), veio para o Brasil porque o seu José Bernardo (já viúvo), não permitiu que, após a conclusão dos estudos no Liceu mudasse ele para a cidade de Coimbra a fim de se matricular na tradicional Universidade de Coimbra.

Com a ideia de não permanecer na aldeia que lhe servira de berço e querendo ir em busca de novos horizontes, pensou, a princípio, viajar para o Rio de Janeiro onde tinha alguns primos. No entanto, um amigo de infância (Delfim da Costa), com quem se correspondia já estava em Manaus, a alguns anos exercendo a profissão de barbeiro e nela alcançara algum êxito.

Da esquerda para a direita: Bernardo Cabral, senhora Cecília Cabral, Antonio, Maria (prima) e senhor Antonio Bernardo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Aqui chegou no ano de 1929, embalado pelo que confirmava, amiúde ser Manaus uma bela e pacata cidade. Seu primeiro emprego foi na então chamada Colônia de Alienados Eduardo Ribeiro (hospício do Bairro de Flores). Com o passar do tempo, o seu diretor Urbano Nóvoa, tornou-se um inigualável amigo, sentimento que os uniu até a morte. Ali permaneceu um pouco mais de um ano, apesar de as instâncias feitas pelo diretor Urbano, inclusive com melhorias salarial, porém, tinha outro objetivo, queria ser seu próprio empregado, independente de qualquer vínculo com quem quer fosse, eram visionários. Assim o fez, a princípio no Mercado Adolpho Lisboa, com uma banca de venda de carne bovina, quando ganhou o apelido carinhoso de (Andorinha) e que acabou por incorporá-lo ao seu nome.

Após alguns anos passou, por sua própria conta em risco, a atuar no Matadouro Municipal, também conhecido (curro), quando abatia o gado adquirido no Baixo Amazonas e o revendia para açougues e bancas do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, Após amealhar alguns recursos comprou sua primeira fazenda São José em 1943 e, anos após mais três, todas no município de Careiro, conseguindo nelas fazer a engorda do rebanho, que vinha do então Território do Rio Branco, hoje Estado de Roraima e do Baixo Amazonas.

Homem de visão extremamente comercial, acabou por eliminar o atravessador, que lhe encarecia o produto, trazendo-o ele próprio das suas fazendas para o matadouro, nas embarcações de sua propriedade. Era pois, numa pessoa só o produtor, o criador e o vendedor direto do produto, o que lhe permitiu durante anos consecutivos ser o principal, se não o único fornecedor de carne bovina aos quartéis, hospitais, educandários e a maior parte dos açougues e talhadores. No ano de 1956 fundou a Marchantaria Imperial, da qual foi presidente até a sua morte e que era integrada por todos os marchantes importantes e poderosos.

Sr. José Bernardo, avô do senador José Bernardo Cabral, em Portugal. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A Maçonaria, a Beneficente Portuguesa e o Luso Sporting Clube – Um homem discreto e generoso

Dentre as instituições pelas quais nutria grande afeição estavam a Maçonaria como membro efetivo da Grande Benemérita Loja Simbólica Aurora Lusitana, o Hospital Beneficente Portuguesa da qual era sócio e na qual estavam os seus melhores amigos, um dos quais da vida inteira, o Comendador José Cruz que presidiu o hospital por mais de trinta anos.

Quanto ao Luso Sporting Clube, além de frequentador assíduo orgulhava-se de ser sócio muito especialmente entre os anos de 1945 e 1946, juntamente com sua esposa senhora Cecília também de nacionalidade portuguesa e naturalmente acompanhado do único filho do casal José Bernardo Cabral. Não perdia nenhuma de suas festas, eventos e sobretudo, as pastorinhas.

Começou pelo luxo a ensinar o filho brasileiro a história e o amor por Portugal naturalmente falava com frequência dos portugueses ilustres, as conquistas marítimas e seus enclaves em todo os continentes. Outra preocupação frequente era oferecer a leitura dos clássicos da literatura portuguesa especialmente as obras de, Camões, Antero de Quental, Alexandre Herculano Camilo Castelo Branco, Gil Vicente, Eça de Queiroz e tantos outros. Antônio Bernardo marcou sua vida por sua ação humanitária e filantrópica.

[…] Seu filo Bernardo Cabral ainda menino a partir dos cinco anos de idade e até rapazola, todos os domingos, de forma alternada, em companhia de sua mãe, os três visitavam o Hospital Eduardo Ribeiro (hospício), o Hospital Beneficente Portuguesa e a Santa Casa de Misericórdia a fim de que o filho pudesse verificar o sofrimento do seu semelhante e a caridade que deveria ser exercida. Levava com ele biscoitos e jornais do dia, a mostrar ao filho de que a ele não poderia servir de modelo, mas era sem dúvida um exemplo a ser seguido.

Antonio Bernardo na fazenda. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Este homem simples Antônio Bernardo, voltou a Portugal apenas duas vezes. Na última levou seu filho para conhecer o lugar onde nascera o pai avô de Bernardo Cabral, ainda vivo e com 92 anos de idade, mas de uma lucidez impressionante e o vigor inigualável para que sentisse que, em verdade, alguém só é universal quando canta a sua aldeia, fora uma lição de vida. Ao falecer, de um fulminante ataque cardíaco, sem ainda completar 51 anos de idade os seus amigos, em peso, compareceram ao funeral e ali assistiram uma cena que chamava atenção: o caixão mortuário estava coberto com a bandeira do Luso Sporting Clube, era o dia 9 de julho de 1957 e estava feita de forma prematura a sua última vontade.

Faça-se publicar na eternidade de boas lembranças da família do português Antônio Bernardo.  

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

AMAJAZZON: Festival reúne nomes internacionais do jazz e artistas da Amazônia

Evento internacional realiza sua segunda edição na capital do Pará, Belém, reunindo a música instrumental da Amazônia e o jazz mundial.

Leia também

Publicidade