As pessoas, aqui e ali, que outrora navegavam suavemente no barco escuro do sono, ouvem agora o caminhar dos relógios e sentem dentro de si o verme da inquietação e os corações machucados. Uma humanidade inteira se consome na febre, noite e dia, em perene vigília através dos sentidos excitados de milhões.
O destino penetra invisível por janelas e portas, e afugenta o sono e o esquecimento de cada leito. São tempos perigosos esses que vivemos, com cada um espreitando a distância longe de si. Há o temor do desemprego, das balas perdidas, da bandidagem negociando com o governo, com a insegurança afugentando as multidões solitárias que povoam as ruas em busca de trabalho.
A tibieza, a fraqueza com que o governo enfrenta a bandidagem mostram que o país vive uma guerra civil, que Brasília não reconhece, por motivos políticos. Não há emprego, as pessoas se temem; não há perspectivas do amanhã nesses dramas sociais que aterrorizam trabalhadores, empresários e a polícia. É assim em São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte e Manaus, onde viver e trabalhar já foram atos mais generosos. Não podemos perdoar essas ofensas.
A guerra civil, que encontra especialistas para explicar por que a bandidagem está irritada, faz vítimas que a imprensa internacional mostra, sem piedade com este país infeliz, povoado por desempregados, congressistas corruptos, governo fraco e um presidente que não sabe o que diz. Nessa transformação da vida, todos estamos atrelados aos acontecimentos, ninguém permanece frio diante do terror da violência que se espalha, forçando a conclusão de que o Iraque e o Haiti não são muito diferentes da realidade que vivemos, uma espécie de febre do mundo.
O que se pretende é transformar o drama em tema eleitoreiro. Esses fatos não são uma visita aos despreocupados, à comunidade agonizante de esperanças de nosso país. Pela visão crítica dos jornalistas desfilam homens e mulheres, símbolos vigorosos da vida a temer pelos filhos que se atrasam nas noites violentas, com expectativas de impressionante agudeza e gravidade. São dias perigosos que se somam a noites aterrorizantes.
No discurso ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1972, Alexander Soljenitsin disse que a violência não existe e não pode existir por si só. Ela está invariavelmente entrelaçada com a mentira. E assim ocorre.