Vittorio Giuseppe Figliuolo: um homem além do seu tempo

“Homem de notável erudição científica, havendo se portado durante toda sua vida como um exemplo a ser seguido.”

Sonhar e acreditar. Dessas duas qualidades resultam as realizações sociais e os afazeres do espírito humano, fatores indispensáveis para a perpetuação das aspirações enobrecedoras e a construção de possibilidades efetivas para a existência humana.

Vittorio Giuseppe Figliuolo forjou novos padrões na sua atividade profissional, bem como valores e atitudes sobre a vida e a sociedade. Esses caminhos que se descortinaram na sua vida foi do entusiasmo, da fé e da crença no porvir e que ele construiu com doação e muito trabalho.

Vittorio Giuseppe Figliuolo. (Foto:Acervo da família)

Há quem construa na trajetória da vida sua própria história. Vittorio Giuseppe Figliuolo pôde apresentar-se a partir de sua inserção no mundo do saber farmacêutico, assim construindo sua trajetória comercial. A cada instante de sua vida, ele encontrou a dinâmica de fazer algo, algo inovador, diferente e construtivo em prol daqueles que batiam em sua farmácia buscando a saúde. O grande homem olha o mundo e percebe que há nele a presença de algo que o desafia a uma nova missão. Na sua trajetória de vida, fez de seu existir um testemunho de amizade, de fé e de caridade ao próximo, são seres dessa estirpe que ajudam a vida a ser melhor.

A história de uma vida é difícil de ser descrita, ainda mais se o personagem dela for um homem probo, um idealista, um predestinado, um vencedor. A conquista do que sonhamos como um bem comum, exclui o idealista de pensar em si próprio para usufruir do que foi conquistado, deixando, assim, os louros de sua vitória para as futuras gerações.

“… É oportuno lembrar a segunda parte do verso de Virgílio (Éclogas, IX, 50), quando diz Carpent tua poma nepotes, ou seja: O homem não deve unicamente pensar no presente e em si próprio, mas, também, no porvir e nos vindouros.”

Vittorio Giuseppe Figliuolo, com sue filho no colo Vittorio Júnior e sua esposa Rosalina. (Foto:Acervo da família)

Vittorio Giuseppe Figliuolo nasceu no dia 23 de outubro de 1914, foram seus pais, os imigrantes italianos Pascoale Figliuolo e Lucia Teresa Manfrede, os quais festejaram o seu nascimento, à Rua dos Barés. Pela vontade de Deus, entretanto, aconteceu que, aos quatro anos de idade, Vittorio ficasse privado de sua genitora, razão pela qual foi criado, até aos dez anos, por sua irmã, Lúcia.

A vida haveria de seguir seu rumo, pois, o italiano, Pascoale Figliuolo contraiu núpcias, pela segunda vez, com Maria de Paula, moça prendada de nossa sociedade, que passou a cuidar do menino Vittorio, à época, com dez anos de idade, ensinando-lhe e instruindo-lhe para ser um lutador vitorioso na vida. O pequenino Vittorio estudou as primeiras letras no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, na primeira sede da escola, à Avenida João Pinheiro, construída em 1906, possuía o nome de Primeiro Grupo Escolar. Seis anos depois, passou a chamar-se Grupo Escolar Barão do Rio Branco e, em 1914, a escola foi transferida para a sede atual, na antiga Rua Corrêa de Miranda, hoje, Av. Joaquim Nabuco. Estudou também, no Colégio Dom Bosco, logo ingressando no Gynnasyo Amazonense Pedro II e, posteriormente, na antiga Faculdade de Pharmácia e Odontologia de Manaus, concluindo seu curso de farmacêutico, com louvor, no ano de 1935. Na Faculdade, conheceu outros ilustres amazonenses que foram seus colegas (e.g. Altair Nunes, Jacob Benoliel, Wilson Rocha e o brilhante farmacêutico Manoel Bastos Lira).

Farmácia Vitorio. (Foto:Acervo Osny Araújo)

Os tempos eram difíceis, Vittorio, aos quatorze anos de idade, começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais, na antiga Farmácia Lemos, tendo seu patrão o empresário Francisco Ximenes, que prestava atenção no garoto e sua vontade férrea de vencer na vida, assim, passou a ensinar-lhe o gosto pela farmácia. Trabalhando muito, sempre com honestidade e persistência, foi logo aprendendo a buscar suas conquistas tão almejadas.

A existência é fruto do diálogo com o passado e das projeções em relação ao futuro, mas é no presente que os alicerces do amanhã são estabelecidos. As ações humanas são tecidas a partir da vontade e da decisão de realizar aquilo que pulsa no coração e na consciência. As vitórias nos trazem contentamento, mas as derrotas nos fazem refletir e nos acrescem experiências necessárias para os empreendimentos futuros e, Vittorio soube aproveitar bem isso.

Essas considerações me ocorrem quando constato que Vittorio soube receber dos mestres e doutores da época os conhecimentos e ao mesmo tempo pôde utilizá-los como a pátina, no cinzelamento no decorrer de sua vida. O tempo foi passando e era chegada a hora de Vittorio construir sua família. Dessa forma, no dia 19 de abril de 1941, ele se casou com a jovem Rosalina Costa, também de família tradicional, dessa união, nasceram cinco filhos, José, Humberto, Roberto, Lúcia Tereza e Vittorio Júnior que, naturalmente, formam o complemento e as alegrias do casal.

Sempre trabalhando muito, tenaz e com vontade de vencer, pouco a pouco, amealhou algumas economias para tornar-se sócio do senhor Jorge Cordeiro, na Farmácia Barés. Vittorio, com admirável paciência e tenacidade, alcançou nos fundos do laboratório e da farmácia o ápice de seu trabalho, conseguindo aquecer as retortas, os balões de vidro e os alambiques de onde saíram medicamentos de melhor qualidade, prescritos por profissionais da época (e.g. os médicos Almir Pedreira, Luiz Monteiro, José Francisco da Gama e Silva, Conte Telles, Moura Tapajós e tantos outros). Em 04 de julho de 1958, ele abriu, em companhia de sua esposa, a Farmácia Vittorio a qual dirigiu por quinze anos. Após sua morte, seu filho Humberto Figliuolo e, mais tarde, Vittorio Júnior deram continuidade na empresa por sessenta anos. 

Homem de notável erudição científica, havendo se portado durante toda sua vida como um exemplo a ser seguido. Foi, verdadeiramente, apaixonado pela música, católico fervoroso, frequentava religiosamente a Igreja, sempre acompanhado de sua amada esposa. Muito dedicado à profissão, trabalhou diuturnamente no ofício que escolhera e que o fazia feliz. Seu amor pelo seu mister conduziu seus filhos a grandes conquistas, havendo dois deles seguido os caminhos profissionais do pai.

Homem de uma alegria contagiante, dizia sempre que possível “farmacêutico só, para que mais?”Foi ainda um grande colecionador de moedas, tendo se esmerado na numismática, do mesmo jeito que cuidava com carinho de tudo que fazia. Foi um entusiasta, participava de diversas entidades culturais, sociais e filantrópicas. Foi, por muitos anos, Presidente do Sindicato dos Farmacêuticos e, principalmente, fundador do Conselho Regional de Farmácia do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima, tendo, ainda, especial participação no seu primeiro plenário. Vittorio exerceu com dignidade, honra e competência a farmácia comercial. 

Dr. Humberto Figliuolo, trabalhando na Farmácia Vitório. (Foto:Acervo Osny Araújo)

O homem morre duas vezes: primeiro, quando cessa a energia de sua matéria, segundo quando seu nome é esquecido pelos que ficam. Esse fato não acontecerá com Vittorio Giuseppe Figliuolo, seu nome, seus feitos e seu labor deixaram ensinamentos, seu espírito brilha diariamente como sol a iluminar aqueles que seguiram o seu trilhar, muito especialmente amigos e familiares. Eu tive a felicidade de conhecê-lo e conviver semanalmente com ele na sua farmácia.

O tempo passou e, no dia 22 de janeiro de 1974, Vittorio partiu ao encontro de Deus, deixando recordações de uma vida digna e honrada. Bem haja, Pascoale Figliuolo e Lúcia Teresa Manfrede que trouxeram ao mundo Vittorio Giuseppe Figliuolo. Se pretendem fazer silêncio de sua memória, para afirmar que ele não bradou em defesa de sua profissão-arte, fiquem convencidos que sempre haverá na memória de um Figliuolo, alguém que bradará, com orgulho, as suas lembranças. Afinal, bastará para o homem consagrar-se nos anais de seu povo, ter lutado tenazmente por uma causa nobre em sua vida.

*Texto construído a partir de informações da família e da coluna jornalística Retrato Falado de Evandro Corrêa

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