A hanseníase no Amazonas: uma história a ser contada

Em 1867, tem-se notícia da primeira hanseniana, residente numa palhoça em Umirisal, localidade situada acima de Manaus, à margem esquerda do Rio Negro.

A história do trabalho realizado pelo Instituto “Alfredo da Matta” no Amazonas está diretamente relacionada à chegada e evolução da hanseníase. No período de 1832 à 1890, Manaus sofreu um processo migratório expressivo, quando seu contingente populacional saltou de 8.500 para 50.300 pessoas, atraídos pelo período áureo da borracha. 

Em 1867, tem-se notícia da primeira hanseniana, residente numa palhoça em Umirisal, localidade situada acima de Manaus, à margem esquerda do Rio Negro. Não há duvidas que nesta época a hanseníase já se desenvolvia com grande intensidade, os pacientes recolhidos em estado avançado da doença eram atendidos no antigo prédio da Santa Casa de Misericórdia.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

De Paricatuba à Colônia Antônio Aleixo

Após serem cadastrados, os doentes eram remetidos para o Leprosário Belizário Pena inaugurado em 1923, na localidade de Paricatuba à margem do Rio Negro, cujo trabalho já era realizado por Alfredo da Matta e sua equipe. A falta de recursos financeiros para manter os doentes internados faz surgir a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, coordenada pelo Dr. Alfredo da Matta.

Em 1942 o Governo do Amazonas inaugurou a Colônia Antônio Aleixo. Essa alternativa veio amenizar os problemas de toda ordem para os pacientes. Neste mesmo ano também entrou em funcionamento o Educandário Gustavo Capanema, destinado a filhos de hansenianos internados. No Hospital Antônio Aleixo os pacientes eram atendidos e assistidos pelos médicos Geraldo da Rocha, Menandro Tapajós e Leopoldo Krichanã.

Em 28 de agosto de 1955, foi inaugurado o Dispensário Alfredo da Matta, cujo nome foi uma justa homenagem escolhida pelos médicos Raimundo Silas C. de Andrade, Célio Mota e Menandro Tapajós.

Um baiano que preferiu Manaus

Dr. Alfredo da Matta nasceu em Salvador (Bahia), em 18 de março de 1870 e faleceu no Rio de Janeiro em 3 de março de 1954. Seus estudos primário e secundário foram cursados na cidade natal e logo ingressou na Escola de Medicina da Bahia, onde cursou brilhantemente. Em 8 de dezembro de 1889, terminou seu curso de Medicina. Em abril de 1890, nomeado médico do Loide Brasileiro, seguindo viagem até Manaus onde fixou residência.

Foi nomeado pelo Governador do Estado do Pará para exercer umas Circunscrições Sanitárias do Estado, cargo que não aceitou, pois preferia morar em Manaus. Nomeado médico do Exército para servir em Barbacena (Minas Gerais), pediu transferência para Manaus e, não sendo atendido, exonerou-se. Alfredo da Matta se especializou em Medicina Profilática e em Dermatologia. Seu amigo Dr. Francisco de Araújo Lima, na Revista Amazonas Médico de Manaus, Ano VI, página 17, Ano 1944, refere-se a ele:

“[…] Alfredo da Matta é Sócio Bem Feitor da Santa Casa de Misericórdia em Manaus e Honorário e Bem Feitor da Sociedade Beneficente Portuguesa do Amazonas. Professor na Cadeira de Higiene e Enfermatólogia dos Cursos de Farmácia da Universidade. Foi Tenente Coronel Cirurgião da Guarda Nacional e Médico do Asilo de Mendicidade. Representou o Amazonas em vários congressos nacionais e internacionais. Foi delegado e Secretário dos Comitês do Amazonas. Foi Membro Fundador da Sociedade de Medicina e Farmácia e de Medicina e Cirurgia do Amazonas da Sociedade Amazonense de Agricultura, do Clube da Seringueira e da Revista Amazonas Médico, da União Acadêmica e do Círculo dos Auxiliares de Imprensa.


As Academias de Geografia Botânica de Mons/Franca e a Italiana de Ciência Físico-Químicas, foi premiado com a Medalha de Ouro pelo seu livro “Flora Médica Brasiliense”. Foi eleito deputado à Assembleia Legislativa do Amazonas, durante os anos de 1916 à 1920, ocupando o cargo de Presidente de 1917 à 1920. Mais tarde foi Senador da República pelo Estado do Amazonas, suas monografias foram em número de 234 quer avulsos quer em revistas nacionais e internacionais, além de vários livros no ramo da Dermatologia. Em 1955, foi inaugurado o Dispensário Alfredo da Matta, em justa homenagem por todo seu trabalho realizado com dedicação e paixão na terra que escolheu para doar seus conhecimentos.
Dr. Armauer Hansen, descobridor do bacilo causador da hanseníase e o médico Alfredo da Matta, patrono do Instituto amazonense. Foto: Divulgação

O Real Hospital Militar da Capitania de São José do Rio Negro

As mais antigas instituições hospitalares da Região Amazônica foram estabelecidas no Pará, nos séculos XVII e XVIII, como a Santa Casa e a enfermaria dos Capuchos da Conceição, em Belém e a dos Capuchos da Piedade, em Gurupá.

Apesar da grande distância dos centros civilizados, o Amazonas também teve um hospital, ainda no século XVIII, de pomposo nome e modestas instalações – o Real Hospital Militar da Capitania de São José do Rio Negro.

A sua descrição está contida no Diário da Viagem Filosófica ao Rio Negro – 2ª Parte – Participação Primeira – Barcelos (1) do insigne naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, uma expedição científica destinada ao estudo da Amazônia Portuguesa, que saiu de Lisboa, a 1º de setembro de 1783, chegando a Belém, a 21 de outubro daquele mesmo ano, onde permaneceria, visitando a região até 1792.

Fonte: Artigo do Acadêmico Antônio Loureiro, publicado no livro de sua autoria História da Medicina no Amazonas.

O primeiro isolamento do Hospital e do Amazonas

Para se evitar este tipo de contágio, pela primeira vez, em 1784, foi acomodado em um tijupar, no quintal do Hospital, o soldado Albino Joseph, transferido de Tefé, por estar acometido de hanseníase, o mesmo acontecendo com o soldado Simão Joseph, em 1786, os primeiros casos registrados da doença, no Amazonas. 

E aqui temos a citação pela primeira vez da existência de doentes de hanseníase vindos de Portugal, de modo diferente, através das forças militares, o que talvez explique como tão rapidamente a doença desapareceu daquele País, nesse século e nos dois anteriores, com o fechamento de quase todas as gafarias (leprosários) e a exportação de seus hansenianos, para as colônias de além-mar.

Leprosário do Paredão do Rio Negro. Foto: Divulgação

A Hanseníase atinge Manaus e o Amazonas em cheio

Assim, as autoridades sanitárias do Amazonas das últimas décadas do século XIX e dos primeiros vinte anos do século XX, cansaram-se de anotar, em seus relatórios, sobre a expansão contínua da doença, em todo o Amazonas, particularmente entre os habitantes dos rios Solimões, Juruá e Purus, e em Manaus, para onde vinham os doentes de todo o interior, na busca de tratamento, o que dava para prognosticar uma verdadeira pandemia, nos anos futuros.

Os doentes eram então tratados nos muitos isolamentos, que existiram em torno da capital, onde se misturavam com os portadores de moléstias epidêmicas, como os de varíola, morrendo mais rapidamente os portadores do Mal de Hansen ali internados.

Em 1920, grande parte deles estava concentrada no Isolamento do Umirisal, em um terreno situado próximo ao Bombeamento de Águas da cidade, o que causava desconfiança de muitos, por uma possível contaminação do líquido fornecido à população, o que de fato não ocorria.

O Umirisal crescera em demasia, tendo, em 1923, mais de cinquenta portadores de hanseníase, habitando casas de palha e barracões de madeira, sem qualquer conforto, e um ambulatório, onde atendiam os médicos Alfredo da Matta e Antonio Ayres de Almeida Freitas. A hanseníase iniciava a sua escalada, na Amazônia, que praticamente dela ficara indene, durante a época colonial.

A miséria dos doentes era tanta, que comoveu a população de Manaus, organizando-se uma subscrição popular, destinada a levantar fundos, para a recuperação da antiga hospedaria de emigrantes de Paricatuba, o que foi conseguido, em 1924, quando o doutor Samuel Uchôa dirigia a Comissão de Profilaxia. Ali se trabalhou durante os anos de 1925 e 1926, e as instalações ficaram perfeitas, após algumas reformas, sendo constituídas por um gigantesco prédio, construído por volta de 1900, para hospedaria de emigrantes, a igreja, a usina de luz, as casas residenciais para funcionários e doentes, o necrotério, a bomba de água e a escadaria do porto, além da bela paisagem do rio Negro, em um de seus lugares mais estreitos.

O Amazonas estava preparado para seguir a política de Belisário Pena; a do isolamento dos doentes em hospitais-colônias, face à explosão da lepra, em todo o País, controlando deste modo a sua maior disseminação. Explosão que acabou determinando anos depois o fechamento deles, pois as internações criaram um ônus incontrolável para o Estado, sendo o Governo Federal o primeiro a se desobrigar desta ação, antes de 1970.

Em 1924, existiam cinquenta internados no Umirisal; 17, no terreno do Tiro de Guerra; uns 50, perambulando pelas ruas de Manaus, sendo ao todo 510, na capital, e mais de 1000, em Antimari, no Careiro, Cambixe, Fonte Boa, Humaitá, Eirunepé, Lábrea e Manacapuru, os municípios mais atingidos.

Em 1926, a administração amazonense estava entusiasmada com a possibilidade da introdução de imigrantes japoneses e poloneses, e o governador Efigênio Sales foi visitar o hospital de Paricatuba, em maio de 1926, acompanhado do embaixador japonês e de outras autoridades, que encantados com aquilo que seria a futura Colônia Belisário Pena, resolveram transformá-la em uma hospedaria de imigrantes, que jamais chegariam, como os do início do século, para quem fora construída.

E assim a transferência dos doentes foi postergada, somente ocorrendo em 1930, quando deixou de existir o Umirisal, sendo seus doentes levados para Paricatuba, na boca da baía da Boiaçu, um verdadeiro relógio astronômico, onde todas as tardes o sol desaparece, nos meses de equinócio, engolido pelo rio. Ali a colônia ficaria ativa por 40 anos.

Apesar da existência de dois leprosários no Amazonas, com a inauguração da Colônia Antônio Aleixo, o número de doentes continuou a crescer, devido ao contágio através das mucosas nasais, bucais e sexuais, às más condições de vida e ao desconhecimento do contágio e da promiscuidade decorrente.

Fonte: Artigo do Acadêmico Antônio Loureiro, publicado no livro de sua autoria História da Medicina no Amazonas.  

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Maior taxa de alfabetização da Região Norte é de Rondônia, aponta IBGE 

Apesar de se destacar na taxa de alfabetização, Rondônia ainda possui disparidades de raça e idade.

Leia também

Publicidade