Abrahim Farhat Neto: a saga de um humanista de sangue libanês

“Já instalado no Acre, como camelô, com a mercadoria em cima de um tabuleiro, onde ficou conhecido como ‘Abrahim do tec tec’, pois usava dois pedaços de madeira que, batendo um no outro, chamava atenção dos clientes.”

O Oriente Médio está situado na confluência dos três continentes de ocupação humana mais antiga e intensa do mundo. Através da Região do Oriente estão ligados a África, a Ásia e a Europa. Isso fez com que essa área fosse intensamente habitada e percorrida desde a pré-história até os dias de hoje, além de ser estratégica para quaisquer povos que quisessem expandir suas influências ou suas dominações. 

Abrahim Farhat Neto. (Foto:Divulgação)

“… Na antiguidade o atual Líbano correspondia à Fenícia, uma das mais florescentes e importantes civilizações que a história da humanidade já conheceu. Em razão da situação geográfica das terras libanesas, compostas por uma estreita faixa de terra apertada entre o mar e as montanhas, os fenícios se viram obrigados a desenvolver o comércio em lugar da agricultura. Tornaram-se, assim, exímios navegadores do Mediterrâneo e estabeleceram diversas feitorias, através das quais chegaram a dominar boa parte da costa da África e da Europa.


Começaram, assim, uma milenar tradição comercial que, certamente, foi uma das referências mais importantes para o desenvolvimento de um novo modo de vida na Amazônia, onde os regatões se assemelhavam aos fenícios modernos, navegando e comercializando pelo amplo rio e seus afluentes. Além disso, no Oriente Próximo, durante a antiguidade, desenvolveram-se diversas outras civilizações que maravilham o mundo através de suas realizações arquitetônicas, conquistas militares, inovações técnicas, tradições religiosas e organizações sociais.


Mesopotâmia, Babilônia, Assíria, Israel, Pérsia, entre outros povos guerreiros, agricultores ou pastores, que sucessivamente dominaram os vastos desertos da Península Arábica e os vales férteis do Tigre e do Eufrates. Séculos depois, foi a vez do Ocidente levar novas formas de organização e dominação, através da grande expansão do Império Romano até a Península Arábica. No século V da nossa Era, a consolidação do Império Romano do Oriente provocou a cristianização de diversas comunidades daquela região. Foi graças à presença da famosa civilização Bizantina que boa parte da população do Líbano e atual parte da Síria passaram a professar doutrinas cristãs, algumas Ortodoxas. Essa característica facilitou bastante a adaptação no Brasil, daqueles que possuíam orientação Cristã e saíram do Oriente para fazer a América Contemporânea.


Ao mesmo tempo, outro movimento religioso desenvolvia-se na Arábia, entre os seculos VI e XV. Foi a religião fundada pelo profeta Maomé que a partir de uma série de revelações divinas, escreveu o livro sagrado do Alcorão. Os termos Islâmico, Muçulmanos ou Maometano têm o mesmo significado, isto é, pessoa que está sujeita aos desígnios de Deus ou de Alá, revelando todo o fundamentalismo inerente a essa corrente religiosa. À medida que o islamismo se expandiu, ele foi se dividindo. A principal separação estabeleceu-se entre os Xiitas, defensores intransigentes da fé e os Sunitas que eram mais maleáveis em relação à transformação do mundo.


Já no século XI, chegou à Região outra corrente humana, o Império Turco Otomano que conquistou o domínio do Oriente Médio até o início do século XX. O grande chefe Otoman, daí o nome otomano, deu início ao processo expansionista que resultou na formação de um grande império, com orientação muçulmana. Foi durante esse período que a Síria e a Palestina, sob dominação turca, sofreram uma forte opressão do Governo Muçulmano, sobre uma população de minoria Cristã. E foi justamente a perseguição religiosa um dos principais motivos que levaram muitas famílias libanesas e sírias a abandonar o Oriente e migrar para outras regiões.

*Vinícios Neves, Marcos. Carla de Lima, Ana e Roberto Ferreira, Paulo.
Governo do Estado do Acre. Fundação Elias Mansour.

Família Farhat no Líbano. (Foto:Acervo Fundação Elias Mansuor)

Em entrevista, Abrahim Farhat Neto, narrou que transcorria o ano de 1910, quando seu avô chega, a Rio Branco, em busca do ouro negro, o látex. Ele imigrava em um período em que centenas de nordestinos estavam em busca de crescer na vida. Abrahim, citando o avô, falava-me “meu avô fez parte de uma minoria que fugindo das perseguições, buscava novas terras e largando tudo, embrenhou-se na Amazônia, deixando sua esposa gestante”. Em 1910, seu avô passa por Manaus, onde ele tinha uma prima. Àquela oportunidade, ele trabalhou como vendedor de bananas, na Praça dos Remédio, nos arredores do Mercado Adolpho Lisboa. Tempos depois, resolveu imigrar para o Acre.

Já instalado no Acre, como camelô, com a mercadoria em cima de um tabuleiro, onde ficou conhecido como “Abrahim do tec tec”, pois usava dois pedaços de madeira que, batendo um no outro, chamava atenção dos clientes. Na Cigana que hoje é o belo jardim e pelo lado da Cruz Milagrosa, nesta condição, ainda, trabalhou dois anos como mascate, vendendo mercadorias. O tempo passa e, em 1912, depois de amealhar alguns recursos, ele sai da rua e monta seu comércio no Bairro do Quinze e, mais tarde, transferi-se para a Rua Dezessete de novembro, onde começa a progredir.

Já instalado, mandou buscar seu avô o qual casou-se com uma portuguesa chamada Adelina, cujo casamento ocorreu em Belém do Pará. Em Rio Branco, trabalhava com produtos regionais, como por exemplo, couros de animais, castanha e borracha, até 1952. Em 1910, nasceu, no Líbano, meu pai que imigra para Rio Branco, em 1927. Da união vieram os filhos Fátima, José, Alberto e Said. O comércio caminhava bem, por isso, meu avô manda buscar meu pai, no Líbano. Em 1952, meu avô resolve retornar ao Líbano com a família, deixando todo comércio montado, entregando para meu pai tocar. Ao chegar no Líbano, meu avô encontrou a primeira esposa e foram todos morar juntos.

Já bem mais tarde, Said volta para o Brasil e na política disputamos juntos o cargo de Senador, ele pelo PDS e eu pelo PT e, o mais interessante é que mesmo com as divergências políticas, sempre mantivemos boas relações. Eu nasci e morei à Rua da África, hoje, Primeiro de Maio. Ali, participei de tudo, apesar de não gostar de festas, eu era sócio da Tentamen, que ajudou a fundar a Cila, a Tasa (Teleacre). O comércio prosperava, era uma loja grande, com muitos empregados, entre os anos 1950 e 1970. A Casa Farhat era a que mais recolhia impostos para o governo. Outros descendentes de árabes eram seringalistas, como Isper Júnior e a família Assmar, que foi sócia de Phelippe Daou, quando da implantação da TV Acre.

A transferência da empresa para o Primeiro Distrito, só ocorreu no início da década de 1970, depois de uma grande alagação e, neste endereço, à Rua Epaminondas Jácome, na descida da ladeira, onde pegava a catraia. O comércio era forte, existiam outras empresas importantes, como por exemplo, Assmar, Lavocat e Casa Farhat. Vendíamos de tudo, gás de cozinha, oxigênio, máquina de costura Singer. Vendíamos também cartuchos da Companhia Brasileira de Cartuchos, à época, éramos o terceiro comprador em volume.

Um fato interessante que na luta pela democracia do país, a Casa Farhat fornecia tintas para pinchar com o slogan “Abaixo a ditadura”. Eu trabalhava muito, mas participava ativamente dos movimentos políticos e sempre fui um humanista, recordo-me bem que nos 1960 e 1970 a economia do Acre girava em torno do funcionalismo público, que comprava no comércio local, que vendíamos fiado sem cobrar juros e que não posso deixar de lembrar que, nos 1940 e 1950, o Said Farhat foi Prefeito de Brasiléia. Outros descendentes de árabes também buscaram espaço na política, como por exemplo, Kalume, Elias Mansour, Hélio Khoury. Em 1976, fizemos o primeiro programa de debate, na TV Acre, com o título “Em Cima da Coisa”, e, na oportunidade, eu contribui na direção desse programa. 

Vista aérea de Rio Branco (AC). (Foto:Divulgação/IBGE Cidades)

Em 1941, minha mãe era uma mulher linda, carioca, descendente de árabes, trabalhava em uma chapelaria. Ela foi apresentada ao meu pai pelo Safa Zeque e os dois se casaram uma semana depois, embarcando para Rio Branco de navio.

Se pretendem fazer silêncio de voz, para afirmar que ele não bradou em defesa da Amazônia e da luta política, fiquem convencidos que sempre haverá a memória de Abrahim Farhat Neto, a nos lembrar com uma palavra de ferro ou sua memória de luz. Afinal, bastará para o homem consagrar-se nos anais de seu povo, ter lutado por uma causa nobre em sua vida.

*Entrevista com Abrahim Farhat Neto, quando visitou em Manaus.
*Revista Governo do Estado do Acre. Fundação Elias Mansour.
*Vinícios Neves, Marcos. Carla de Lima, Ana e Roberto Ferreira, Paulo.
*Governo do Estado do Acre. Fundação Elias Mansour.

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