A Valorização da Arte no olhar de Saul Benchimol

De certa forma sua residência tem mesmo um clima galeria, com iluminação natural que dá um toque minimalista na decoração, deixando nos quadros e obras de arte serem as principais estrelas da casa.

Saul Benchimol não é um colecionador de artes. Era um apaixonado pela arte produzida na Amazônia, como já dito por um amigo comum: é sim um intelectual. Colecionar obra de arte é uma prática da antiguidade. A residência do empresário Saul Benchimol, definitivamente, não é uma casa comum, ele de fato é um grande entusiasta das artes e, esse interesse está impresso em cada canto de sua residência, sala de estar, corredores, quartos, biblioteca, enfim toda a casa.

De certa forma sua residência tem mesmo um clima galeria, com iluminação natural que dá um toque minimalista na decoração, deixando nos quadros e obras de arte serem as principais estrelas da casa e que, de fato mostra extremo bom gosto. Seu hábito de colecionar tem um diferencial: artistas que produzem na Amazônia, o que naturalmente contagiou a família, Débora, sua filha que mora nos Estados Unidos, sempre que vem a Manaus, leva algo pra sua casa. 

Rosalie e Saul Benchimol. Acervo da família.

 Foi assim, fascinado pelos detalhes das obras, que Saul Benchimol ia descobrindo raridades e o que lhe chamavam atenção. Dessa forma, ele expandiu sua coleção, para a peça, até chegar ao acervo atual. São incontáveis, dezenas delas. Sua coleção tem sempre uma lógica, especialmente nossos artistas. Nessa garimpagem que fiz, selecionei dois artistas para destacar: Álvaro Páscoa e Moacir de Andrade.

Foto: Acervo Abrahim Baze

 “[…] No final dos anos 40, Álvaro Páscoa participou das primeiras reuniões e debates do Circulo de Cultura Teatral, que em 1952, integraria o Teatro Experimental do Porto (TEP), grupo que reuniu intelectuais, atores, poetas e artistas plásticos ligados à vanguarda. Nos tempos do TEP, Álvaro Pascoa manteve um contato estreito com o encenador, teórico e artista plástico Antônio Pedro (1909-1966) considerado o precursor do movimento surrealista em Portugal e com o neorrealista Augusto Gomes, que liderava uma equipe de sonografia.

Foi quase o mesmo ambiente que o aproximou de um outro amigo, o poeta Egito Gonçalves, autor de Notícias do Bloqueio e igualmente aos demais, de uma obra engajada com os temas sociais, preocupações que percorreram a obra de Pascoa por toda sua vida.

Álvaro Pascoa, também foi frequentador do Cineclube de Porto, entidade comumente censurada pela polícia política. No TEP, no Cineclube e também no ambiente do seu café suíço, ele exercia de modo cauteloso e discreto sua militância político-ideológica, como era a pratica de difusão de ideias adotadas naquela época. A atuação e a arregimentação na esquerda eram feitas em pequenas células, de modo que não despertassem qualquer desconfiança. Pascoa, como muitos, não se filiou oficialmente. Não o fez por temos, pois se assim o fosse não participaria da ação de convencimento, das tertúlias intelectuais e se quer poria as mãos nos boletins do MUD, motivo suficiente para ser mandado ao campo de concentração do Tarrafal. Sua posição ideológica o impedia de se filiar e, de se vincular a organizações politico partidárias, quaisquer que fosse coisa que defendeu sempre. Acreditava nas ações individuais ou coletivas, mas, do que nas instituições formais, o que evidencia se caráter anarco-comunista convicto.

Ao que parece Álvaro Páscoa já divulgava suas ideias desde os tempos da Escola Comercial Raul Dória.

Foi lá que ele conheceu, dentre outros um jovem de dezesseis anos que viria a se tornar poeta. José Bento (1932), unanimente considerado hoje um dos maiores se não o maior tradutor da poesia e literatura espanhola, afirma que sua infância mais forte nos anos formadores da sociedade foi Álvaro Páscoa, destacando-o de um já suficiente rico ambiente de intelectuais e artistas no Porto.

“[…] Álvaro Páscoa chegou em Manaus em setembro de 1958 e logo em seguida integrou-se aos movimentos culturais existentes, em especial, o Clube de Madrugada. Como já conhecia as tendências da vanguarda europeia, influenciado sobretudo pelo neorrealismo e pelo expressionismo, o caráter social de uma produção artística tornou-se ainda mais acentuado no Amazonas, a partir dos costumes da população do trabalho dos caboclos e de suas feições características.

A Manaus dos anos 50 e 60 passava por dificuldades econômicas e estruturais. No período que compreendeu uma parte dos anos 10 até o final da II Guerra Mundial, a apatia, a pobreza e a depressão estavam presentes, atingindo todos os setores sociais da cidade. Durante esta etapa, houve em Manaus uma redução populacional, as noticias chegavam com atraso e a cidade sofria com problemas de infraestrutura. Até meados da tecada de 60 a iluminação publica era escassa e irregular, para citar apenas um dos problemas. O processo de degradação e o abandono que a cidade sofreu após o fim do ciclo gomífero salientaram a debilidade nos serviços urbanos, outrora eficientes e, o descaso com patrimônio histórico. “A obra de Álvaro Pascoa”.60

 

Foto: Acervo Abrahim Baze

Moacir Couto de Andrade 

Moacir Couto de Andrade nasceu em Manaus, Estado do Amazonas, em 17 de março de 1927, na Santa Casa de Misericórdia, Rua 10 de julho, no quarto n° 9. Com poucos dias de nascido, seus pais Severino Gaudino de Andrade e Jovina Couto de Andrade, viajaram para o interior do Amazonas, onde viveu sua primeira infância. Isso aconteceu no município de Manacapuru, no sítio denominado de Nova Esperança, de propriedade de sua tia Josefa Couto da Silva, mas conhecida como Zefinha, professora muito querida naquele beiradão do Rio Solimões. Em 1934, Severino viajou para Manaus em busca de melhor educação para seus dois filhos, Mozart e Moacir. As primeiras letras, os meninos aprenderam com sua mãe Jovina, que era professora naquele lugar.

Depois de se estabelecerem em Manaus, na Rua Joaquim Nabuco, próximo à Rua Barão de São Domingos, fizeram residência na Rua dos Andradas, mudando-se depois para a Rua Ramos Ferreira e finalmente para a Rua Dr. Machado, no Bairro do Alto Nazaré.

60 PÁSCOA, Luciane Viana Barros, Álvaro Páscoa: o golpe fundo. Manaus: Edua, 2012. 61 Informações cedidas pela família.

Foto: Acervo Abrahim Baze

No período elementar, estudou no Grupo Escolar Ribeiro da Cunha, cujo, prédio ainda existe na Rua Silva Ramos. Terminando o curso primário, ingressou no Ginásio Amazonense Pedro II em 1939. Com a noticia da abertura do Liceu Industrial anunciando o ensino profissionalizante em Manaus, cuja, inauguração oficial de sua nova instalação ocorreu no da 10 de novembro de 1941. Dia do Estado Novo, instituído pelo então presidente Getúlio Vargas, seus pais resolveram, de comum acordo, juntamente com os padrinhos, Temísteocles Pinheiro Gadelha e Clotilde Pinheiro interná-lo nesse novo estabelecimento de ensino secundário profissional, já que o jovem tinha como aptidão o desenho e despertava os primeiros rabiscos de sua pintura, que naturalmente chamava atenção das pessoas na época.

No dia 2 de fevereiro de 1942, Moacir Couto de Andrade ingressava como aluno no Liceu Industrial de Manaus no curso de marcenaria, dirigido pelo professor José Barbosa e pelos mestres Horácio e Ataíde. Como aluno interno, permaneceu até os fins de 1945, quando concluiu o curso Industrial, o equivalente ao curso ginasial.

Foto: Acervo Abrahim Baze

Foi no ano de 1946, que deu início a sua vida profissional como auxiliar de escritório da firma CIEX, de propriedade do empresário Isaac Benzecry, cuja, amizade dos dois foi profícua. Foi somente no ano de 1948, que ingressou como desenhista de construção civil na empresa Mário Novelli, que na época, construiu o Sanatório Adriano Jorge, mais tarde, Hospital Adriano Jorge e hoje Hospital Geral de Manaus, tendo trabalhando ao lado do engenheiro José Florêncio da Cunha.

Moacir Couto de Andrade promoveu salão de artes plásticas em vários países da Europa como também no Brasil, foi um apaixonado pela Amazônia, seus costumes, sus crenças, seu folclore, suas lendas e tudo mais que se relacionasse com a Amazônia. 

Foi um escritor festejado. Membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Academia Amazonense de Letras. Seu ateliê recebeu várias personalidades, dentre eles: Rei Charles da Inglaterra, Príncipe Ankiito do Japão, Jorge Amado, Gilberto Freire e outros tantos nomes importantes de sua geração.

Foto: Acervo Abrahim Baze

 Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Imagem de microalga encontrada no Pará vence prêmio nacional de ilustração científica

Produzida no Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura do Museu Goeldi, a imagem vencedora é resultado do primeiro levantamento das comunidades de algas microscópicas da Ilha de Cotijuba.

Leia também

Publicidade